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Comunidade externa à UFPR será impactada caso a universidade paralise atividades, como diz ser possível
Comunidade externa à UFPR será impactada caso a universidade paralise atividades, como diz ser possível| Foto: Marcos Solivan/ UFPR

A análise da parte escura do Universo, a descoberta de cura para patologias e evidências sobre a adaptação animal que, curiosamente, podem colaborar com o envio de astronautas ao espaço. Essas (e tantas outras) são importantes pesquisas que sobrevivem, entre diversos fatores, graças ao funcionamento das universidades federais do país - que agora têm 3,5% de seu orçamento bloqueado pelo Ministério da Educação (MEC).

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As instituições também são responsáveis por programas que ultrapassam o âmbito específico da academia, auxiliando diretamente à comunidade, por meio, por exemplo, dos hospitais universitários e outros eventos de extensão.

Mas após o contingenciamento nas chamadas despesas discricionárias (gastos com contas de luz, água, equipamentos, manutenção, segurança, pesquisas e terceirizados), algumas universidades afirmam que essas ações estão ameaçadas e podem, até mesmo, estar com os "dias contados". Muitas atividades acadêmicas não sofreram bloqueio de verbas, seja do próprio orçamento da academia ou de outras fontes, como CNPq e Capes. Mas, caso as universidades não sejam capazes de suprir despesas básicas e deixem de ter luz, por exemplo, essas ações terão de parar.

É o caso da UFPR, em Curitiba, que anunciou recentemente ter "estimativa real de suspensão dos trabalhos" a partir do segundo semestre, causando apreensão na comunidade acadêmica. A universidade, na verdade, já vinha com um orçamento apertado há meses, mesmo antes do contingenciamento. E após sofrer bloqueio de R$ 48 milhões, teme não conseguir pagar despesas primordiais. "O valor bloqueado compromete todos os contratos da Universidade junto a seus prestadores de serviços terceirizados, assim como o pagamento de água e luz", afirma a federal do Paraná.

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Ao mesmo tempo, outros educadores garantem que o anúncio é uma "pressão" ao governo para que o contingenciamento seja revertido o quanto antes. O próprio MEC, por exemplo, afirmou que nenhuma universidade "fechará as portas" por não poder pagar despesas básicas. Caso seja necessário, garantiu o ministro da Educação, Abraham Weintraub, os reitores devem solicitar ajuda à pasta.

"Eu não acredito que as universidades vão parar. Se chegar a essa situação, o país acabou, estaríamos pior que a Grécia no auge da crise. Na minha opinião, isso é mero terrorismo", disse um professor universitário, que terá sua identificação preservada, à Gazeta do Povo.

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Se isso de fato acontecer (inviabilização do funcionamento), certamente os 4,5 mil projetos e pesquisas em andamento na instituição estarão ameaçados. Na prática, eles dependem, no mínimo, do espaço físico da instituição. Um biotério, por exemplo, local onde animais são conservados para experimentos científicos, necessita de supervisão ininterrupta. Na UFPR, ao menos 10 terceirizados trabalham nesse ambiente.

E não só eles serão afetados. A comunidade externa à universidade, que se beneficia dos resultados de pesquisas e dos programas de extensão, será impactada. Apenas em 2018, cerca de 2,4 milhões de pessoas foram alcançadas pela interação da federal do Paraná - nas áreas de saúde, ciência e tecnologia.

Abaixo, listamos alguns exemplos de importantes atividades que estarão ameaçadas, caso a UFPR feche as portas em agosto, como diz ser possível.

1) Hospital Veterinário: "sem atendimento, sem pesquisa"

O Hospital Veterinário da UFPR, que ao mesmo tempo atende à comunidade externa e forma os alunos de graduação do curso de Medicina Veterinária, é um das áreas que mais pode sofrer impacto. A escola, inclusive, já prevê um menor desempenho no segundo semestre.

O HV sobrevive graças à receita que recebe do MEC, valor que está dentro do orçamento da UFPR, mas vem em uma rubrica específica, e aos recursos financeiros gerados pelo atendimento à comunidade. O bloqueio, no entanto, foi praticado em 30% do orçamento discricionário do hospital - mesma proporção que no total da UFPR. Isso significa cerca de R$ 280 mil, de um total que o diretor não quis revelar à Gazeta.

"Estamos apreensivos com o corte, trabalhando para que os serviços sejam mantidos", receia Renato Silva de Sousa, diretor do hospital. Segundo ele, o HV não consegue sobreviver apenas dos atendimentos à comunidade. "O recurso cedido pelo MEC não é suficiente, os dois se complementam", afirma.

A receita liberada pelo Governo Federal deve ser utilizada, exclusivamente, para a aquisição e reposição da maior parte dos materiais de consumo - gazes, esparadrapos, medicamentos e equipamentos. Parte também pode ser gasta para serviço de manutenção preventiva e corretiva. "Com o recurso, minha prioridade é material de consumo, e eu tenho que respeitar o sistema de compras", diz ele.

Além disso, boa parte das pesquisas da área se beneficia dos pacientes e instalações do HV, sob a supervisão de um Comitê de Ética específico, como explica Sousa: "Se ela [pesquisa] envolve animais do hospital, o tutor [dono] assina um formulário específico, autorizando ou não esse tipo de trabalho".

"Com a redução do atendimento, teremos redução do números dos animais e também acabamos sofrendo na disponibilidade dos equipamentos, para uso geral ou pesquisa", teme o professor.

2) Projetos de extensão "fascinam alunos e professores de escolas públicas"

"Mudanças pequenas que podem fazer o mundo diferente". É assim que professor do setor de Química Francisco de Assis Marques classifica o projeto da UFPR do qual é tutor - o "Experimentando Ciência".

Criado há cerca de um ano, a extensão leva experimentos químicos a algumas escolas públicas da capital do Paraná, além de oferecer formação continuada a professoras da rede municipal. Essa interação com a comunidade externa só é possível através de parceria com a Secretaria de Educação de Curitiba e graças ao funcionamento ininterrupto da universidade.

"Nós mostramos aos alunos o quanto a ciência pode ser motivadora e está relacionada ao nosso dia a dia. Tentamos incentivá-los ao ensino geral", conta o professor. "Eles ficam fascinados e, dessa forma, é muito mais fácil introduzir os conceitos, sob um aspecto motivador".

Eles fazem isso, explica, pois perceberam que as professoras do fundamental não utilizam muitos experimentos nas aulas de ciência, pela falta de segurança para explorá-los como uma estratégia de ensino.

No ano passado, 20 docentes receberam formação continuada pela UFPR. Com isso, elas acabam tendo prioridade para lecionar aulas de ciências da natureza nas escolas. "O laboratório que usamos para que elas sejam qualificadas pode não ter luz, limpeza, segurança. Isso tudo é 'experimentando ciência'", afirma ele. A falta de segurança é, inclusive, uma reclamação crescente da comunidade acadêmica.

O setor de Química da universidade ainda trabalha no desenvolvimento de repelentes e adulticida para o controle de mosquitos como o Aedes Aegypti. "Se um dia a gente conseguir chegar em um repelente comercial, isso vai ter muita importância para o Brasil. Nós produzimos conhecimento que qualquer área pública pode utilizar em benefício da população", diz. Essas pesquisas recebem recursos do CNPq, que não foram bloqueados.

"Todas correm um sério risco. Quando o governo fala 'eu estou cortando água, luz', é óbvio que isso nos afeta. Diretamente", explica. "Precisamos da estrutura física para desenvolver as pesquisas. Se eu tiver dinheiro do CNPq, mas não as instalações da UFPR, não adianta".

3) Biotério ameaçado pode conter solução contra vício em drogas

Uma infinidade de microrganismos, células e animais de pequeno porte são supervisionados e armazenados no biotério da UFPR. Através das análises nesse ambiente, pesquisadores podem descobrir, por exemplo, a solução contra epidemias e patogenias.

A Farmacologia é uma das áreas que mais conta com o espaço e, entre as principais análises, está a que procura um caminho para a reversão da dependência química. Se comprovada a teoria da equipe que trabalha no estudo, haverá solução para os usuários de crack que não conseguem deixar o vício.

O abuso de drogas "impede que os neurônios desativem o sinal da dopamina, causando uma ativação anormal do circuito de recompensa do cérebro". O usuário, assim, não consegue parar de se drogar. Mas a pesquisa demonstra que o medicamento diazepam "bloqueia os efeitos das anfetaminas sobre a liberação de dopamina".

No momento, resultados são preliminares, mas já foram publicados em revistas científicas de renome internacional, como a Acs Chemical Neuroscience, e já tiveram 2786 citações.

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"Temos apenas indícios, mas talvez a gente consiga fazer com que a população de rua que usa o crack consiga abandonar o vício e começar um tratamento. Vai ter grande importância, pois o crack, hoje, é um problema de saúde pública", almeja Cláudio da Cunha, professor coordenador do Comitê Gestor do biotério.

Existem outras análises em andamento, como o mapeamento de funções cerebrais ligadas à recompensa, à dor crônica, doenças bio degenerativas, neuropsiquiátricas, como o Parkinson e funcionamento do sistema nervoso.

"Cerca de 25% de todos os trabalhos de biológicas dependem do biotério, e nós estamos sendo bastante afetados com o corte do MEC, que incide sobre os contratos de funcionários terceirizados. Sem eles, é bem complicado manter a rotina de manutenção dos animais", diz o professor titular de Farmacologia. Ao menos 10 funcionários estão envolvidos com esse tipo de contrato. Na UnB, por exemplo, o biotério conta com apenas um terceirizado.

O bloqueio também afeta, ele afirma, a aquisição de ração, vacina, medicamento, manutenção da qualidade dos animais e recolhimento de lixo hospitalar.

Por fim, outro dos sustentáculos dessa pesquisa é o setor de Tecnologia da Informação. Durante as análises da atividade neural, com o objetivo de entender como acontece a tomada de decisões no cérebro, muitas informações são coletadas. São como "códigos binários de computador", explica o professor. Esses dados precisam ser armazenados em algum lugar, e é aí que entra a TI. "O sistema nervoso é feito de neurônios, que se comunicam, codificam coisas".

"Essa tarefa de tentar decodificar como as decisões sobre comportamento e memória funcionam também depende deles. Só nesse projeto a gente tem 7 terabytes guardados no setor de informática. Para manter os dados, todo ano é necessário trocar placas, HDs. Esse dinheiro é utilizado do orçamento da universidade", afirma ele. "Os resultados não teriam sido possíveis sem o apoio financeiro do governo federal na forma de bolsas, financiamento de materiais de laboratório e equipamentos e recursos de manutenção e expansão das universidades públicas. Estamos muito preocupados".

4) Corte de bolsas de pós-graduação

Além do contingenciamento, universidades também sofreram bloqueio de bolsas de pós-graduação. Ao todo, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao MEC, suspendeu quase 4 mil bolsas consideradas "ociosas" (quando ninguém as ocupa).

Segundo a UFPR, "18 cursos de mestrado, 17 de doutorado e 10 programas de pós-doutorado" foram atingidos. Ao todo, "107 bolsas da Capes foram" suspensas - isso representa 7% do total do benefício.

O Programa de Pós-Graduação em Farmacologia (PPG-FARM) foi o mais afetado, como conta a professora Alexandra Acco, vice-coordenadora de pós-graduação. "Pela característica das pesquisas desenvolvidas nos projetos de teses e dissertações, a maior parte dos alunos recebe bolsa de pós-graduação, o que permite que se dediquem integralmente às atividades", afirma ela. "Por isso, o corte de 12 bolsas impacta diretamente sua dinâmica, inviabilizando especialmente o início de novos projetos de pesquisa".

Do último processo seletivo, dois alunos, um de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e outro de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que tinham sido selecionados para receber a bolsa, acabaram desistindo do programa, após o bloqueio.

5) Um Festival de Inverno mais "modesto"

Do âmbito cultural, o conhecido Festival de Inverno da UFPR, realizado todos os anos no município de Antonina, não terá o mesmo porte em 2019, sua 29ª edição. Nas palavras de Leandro Gorsdorf, pró-reitor de Extensão e Cultura, o evento será "mais modesto", por conta do orçamento apertado.

"Prevendo um ano de mudanças governamentais, nós já propusemos uma diminuição do festival, que terá apenas quatro dias", conta. Os cachês dos workshops, espetáculos, hospedagem e alimentação das equipes saem dos patrocínios, que também diminuíram.

O orçamento da Federal cobre a parte logística do evento: transporte, diárias das equipes internas da UFPR e principalmente toda a sonorização e iluminação. Esse montante sofreu grande diminuição, e cobrirá apenas "o básico".

A equipe, dessa forma, busca aumentar os patrocínios e parcerias. "Fizemos reunião com a prefeitura de Antonina, para ver se pode nos ajudar, além de outras instituições que possam nos apoiar", diz.

"Nesses momentos de dificuldades", reconhece Gorsdorf, "a gente tem que ser criativo e buscar novas parcerias. É nisso que a gente aposta".

Conheça os projetos e programas da UFPR:

  • Hospital Veterinário da UFPR.
  • Hospital Veterinário da UFPR.
  • (Da esq. para a dir.) A residente de Medicina Zoológica Nasaissa D. Reinhardt e o residente André Saldanha prestam atendimento à coruja-buraqueira.
  • (Da esq. para a dir.) A residente de Medicina Zoológica, Sheron Sierakowski e o residente André Saldanha prestam atendimento à coruja-orelhuda.
  • Professoras da rede municipal recebem capacitação na UFPR.
  • Professoras da rede municipal recebem capacitação na UFPR.
  • Professoras da rede municipal recebem capacitação na UFPR.
  • Professoras da rede municipal recebem capacitação na UFPR.
  • Professoras da rede municipal recebem capacitação na UFPR.
  • Pesquisas da Farmacologia podem trazer resultados contra o vício em drogas.
  • Pesquisas da Farmacologia podem trazer resultados contra o vício em drogas.
  • Pesquisas da Farmacologia podem trazer resultados contra o vício em drogas.
  • Festival de Inverno da UFPR será "mais modesto" em 2019.
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