O plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (3) o texto-base do projeto de lei que dá autonomia formal para o Banco Central (BC), uma das bandeiras do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente da instituição, Roberto Campos Neto. Foram 56 votos a favor e 12 contra. O texto segue para análise da Câmara dos Deputados, onde será apensado para tramitar junto com outras propostas que já tratam do assunto, incluindo a enviada pelo governo federal em 2019.
O principal objetivo da proposta é reduzir os riscos de ingerência política na autoridade monetária, ao dar mandatos fixos para o presidente e aos diretores do BC. O projeto também reforça que o objetivo principal do Bacen autônomo é a busca pela estabilidade de preços, mas acrescenta como metas acessórias à busca pelo desenvolvimento econômico e o fomento ao pleno emprego.
A votação estava emperrada desde o começo do ano. O texto foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado em fevereiro, mas não foi levado à plenário devido à crise de Covid-19. A votação só foi desengavetada após uma ofensiva do líder do governo na Casa, senador Fernando Bezerra (MDB-PE). O texto é de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM) e foi relatado por Telmário Mota (Pros-RR).
Para garantir a votação, o governo topou votar antes o projeto que possibilita ao Banco Central substituir operações compromissadas pelo depósito voluntário remunerado. A proposta é de autoria do líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), e relatada pela senadora Kátia Abreu (PP-TO). Ela foi aprovada por votação simbólica.
Sobre o projeto da autonomia do BC, o senador Fernando Bezerra disse que é Senado Federal "puxando a agenda de reformas, mesmo em momento eleitoral". "Essa é uma matéria importantíssima para sinalizar para a economia brasileira que o Congresso Nacional está à altura dos desafios postos. Sinalizamos que o Senado vai retomar a agenda estruturante de reformas, para que o Brasil possa vencer essa grave crise econômica que nós estamos enfrentando", completou.
O autor da proposta, senador Plínio Valério, disse que a proposta dará um sinal positivo aos investidores. "Os investidores nacionais e internacionais vão ter a segurança jurídica de que não haverá demissão a mero prazer do presidente e que a política traçada será executada. Com isso, vão investir. E investido vem o que? Empregos."
Autonomia formal
Pelo texto aprovado no Senado, o Banco Central perde o status de ministério, deixando de ser vinculado ao Ministério da Economia. Com isso, ele vira uma instituição formalmente independente do Executivo.
Atualmente, o BC já funciona de maneira autônoma, mas isso não está no papel. Há apenas um acordo para que o governo federal não interfira nas decisões na autoridade monetária, o que já foi descumprido durante o mandato de Dilma Rousseff (PT), quando houve pressão política para baixar os juros.
A independência formal do Banco Central é tratada por especialistas como um avanço institucional e uma consolidação da estabilidade monetária. O principal objetivo é reduzir ao máximo as chances de ingerência política nas decisões da entidade.
Livre de interferência política, especialistas dizem que a instituição monetária tende a ganhar mais credibilidade junto a investidores. Com isso, o risco-país tende a cair. O risco-país indica o nível de estabilidade econômica e é usado por investidores na hora de decidir em qual nação aplicar dinheiro.
Já a oposição votou contra a autonomia do Banco Central, pois entende que a gestão da política monetária não pode estar dissociada do Executivo. Eles entendem que o governo perde a capacidade de utilizar a política monetária em sintonia com a política fiscal para estimular o crescimento da economia em épocas de crises. Também dizem que o BC passaria se submeter aos interesses do mercado financeiro. O assunto era tema de discussão no Congresso desde os anos 1990.
Mandatos fixos no Banco Central
Uma inovação trazida pelo projeto aprovado no Senado são os mandatos fixos para presidente e para os oito diretores do BC. O objetivo é reduzir a ingerência política na instituição. Atualmente, não há mandatos fixos e o presidente pode trocá-los quando bem entender.
Pelo projeto, isso muda. O presidente da República indicará os nomes para a cúpula da autoridade monetária. Esses nomes terão mandato de quatro anos, prorrogáveis, não coincidentes com o do presidente da República. Os nomes indicados terão de passar por sabatina e aprovação no Senado Federal, como já acontece hoje.
Caso o projeto seja aprovado pela Câmara e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, ele terá o prazo de 90 dias para nomear a cúpula do BC com base nas novas regras. Ele poderá escolher os dirigentes atuais ou novos. O prazo de 90 dias foi sugerido pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), autor do projeto, após reunião com o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Além disso, o projeto fixa uma quarentena de seis meses para que o presidente e os diretores do BC possam assumir qualquer emprego junto a instituições financeiras. Nesse período, após deixarem o Banco Central, eles precisam ficar "desempregados". Em compensação, terão uma remuneração compensatória a ser paga pelo BC.
O texto também estabelece que eles só perderão seus mandatos em três casos: caso tenham condenação criminal transitada em julgado; apresentem pedido de demissão de próprio punho e justificado; e por iniciativa do presidente, mas mediante exposição de motivos, que precisará ser aprovada pelo Senado, assegurada ao dirigente a oportunidade de defesa em sessão pública.
Mandato duplo
O projeto aprovado pelo Senado também prevê uma espécie de "mandato duplo light" ao Banco Central. A principal função da autoridade monetária continua sendo a estabilidade dos preços, dentro das metas de inflação estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para isso, um dos instrumentos utilizados é a taxa básica de juros da economia, a Selic.
Mas, além do controle dos preços, o BC passa a perseguir, “na medida de suas possibilidades”, o desenvolvimento econômico e o pleno emprego.. São objetivos acessórios estabelecidos pelo Senado, o que não existe hoje.
“Sem prejuízo de seu objetivo fundamental [de estabilidade de preços], o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, diz o texto aprovado.
O projeto elaborado pelo governo sobre independência formal do Banco Central não contém esse mandato duplo. O relator do projeto no Senado, senador Telmário Mota (Pros-RR), confessou que, num primeiro momento, achou que atribuir mandato duplo abriria espaço para o Banco Central ser afetado pelo "ciclo político, sendo potencialmente mais pressionado a estimular a atividade econômica e o emprego no curto prazo, visando benefícios políticos e eleitorais, em detrimento de uma inflação mais alta no futuro próximo".
Porém, ele diz que, após conversas com senadores e representantes do Banco Central, concluiu que é possível contemplar na atuação do Banco Central as preocupações com emprego e desenvolvimento econômico, sem prejuízo à função fundamental da autoridade monetária. Ainda segundo Mota, o Banco Central não se opôs a esse "segundo mandato light".
O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e presidente da consultoria econômica Schwartsman & Associados, não vê problema nesse “duplo mandato light”.
“Eu acredito que não é um grande problema, porque o projeto define como objetivo principal do Banco Central a inflação. O artigo não traz números, metas de crescimento e pleno emprego. Desde que não tenha números e passe da forma que está escrito, não vai prejudicar o trabalho o objetivo fundamental, que é a busca da estabilidade de preços”, disse Schwartsman à Gazeta do Povo.
Ele afirma que, ao buscar a estabilidade de preços, o Banco Central realmente já atua informalmente para suavizar as flutuações do nível de atividade econômica.
Já César Augusto Bergo, presidente do Conselho Regional de Economia do DF e professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), diz que não é função do Banco Central olhar para crescimento econômico e emprego. “Se fosse verdade, não precisava de Ministério da Economia. Banco Central tem que focar no câmbio, no credito e na política monetária."
Bergo argumenta que o projeto obriga quem está cuidando de crescimento e desenvolvimento econômico, ou seja, o Executivo a sentar junto com o Banco Central, que cuida da manutenção da inflação. O que, na visão do economista, é uma incongruência. “Ter que ter uma segregação de função, quem executa não pode assinar.”
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