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Sterling Anderson, Chris Urmson e Drew Bagnell, fundadores da Aurora Innovation. | Courtesy of Aurora Innovation/Handout
Sterling Anderson, Chris Urmson e Drew Bagnell, fundadores da Aurora Innovation.| Foto: Courtesy of Aurora Innovation/Handout

Três ex-executivos do Google, Tesla e Uber, que um dia competiram para ver quem seria o primeiro a desenvolver carros autônomos, resolveram adotar uma nova estratégia: pisar no freio e calar a boca. Em sua nova companhia Aurora Innovation, responsável por desenvolver a tecnologia de direção autônoma para montadoras como Vilkswagen e Hyndau, as regras são simples: nada de lançamentos chamativos, linhas do tempo surpreendentes ou performances hiper-coreografadas. “Nenhuma demonstração grátis”, diz Chris Urmson, co-fundador da companhia e ex coordenador do time de carros autônomos do Google.

Essa estratégia a longo prazo da Aurora reflete uma fase para os supercarros pilotados por computadores: um jeito mais silencioso e pragmático de ligar com as duras realidades relacionadas ao mais complexo sistema robótico já construído.

Na esteira de vários acidentes graves que prejudicaram o entusiasmo em torno dos carros autônomos, os executivos da Aurora estão instigando sua própria indústria a enfrentar uma realidade, dizendo que grandes promessas arriscam confundir passageiros e condenar a tecnologia antes que ela possa realmente decolar.

A “indústria inteira” precisa “ser mais sincera sobre nossas capacidades”, diz Sterling Anderson, outro co-fundador da Aurora e ex-chefe do sistema “Autopilot” da Tesla. “Estamos falando em construir confiança no público. Você não faz isso exagerando o que o sistema pode e não pode fazer.”

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Um carro autônomo seguro e vendável tornou-se um santo graal do Vale do Silício: converter uma fração que seja dos 3 trilhões de quilômetros percorridos todos os anos pelos carros e caminhões americanos na tecnologia de direção autônoma poderia reduzir o número de acidentes fatais causados por falha humana e impulsionar um negócio multibilionário.

Cinquenta e sete empresas estão autorizadas a testar veículos autônomos nas estradas da Califórnia, mostram registros estatais, e a competição por talentos, software e tecnologias provocou uma corrida mesmo entre as montadoras tradicionais: a Ford e a GM investiram cada uma cerca de US$ 1 bilhão em suas respectivas empresas de carros autônomos, Argo AI e Cruise.

A primeira companhia a introduzir um verdadeiro carro autônomo no mercado em escala pode ganhar um enorme prestígio, conquistando a confiança dos compradores e um potencial de marketing com o qual suas rivais podem apenas sonhar.

Mas especialistas do setor suspeitam que a maioria das companhias irá falhar: a linha do tempo [dessa indústria] é tão incerta. Os custos de desenvolvimento são altíssimos e a competição tão feroz, nos Estados Unidos e no mundo todo. A gigante dos investimentos NIO Capital estimou em agosto que a “taxa de sobrevivência” das centenas de startups de direção autônoma da China seria de cerca de 1%.

Para se sobressair, algumas companhias apostaram em visões cada vez mais estranhas ou cativantes do futuro. A Mercedez-Bens revelou recentemente um conceito para carros autônomos tirado diretamente da ficção científica, um carro sem pára-brisa que lembra um torradeira gigante.

Elon Musk, da Tesla, disse no fim de setembro que seus carros elétricos estavam a apenas uma atualização de software de poder atravessar o país no piloto automático – em 2016 ele já tinha feito a mesma alegação, a qual não cumpriu no ano passado.

Tais fatos têm preocupado especialistas, que acreditam que a indústria está se preparando para uma grande queda após retrocessos emblemáticos, incluindo um acidente em março no qual uma mulher, no Arizona, atropela e morta por um carro autônomo da Uber. A companhia suspendeu os testes indefinidamente - uma motorista “reserva” está olhando o telefone na hora do acidente.

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“É arriscado você causar tanto barulho [sobre algo] e não conseguir entregar o que prometeu, o que é, fundamentalmente, o que vem acontecendo com todas as outras companhias”, disse Missy Cummings, diretora do Laboratório de Autonomia e Seres Humanos da Duke University, que foi professora de Anderson no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). “Eles estão sobre muita pressão, e aquele acidente fez todo mundo recuar e dizer ‘nós estamos insistindo em algo que não entendemos realmente’”.

Medos irreais e exageros ao vender a tecnologia podem gerar retrocessos

Os acidentes contribuíram para a ansiedade do população em relação à tecnologia: mais de 60% dos norte-americanos que participaram neste verão de duas pesquisas da Brookings Institution e da Advocates for Highway e Auto Safety afirmaram não estarem dispostos a entrar em um carro autônomo. Os que acreditam no potencial da tecnologia para salvar vidas temem que esse mal-estar precoce possa levar os motoristas a evitar os veículos, a adiar sua adoção ou mesmo descartá-los para sempre.

Alguns membros da indústria argumentaram que esse é um medo equivocado, dados as dezenas de milhares de americanos que morrem em acidentes de carro todos os anos. Mas Urmson diz que é razoável as pessoas se preocuparem sobre uma tecnologia nova e ainda não comprovada tecnologia quando o marketing e as possibilidades do mundo real parecem tão incompatíveis entre si.

“O status quo está abalado. Não é como se tivéssemos um transporte seguro nas estradas hoje”, diz ele. “Mas é importante que sejam o mais diretos possível sobre o que você deve esperar, como um usuário da tecnologia, e quais são as limitações. Nós não podemos exagerar”.

As primeiras inovações da tecnologia de direção autônoma, como o uso de câmeras e computadores para manter o veículo na pista, geraram uma cobertura sem trégua da mídia e estimularam os marketeiros a sugerir que a verdadeira autonomia estava à mão. Alguns desses dispositivos são agora vendidos como sistemas de “assistência ao motorista”.

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Mas os engenheiros e projetistas estão enfrentando desafios muito mais espinhosos, incluindo como desviar de pedestres, sinalizar para outros motoristas, navegar em meio a obstáculos e a lidar com a chuva, o calor e a neve. Objetivos anteriores foram conquistados com a instalação de sensores, uma enorme quantidade de dados ou ensinando truques úteis aos computadores. Mas os novos obstáculos exigem uma forma muito mais complexa de inteligência – uma mistura de consciência da estrada, resistência física e psicologia humana, entre outras qualidades – que pode levar anos para pesquisar e entender.

Carros realmente autônomos exigirão técnicas muito mais complexas do que as já desenvolvidas

O caminho para os carros autônomos é dividido em vários níveis de percepção e capacidade, desde os sistemas de assistência ao motorista mais simples do Nível 1 até os modelos totalmente autônomos do Nível 5. A maioria das tecnologias on-the-road agora no Nível 2, exigindo muita interação e supervisão humana. E os especialistas temem que a próxima fase, de melhorias incrementais necessárias para chegar à verdadeira autonomia, possa deixar muitos desapontados ou desinteressados. (Na inteligência artificial, este ciclo de excitação e desilusão se repetiu tantas vezes que tem um nome: “inverno AI”.)

O engenheiro Arun Venkatraman conversa com outros membros da Aurora . Missão da companhia não é fácil.Matt McClain/The Washington Post

Empresas como a Tesla têm impulsionado a implantação de recursos de auto-condução peça por peça, mudando gradualmente as funções mais básicas do carro de humano para máquina. Mas os executivos da Aurora argumentam que tais abordagens geram mensagens conflitantes, sugerindo que os motoristas devem deixar o carro se virar, mas também estarem prontos para evitar um desastre.

“Os motoristas não podem ser atentamente desatentos”, eles escreveram em setembro. “Nós não vamos liberar um sistema que engane os motoristas sobre suas capacidades e, portanto, aumente os riscos já altos de se dirigir.”

Por que a Aurora está entre as companhias mais promissoras do setor

Aurora tornou-se rapidamente uma das mais promissoras concorrentes do setor, com um trio de fundadores de veteranos especialistas em automação, incluindo Urmson, Anderson e Drew Bagnell, também vindo da divisão autônoma da Uber.

A companhia arrecadou US$ 90 milhões em financiamentos desde o seu lançamento, em 2016, e agora emprega mais de 150 pessoas em Palo Alto, São Francisco e Petersburgo, onde a companhia realiza testes diários usando carros não identificados, como o Lincoln MKZ, com sensores giratórios a laser no teto.

Mas poucos viram como os carros realmente dirigem, e a empresa tem trabalhado intensamente para manter sua tecnologia em sigilo: uma rara aparição pública ocorreu em junho, quando um de seus carros-teste foi flagrado, em Palo Alto, diminuindo a velocidade para se esquivar de um esquilo.

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O modelo da Aurora de assinar acordos para construir a tecnologia de carros autônomos para as montadoras – incluindo Volkswagen, Hyundai e a startup chinesa Byton – ajudou a evitar a pressão de ter de conquistar os compradores de automóveis no mercado de massa. A Aurora tem procurado vender sua tecnologia de sensores e software de inteligência artificial para várias montadoras, se protegendo contra os riscos de uma parceria com um único gigante automotivo ou mesmo do dispendioso trabalho de construir carros.

Engenheiros da Aurora instalação componentes autônomos no e-Golf, carro da Volkswagen. Matt McClain/The Washington Post

Volkswagen e o jeito pé no chão da Aurora

Os principais parceiros automotivos da empresa dizem que se contentam em deixar a equipe trabalhar no ritmo que a tecnologia exige. Johann Jungwirth, chefe do Grupo Volkswagen que lidera os esforços de autogestão para a maior montadora do mundo, disse que está “completamente relaxado” em relação a outras empresas que chamaram a atenção precocemente.

Com a ajuda de Aurora, a montadora está construindo um “número de dois dígitos” de carros elétricos autoguiados e-Golf, que eles estão testando na área da baía este ano. Jungwirth e sua equipe se mudaram neste verão da Alemanha para o Vale do Silício para expandir o lançamento do que ele chamou de “abordagem básica de conhecimento”.

Diferentemente de empresas como a Ford, que diz que terá um veículo totalmente autônomo em operação comercial até 2021, a Aurora não oferece nenhuma pista de um cronograma definido. E não é a única equipe autônoma que está pressionando por expectativas concretas. John Krafcik, chefe da Waymo, a divisão autônoma da Alphabet, do Google, que está experimentando vans em passeios em Phoenix, disse em julho que os carros autônomos demorarão “mais tempo do que você imagina”.

Cummings, a diretora da Duke, disse que a abordagem lenta pode ser a única opção que a indústria tem para produzir um carro autônomo no qual as pessoas realmente confiem. Prometer demais agora, segundo ela, pode atrapalhar o momento ideal de dizer “Honestamente, sério, estamos prontos agora. É seguro.’”

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