O julgamento sobre reajustes nos contratos de planos de saúde firmados antes do Estatuto do Idoso, que deve ser retomado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (14), deve afetar ao menos cinco milhões de usuários em todo o país.
A ação discute se o reajuste por faixa etária está autorizado para os planos assinados antes de 2003, quando passou a vigorar a legislação que proíbe a cobrança de valores diferenciados em razão da idade.
Conforme a Lei 10.741/03, as operadoras só podem fazer reajustes por faixa etária até os 59 anos do usuário. Porém, para os contratos anteriores ao Estatuto do Idoso, os reajustes ficam sujeitos aos critérios das empresas e os planos podem chegar a dobrar de preço.
As operadoras de saúde argumentam que, quando formularam a modalidade de contratação, tinham a possibilidade de fazer os reajustes por faixa etária. Então programaram sua viabilidade econômica com base nessa premissa.
Uma quantidade significativa de ações sobre o tema – 5.637 ao todo – está suspensa nos tribunais inferiores à espera da decisão do STF.
“A decisão do Supremo vai decidir sobre a constitucionalidade dos reajustes por faixa etária nestes contratos antigos”, explica Rivalino Cardoso, da Cardoso Advocacia, especialista em causas relacionados aos planos de saúde.
Procurada, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) disse à Gazeta do Povo que aguarda o resultado do julgamento pelo STF para se manifestar.
Julgamento contrapõe idoso e operadora de saúde
O caso concreto a ser julgado pelo STF é um recurso da Cooperativa de Serviços de Saúde dos Vales do Taquari e Rio Pardo (Unimed) à decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), que considerou abusivo o reajuste do plano de saúde em razão da mudança da faixa etária.
Para o plano de saúde, o Estatuto do Idoso não poderia ser aplicado, já que o contrato foi firmado antes da vigência da norma.
O julgamento estava suspenso desde junho de 2020. Na época, a relatora – ministra Rosa Weber, hoje aposentada – votou pela aplicação do estatuto, impedindo o reajuste da mensalidade quando o consumidor completa 60 anos.
O voto foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, além de Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, estes dois últimos já aposentados.
Divergiram da relatora os ministros Marco Aurélio Mello, também aposentado, e Dias Toffoli. Ambos consideraram inconstitucional a aplicação do estatuto nesse caso.
Com o placar de 4 a 2, o caso foi levado ao plenário físico a pedido do ministro Gilmar Mendes. Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux se declararam impedidos e não vão participar do julgamento.
Especialistas acreditam na proteção ao idoso
Para os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a tendência é de que o plenário leve em consideração a proteção dos direitos constitucionais.
Solange de Campos, do escritório Carvalho & César Advogados Associados, diz que a questão está diretamente relacionada com a preservação de direitos fundamentais à vida e à saúde, previstos na Constituição.
“Qualquer contrato que não respeite esses direitos deve ser considerado abusivo. E, por óbvio, os contratos de planos de saúde visam, acima de tudo, o lucro das empresas, mitigando todos os princípios constitucionais básicos”, afirma.
Para Cardoso, o espírito da legislação é proteger duplamente o idoso. “Ela entende que o idoso é vulnerável como consumidor e pela idade”, afirma Cardoso. “Considerando ainda os números estratosféricos de lucro que os planos de saúde têm hoje, entendo que seria razoável pensar em uma decisão favorável."
Paulo Roque Khouri, especialista em Direito do Consumidor, concorda que a probabilidade maior é que os planos, mesmo anteriores ao estatuto, não sejam autorizados a reajustar além das regras estabelecidas pela lei de 2003. Mas isso, segundo ele, não deve resolver o problema para essa faixa da população.
“O idoso hoje não tem oferta de planos. Os individuais são altíssimos, inacessíveis para a grande maioria. Por isso, praticamente não existem mais”, pondera. “Por outro lado, o modelo dos planos coletivos acaba reajustando os valores bem acima do que as pessoas podem pagar.”
Reajustes são foco de contestação
Cardoso lembra que os contratos antigos não são o único objeto de pendengas judiciais envolvendo os planos de saúde. Os reajustes, sobretudo em contratos coletivos atuais, são temas constantes de judicialização.
Atualmente, os planos individuais têm reajustes anuais balizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Este ano o índice autorizado foi de 6,91%.
Mas os planos coletivos (por adesão ou empresariais) não estão sujeitos a esse limite. Seus reajustes dependem do contrato firmado entre o consumidor e a operadora de saúde. Portanto, podem ser maiores que os estabelecidos pela ANS para os planos individuais.
Por isso, parte dos consumidores acaba mudando de plano todo ano, em busca de opções mais baratas, ou recorrendo à Justiça. “Há situações em que os reajustes são desarrazoáveis”, diz Cardoso. “Por isso é fundamental estar atento às cláusulas do contrato, que nem sempre são claras.”
Modelo atual está falido, diz especialista
Para Roque Khouri, o atual modelo de planos de saúde está falido. “Ele tem uma judicialização excessiva, um custo elevadíssimo para o consumidor e um formato engessado que também prejudica as operadoras”, afirma.
Segundo dados da ANS, o prejuízo operacional acumulado pelas Operadoras de Plano de Saúde foi de R$ 18 bilhões de 2021 a 2023. Em 2023, o rombo foi de R$ 5,92 bilhões na modalidade médico-hospitalar.
“O prejuízo operacional não significa que as OPS tenham tido resultado final negativo, pois as receitas financeiras são importantes para as OPS pela própria natureza do seu negócio, ou seja, elas recebem a contraprestação dos beneficiários (mensalidades) e há um intervalo de tempo até que as despesas assistenciais sejam pagas”, explica.
“Mas o resultado operacional é importante para a sustentabilidade das OPS, principalmente porque a taxa de juros tende a cair e, por isso, as receitas financeiras tendem a diminuir”, acrescenta.
Para ele, deve ser discutido um novo modelo que permita que os planos possam oferecer mais produtos aos consumidores, não somente o ambulatorial e o hospitalar. É necessário formatar produtos com capacidade de atender as diversas camadas de usuários nas diferentes faixas etárias”, diz.
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