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Ilona Becskeházy, ex-secretária de Educação Básica.| Foto: Reprodução/Flickr

A exoneração de Ilona Becskeházy da Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC) foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) na última sexta-feira (7). Em sua gestão, além de fazer um diagnóstico dos passivos que ocorrem na pasta há muitos anos, Ilona propôs à equipe do novo ministro reformas de qualidade adotadas por países que prosperam em educação.

"Me angustia saber que a gestão da educação básica voltará a ser como antes. Tenho pouca expectativa de que a situação mude. Percebi que eu estava em um ministério que não trabalha para o presidente Bolsonaro. Mas, de fora, estarei observando e contribuindo, principalmente, como vinha fazendo há mais de um ano, com Carlos Nadalim", disse.

À Gazeta do Povo, a ex-secretária contou que, inicialmente, soube da demissão através da publicação do ministro Milton Ribeiro em sua rede social Twitter, e não por meios oficiais.

"Fui demitida pelo Twitter", afirmou Ilona. "Recebi a ligação do secretário-executivo [Vitor Godoy Veiga] somente depois que a publicação havia sido feita e eu avisada por minha equipe. Embora seja comum a requisição dos DASs nas trocas de comando, valer-se de adiantar a decisão pelas redes sociais pode ser uma jogada política: evita-se que alguém mais poderoso possa interferir no processo. Além disso, na era do 'cancelamento' público, pode ser compreendida como uma licença para abrir a temporada de caça. Não sei se foi essa a intenção, mas que pegou mal, pegou".

"Assim, quando o secretário-executivo me telefonou, requisitei verbalmente que minha demissão fosse oficializada o mais rapidamente por e-mail ou pelo Diário Oficial da União, pois havia muitos atos administrativos que precisava assinar e não queria nem perder prazos, nem ser mal julgada por continuar assinando atos depois de saber que não continuaria no cargo. Horas mais tarde, repeti a solicitação por e-mail", disse.

Para o posto, Ribeiro anunciou Izabel Lima Pessoa, que já havia sido exonerada da SEB em 29 de julho. Servidora de carreira da Capes aposentada em março deste ano, ela foi diretora do setor com o maior orçamento (mais de R$ 1 bilhão) da secretaria – a Diretoria de Políticas e Diretrizes da Educação Básica (DPD). Izabel é mestre em Desenvolvimento Sustentável e doutora em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB).

Visão técnica não alinhada

Desde a posse de Ilona, em 17 de abril, todas as diretorias da SEB já haviam tido seu comando trocado. “Em parte, porque eu precisava trazer alguns especialistas que só podem ser removidos para cargos mais altos [regras da Esplanada], mas, em muita medida, porque não havia um entendimento básico sobre como gerenciar projetos", conta a ex-secretária.

"Levei um susto quando foi necessário apresentar ao governo [a pedido do Ministério do Planejamento] a documentação de projetos das iniciativas da pasta [que já estavam em andamento antes de sua posse]: não conseguia achar explicações que contivessem nexo causal plausível com a qualidade ou equidade da educação para os entes subnacionais, que é a função da pasta", diz. "Mudar só por mudar não era o que queria, mas percebi que seria importante ter pessoas que soubessem, pelo menos, montar documentação formal de gerenciamento de projetos – não a burocrática -, além de alocar orçamento público, algo que eu mesma desconhecia".

Ilona diz ter hesitado em remover Izabel imediatamente já que a diretoria então chefiada por ela é a maior da secretaria, com orçamento de R$1 bilhão, sendo responsável pelos desenhos mais abrangentes das políticas de indução para os entes federados subnacionais. A DPD era, também, onde a ex-secretária planejava colocar alguém que entendesse de produção de documentos curriculares em padrão internacional - o maior desafio educacional do Brasil hoje, afirma. Ela também disse à reportagem que demorou a encontrar um substituto que pudesse entregar o que estava em seus planos. "Só que agora ele já estava a caminho, é como morrer na praia", diz. O lapso de tempo resultou em uma "saia justa", que a própria ex-secretária relata.

Pouco tempo antes de ser demitida, sem consultar o gabinete da SEB, Izabel emitiu uma nota técnica contrária à MP 934, de autoria da deputada Luísa Canziani. A medida provisória dispõe sobre a flexibilidade do calendário escolar em decorrência da pandemia.

"É perfeitamente possível que os diretores atuem sem me consultar, mas, normalmente, espera-se que haja ao menos um alinhamento das visões de trabalho”, afirmou Ilona. Embora não compulsória, a consulta ao gabinete, antes de que qualquer parecer seja assinado, é uma prática comum por parte dos diretores. O pedido de parecer a respeito da MP 934 havia sido solicitado ao gabinete da SEB, que se posicionou favorável à medida provisória.

Perspectivas de mudança na educação básica do país e resistências internas

Em menos de quatro meses frente à SEB, Ilona afirma ter atuado no sentido de recuperar um potencial desprezado há muitos anos - já que a eficiência das ações da pasta reflete diretamente na prosperidade educacional do país. Em seu plano de ação apresentado à equipe do novo ministro, ela fez um diagnóstico minucioso pontuando graves passivos da secretaria, como o acúmulo de problemas operacionais e a perda da capacidade de induzir a melhoria da qualidade da educação básica do Brasil, por meio de transferências interinstitucionais condicionadas, o que é a essência do Regime de Colaboração previsto na Constituição e na LDB.

Ao perder capacidade estratégica e técnica da equipe, a SEB “delegou a terceiros [ONGs e agências internacionais de fomento] a responsabilidade de formular políticas nacionais de indução de qualidade e efetividade escolar”, afirma.

Ainda segundo o diagnóstico elaborado na gestão de Ilona, os recursos discricionários da secretaria até então tinham foco excessivo em gastos, como, por exemplo, eventos e viagens, “com pouco ou nenhum nexo causal com a efetividade da política educacional”.

Um exemplo gritante dessa inversão, segundo a ex-secretária, foi a condução de um acordo com o Banco Mundial que previa gastos de US$ 250 milhões, negociados pelo ex-ministro Rossieli Soares, agora secretário de Educação de São Paulo. “Eram 90% de recursos para serem repassados aos estados para a reforma do ensino médio e 10% para contratar consultores que deveriam  fazer o desenho indutor da qualidade e efetividade, usando os parâmetros técnicos do BM, que costumam ser de alto nível. Adivinha o que foi gasto primeiro?", diz.

"Pelo menos, eu estava muito feliz porque já estávamos desenhando as fórmulas para os gastos futuros, pois é um projeto de 10 anos e não tínhamos chegado nem à metade. É uma sensação de nadar contra a maré e chegar a uma ilha deserta tomando flechada de habitante assustado. Eu estava doida para dar uma de Robson Crusoé!", brica a ex-secretária.

Contra toda essa passividade, que reflete na desvantagem de desempenho cognitivo dos estudantes brasileiros em relação aos de outras nações, Ilona pretendia adotar estratégias empregadas por países como Portugal, por exemplo, que passou de "lanterninha" da educação a índices que superaram os da Finlândia.

O plano de Ilona, fundamentado nessas experiências internacionais, tinha quatro grandes pilares que, embora já existam, ainda têm desenho e implementação muito frágeis: currículo com objetivos de aprendizagem claros e ambiciosos, como o que ajudou a elaborar para o município de Sobral, considerado ilha de excelência no Brasil. Segundo Ilona, esse currículo é posterior ao já consolidado sucesso acadêmico da equipe local do município cearense, mas foi uma potente alavanca para a continuidade do progresso. Ela pretendia iniciar a revisão já prevista para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e fazer a complementação do edital de livros didáticos da educação infantil, que começará a ser elaborado nas próximas semanas.

Leia também: Fundeb: CE ensina que é preciso mais do que recurso financeiro para mudar educação

Como decorrência do currículo, resultam justamente os livros didáticos de melhor qualidade, a partir de padrões mais exigentes, como a SEB já havia feito, em parceria com a Sealf, capitaneada por Carlos Nadalim, na elaboração do edital PNLD infantil 2022. Pela primeira vez, o programa contemplará alunos da pré-escola com materiais didáticos – livros para leitura compartilhada, que já haviam sido feitos em outras edições, mas sem cadernos voltados ao desenvolvimento de atividades cognitivas precursoras da alfabetização, similares aos da rede privada. A ideia de se investir em boas políticas de educação infantil que prezam o desenvolvimento cognitivo, como a do PNLD, é lembrada, em especial, pelo economista James Heckman, laureado com o Nobel de Ciências Econômicas.

Completam ainda os quatro pilares: o aprimoramento das avaliações formativas e continuadas e a capacitação de professores e pais a fim de que contribuam didática e emocionalmente para o aprendizado dos alunos. A ex-secretária também apontou que um maior investimento em infraestrutura e tecnologias não promoveriam avanços significativos “se esses fundamentos anteriores não fossem bem implementados".

"Quando pontuei os passivos da secretaria e apresentei à equipe do ministro as ações que pretendia adotar, a única pergunta que me fizeram foi: ‘como você pretende gastar o orçamento?’", conta. Ilona ainda afirma que, embora a secretaria tenha atuado no sentido de repassar com urgência os recursos da pasta para os entes subnacionais, em meio à pandemia, teve de enfrentar graves gargalos operacionais, além de um empoçamento de recursos não gastos na ponta.

"Mais de R$1 bilhão que seus representantes reportam nem saber gastar, por não receberem do MEC as orientações técnicas necessárias. Há municípios com baixíssima capacidade de gestão e que dependem de orientação de fora. O MEC tem obrigação de fazê-lo, mas se não fizer, abre espaço para um mercado substancial de consultoria", diz.

A ex-secretária também participou da reforma do regimento do PAR 4, um dos principais canais de repasses de recursos para estados e municípios, restringindo, por exemplo, a possibilidade de alocação em eventos considerados "inúteis" por sua equipe, para direcioná-los à formação docente, de acordo com a nova resolução do CNE, a ser homologada pelo ministro.

"O PAR é um programa antigo, formatado pelo Banco Mundial para fazer transferências de recurso condicionadas à implementação de ações de qualidade, como faz muito bem o estado do Ceará - único da federação que levou o modelo a sério. A gestão do PT foi, aos poucos, removendo os critérios, transformando o PAR em um ralo de escoamento de recursos públicos. Os resultados já mostram quem tinha razão", afirma Ilona.

Embora tenha preferido não citar nominalmente os eventos aos quais se referia, a ex-secretária mencionou um fórum realizado pela Undime na Costa do Sauípe, em 2019, no qual as despesas dos participantes foram todas custeadas pela SEB. "Eu vi a descrição das mesas e pessoas que foram ao evento me relataram um verdadeiro convescote, algo bem diferente da Conabe, cujo relatório está sendo finalizado".

"Em geral, é difícil explicar para o cidadão pagador de imposto como ações como essas, que vinham sendo adotadas pela secretaria há tanto tempo, atrasam o Brasil. É muito mais fácil perceber, por exemplo, quando o dinheiro é usurpado por políticos para comprar carros e casas de luxo. Mas não é sempre assim", afirma ela. "Gastar mal os recursos, o que não é um crime objetivo, é um crime moral".

“Governabilidade monstruosa”

"A impressão que tive foi de que a nova equipe não tem ideia do que é preciso ser feito - até porque a nova secretária já esteve à frente de uma diretoria importante. É claramente perceptível uma continuidade de propósito – quem ainda manda no MEC, desde o início do governo Bolsonaro, parece não estar preocupado em melhorar a educação. São vários pequenos sinais. Há pouca tecnicidade e, por outro lado, há uma super organização para tentar desqualificar qualquer pessoa que proponha reformas de qualidade", diz Ilona.

Questionada pela reportagem sobre o peso da responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro nessa conjuntura, ela afirma que "a governabilidade é um monstro de proporções mitológicas" e que ainda está convencida, por tudo que viu, de que Bolsonaro está correto em fazer certas escolhas. "É fundamental para o país que ele seja reeleito. Neste caso, ele não tinha como saber, em detalhe, a diferença entre o que eu e o Nadalim vínhamos fazendo e o 'blá, blá, blá' que parece estar a caminho".

Entidades representativas e outros atores envolvidos com a educação se queixavam da gestão de Ilona, afirmando que ela mantinha pouco diálogo com os entes subnacionais. Sobre sua postura combativa, a ex-secretária defende que "quem faz oposição a políticas ruins, principalmente as que utilizam muito recurso e não produzem resultado, acaba sendo mais popular, mas quem as combate, é taxado de belicoso, beligerante".

Também apontada como "ideológica" e "olavista", ela afirma que até então sequer conhecia as ideias e livros de Olavo de Carvalho, considerado o "guru do bolsonarismo", mas que vai "passar a fazê-lo para entender, com honestidade intelectual, o porquê de sua influência". "Sem desmerecê-lo, mas nunca li um livro dele. Li Paulo Freire, Pierre Bordieu e um monte de relatórios técnicos da minha área, mas Olavo sempre esteve fora do meu radar", diz.

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