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4 mitos sobre o Future-se que o pessoal do “tsunami da educação” quer que você acredite
| Foto: Albari Rosa | Arquivo Gazeta do Povo

Depois de 15 e 30 de maio, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), sindicatos de todo país e a União Nacional dos Estudantes anunciaram um terceiro “tsunami da educação”, uma paralisação nacional da educação nesta terça-feira (13).

O motivo é criticar o contingenciamento das verbas na educação e o Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras, mais conhecido como “Future-se”, anunciado pelo Ministério da Educação em 17 de julho e com consulta pública aberta.

A mobilização da categoria vem contando com artigos e memes criticando as iniciativas do Future-se. A verdade é que há um medo exagerado dos redutos de esquerda nas universidades contra parcerias com a iniciativa privada e, ao mesmo tempo, uma série de perguntas importantes, ainda sem resposta do governo (acesse a íntegra do Projeto de Lei do Future-se).

Confira abaixo 4 mitos e 4 perguntas ainda sem resposta sobre o “Future-se”.

MITOS

1. As universidades vão perder autonomia.

O “Future-se”, da forma como está no papel, não fere a autonomia das universidades garantida no artigo 207 da Constituição. A autonomia nas instituições estatais, que existem para preencher funções sociais específicas (no caso das universidades, exercer as atividades de ensino, pesquisa e extensão), não é sinônimo de “soberania” e é restrita ao bom andamento dessas atribuições.

“O que pode estar acontecendo é uma confusão semântica entre autonomia universitária (nos moldes definidos pela Constituição Federal) com o viés ideológico hegemônico nas IFES, onde o setor privado sempre foi encarado como ‘inimigo’ do setor público e do interesse das minorias, o que não é verdade”, afirma o economista Emanoel de Souza Barros, economista, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e integrante do grupo Docentes pela Liberdade. “O Future-se levará as universidades a encararem o setor privado como parceiro e não como supressor de suas atribuições sociais. Isso não fere sua autonomia nos moldes constitucionais, isso é apenas mudança de estratégia política”.

O governo alega que há falhas hoje nas universidades nesses três campos (ensino, pesquisa e extensão). Mais da metade dos alunos que entram em uma universidade pública não se forma e o Brasil, apesar de estar no 14º lugar no mundo na produção científica (em quantidade de artigos), é pouco citado globalmente – ou seja, produz muito nem sempre com qualidade, tendo impacto pequeno dentro e fora do país, com patentes que muitas vezes terminam nas gavetas de seus pesquisadores.

Ao mesmo tempo, se cada universidade fosse um município elas seriam penalizadas pela Lei da Responsabilidade Fiscal que prevê, entre outras diretrizes, que a folha de pagamento não ultrapasse 60% dos gastos. Hoje, cerca de 85% do orçamento das universidades é destinado ao pagamento de servidores.

Por isso, do ponto de vista do governo – e do bolso do contribuinte –, é preciso usar outros meios, além dos oficiais, para auditar as contas das universidades e conseguir mais dinheiro para pesquisas com impacto. E, para isso, o objetivo de realizar parceria com empresas privadas é o de levantar mais recursos, além dos disponíveis pela União – como ocorre em outras universidades de sucesso globalmente – e fazer com que o desenvolvido pelos pesquisadores seja utilizado em benefício da sociedade.

Para ser colocado em prática, o Future-se depende da alteração de 16 leis. Caso o governo alcance esse feito no Congresso, as instituições federais de ensino superior (IFES) que aderissem ao programa se utilizariam de parcerias com organizações sociais (OS), instituições privadas contratadas pelo Estado para atuar seguindo demandas pré-determinadas. Mas o fato de as OS serem particulares não significa que as universidades perderiam autonomia. Para o Ministério da Educação, a parceria com as OS tornaria os gastos mais eficientes e com mecanismos de controle de contas mais rigorosos.

2. Professores e pesquisadores serão obrigados a trabalhar para a iniciativa privada.

Ao estimular parcerias entre universidades e empresas, mediadas pelas OS, o programa prevê que as empresas possam selecionar equipes específicas, que desenvolveriam projetos contratados. Os professores, pesquisadores e alunos envolvidos receberiam sua parte dos lucros e dos royalties, no caso de a pesquisa desencadear na geração de novas patentes. Além disso, profissionais das instituições de ensino poderiam ser alocados para trabalhar dentro das OS, por tempo determinado, recebendo pelas atividades.

“É facultada a cessão de servidores titulares de cargo efetivo em exercício na instituição federal de ensino superior, que exerçam atividades relacionadas ao contrato de gestão, à Organização social”, afirma o projeto. “Caberá à Organização Social o ônus pela remuneração ou pelo salário vinculado ao cargo do agente cedido, acrescidos dos encargos sociais e trabalhistas”. Mas nada disso significa que os professores e pesquisadores se tornariam funcionários da iniciativa privada. “Na prática, o projeto de lei abre porta para a formalização de professores empreendedores”, explica Emanoel de Souza Barros.

3. O sistema de dedicação exclusiva vai acabar.

Nada no texto do Future-se indica qualquer mudança no regime de trabalho dos profissionais que já atuam. O que muda, com a gestão em parceria com as OS, é a possibilidade de contratar novos profissionais, sem concurso. Na verdade, com essa alteração, os professores e pesquisadores que já atuam em parcerias com a iniciativa privada, sem comunicar a suas instituições de ensino, agora contariam com um suporte legal para desenvolver essas atividades.

“O professor em regime de dedicação exclusiva”, afirma o projeto, “inclusive aquele enquadrado em plano de carreiras e cargos de magistério superior, poderá exercer, em caráter eventual, atividade remunerada de pesquisa, desenvolvimento e inovação, na organização social contratada, e participar da execução de projeto aprovado ou custeado com recursos próprios, desde que cumpra sua carga horária ordinária”. E acrescenta: “Caso o docente seja premiado pelo projeto de pesquisa, desenvolvimento ou inovação ou por publicação com destaque nacional ou internacional, desenvolvida a partir da parceria firmada, o valor por ele recebido a esse título possui natureza privada e não se incorpora aos seus vencimentos, para nenhum fim”.

“Dentre os pilares do programa, os dois mais importantes são a governança eficiente e a desburocratização, que toca, dentre outros pontos, nas atribuições do regime de trabalhos dos professores das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) – o tão conhecido regime de Dedicação Exclusiva (DE), que passa agora a permitir (aos docentes) remunerações advindas de outras fontes pagadoras, sem retirar a sua atribuição principal de ensino, sendo este cedido ou não às Organizações Sociais (OS)”, afirma Emanoel de Souza Barros.

4. A universidade pública estará a um passo da mercantilização

Os centros de inovação, criados para aproximar as universidades públicas do mercado, estão previstos por lei. Alguns deles, como os da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se destacam pela qualidade e pela quantidade dos projetos desenvolvidos, já há vários anos. A gestão por OS visa criar mecanismos para que outras instituições sigam o mesmo caminho – que não representa vender as universidades para a iniciativa privada, mas sim favorecer as parcerias com o setor produtivo, em busca de inovação.

Para o professor Emanoel de Souza Barros, o Future-se pode eliminar uma dificuldade: “A atividade docente de pesquisa e empreendedorismo é monitorada por Fundações Sociais de Apoio à Pesquisa que possuem estatutos que, na maioria das vezes, tornam morosas a inserção da iniciativa privada nas instituições federais de ensino superior”, ele afirma. “A simples formalização de um convênio para implementar um projeto desses moldes requer abertura de processos que levam de seis meses a um ano para que a pesquisa possa ter permissão oficial de funcionamento”, explica.

“É essa burocracia o gargalo que impede o empreendedorismo nas IFES, pois nenhum empreendedor privado (diante do mercado competitivo em que ele está inserido) espera tanto tempo para formalizar uma parceria público-privada (o empresário tem sempre uma alternativa melhor para injetar seus investimentos). As IFES se tornam assim elefantes brancos sem gerar benefícios reais para a sociedade, formando doutores que formam doutores, com teses engavetadas nas bibliotecas, sem nenhuma utilidade prática para a sociedade”.

PERGUNTAS SEM RESPOSTA

1. Quais organizações sociais serão escolhidas pelo MEC?

Apesar de ter citado a utilização bem-sucedida de organizações sociais no Brasil, o Ministério da Educação não definiu como serão compostas essas OS e quais serão os critérios para sua aprovação. Como ainda está em fase de consulta pública e discussão com os reitores, espera-se que o governo seja mais claro quanto a essa questão antes da apresentação do projeto de lei no Congresso.

2. O governo promete que não deixará de investir nas universidades federais, principalmente nas atividades de função social das universidades. Quais são as garantias disso?

Exemplos da comunidade internacional mostram que não é possível fazer pesquisa de ponta sem investimentos públicos. Mesmo as universidades privadas não deixam de receber recursos do Estado para pesquisas. No entanto, não se sabe ainda de que forma o governo vai atuar. Até agora, o MEC garante que as universidades não serão privatizadas e continuarão a ter a sua parcela no orçamento anual do governo.

3. As universidades que não aderirem ao Future-se terão menor aporte financeiro do MEC?

Segundo o ministro Abraham Weintraub, em entrevista para o UOL, as universidades que não aderirem ao Future-se continuarão a receber o aporte financeiro previsto no orçamento anual da União e as que fizerem parte do programa terão, além disso, a liberdade de “conseguir recursos privados”. É preciso esperar o desenrolar dos acontecimentos para ver se haverá alguma garantia disso.

4. A lei que estabeleceu o Marco Legal da Ciência e Tecnologia (Lei 10.973 de 2004) e a sua atualização (Lei 13.243 de 2016) não são suficientes para alcançar os objetivos previstos no Future-se?

Alguns críticos acreditam que ao invés de criar um projeto novo, como o Future-se, o governo deveria se dedicar a fazer valer a lei e fomentar a ciência e a tecnologia com as normas já aprovadas no Congresso, que têm dado certo em inúmeras instituições. A resposta do governo é que os benefícios com o modelo de organizações sociais são maiores se comparados às facilidades previstas para as parcerias entre instituições públicas e privadas no Marco Legal da Ciência e Tecnologia, principalmente em relação à atração de mais recursos. Esse tema ainda não foi debatido à exaustão por governo, reitores e sociedade.

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