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Alunas no Campus Lustig, um dos campus femininos da Faculdade Lev, que segue a linha judaica ultraortodoxa. | Reprodução / Facebook.
Alunas no Campus Lustig, um dos campus femininos da Faculdade Lev, que segue a linha judaica ultraortodoxa.| Foto: Reprodução / Facebook.

Israel está entre os países com maior grau de instrução no mundo. Em 2016, 49,9% das pessoas de 25 a 64 anos tinham um diploma de Ensino Superior, terceira maior proporção do planeta, segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). Mas um grupo dentro da sociedade israelense destoava dessa estatística: os chamados judeus ultraortodoxos, que compõem a comunidade mais conservadora do judaísmo.

Em geral, os praticantes desta linha dedicam a maior parte da vida ao estudo da Bíblia, casam relativamente cedo e constituem famílias com muitos filhos. Em Israel, há bairros e pequenas cidades formadas quase totalmente por ultraortodoxos, que acabam tendo contato mínimo com pessoas de outras linhas. 

Inserção 

Segundo o Anuário de 2017 da Sociedade Ultraortodoxa em Israel, publicado pelo Instituto de Pesquisa Política de Jerusalém, os ortodoxos representam atualmente 12% da população e 4% dos estudantes universitários do país. Mas essa proporção vem aumentando consideravelmente: a publicação mostra que, em sete anos (do ano letivo de 2009/2010 ao de 2015/2016), a taxa de crescimento de estudantes ultraortodoxos em instituições de ensino superior cresceu 147% – em contrapartida, o crescimento no número total de estudantes foi de 10% no mesmo período. 

A doutora em Educação e Sociologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém, Elana Sztokman, alerta, porém, que pesquisas precisam ser olhadas com cuidado, pois contam apenas quantos alunos começaram os estudos. "As estatísticas não incluem quanto desses estudantes realmente se formam e conseguem empregos", ressalta. 

Zvi Schreiber é diretor do Campus Lustig, um dos campus femininos da Faculdade Lev, que segue a linha judaica ultraortodoxa – nas faculdades ultraortodoxas, homens e mulheres não estudam juntos. Ele acredita que o contexto do país influencia no aumento de estudantes acadêmicos dentro das faculdades e universidades:

Vivemos em Israel e não nos desconectamos do que acontece aqui. O país está entre os primeiros do mundo em quantidade de estudantes acadêmicos proporcionalmente. São números que falam por si só. 

Motivação 

A maior motivação dos estudantes é a busca por emprego qualificado, como é o caso de Noah e Hadas, estudantes de Administração no Campus Lustig. Noah conta que o diploma é algo que entrou definitivamente na comunidade ultraortodoxa. "Diria que, hoje, 80% das minhas amigas estudam na graduação", ela comenta. 

Schreiber acredita que, nos últimos anos, tornou-se mais aceitável para esta comunidade dedicar-se a estudos acadêmicos. Isso porque, antigamente, era tradição entre a comunidade judaica ultraortodoxa priorizar a dedicação a estudos bíblicos e à família, um costume que afasta os judeus ultraortodoxos da sociedade judaica israelense em geral. Elana Sztokman explica:

Em última análise, rabinos ultraortodoxos criaram uma subcultura dentro de Israel de famílias que não trabalham e que procriam muito. É claro que o restante da sociedade vai responder com ressentimento. A lacuna cultural e a raiva vêm da existência de um grupo inteiro que não 'sustenta seu peso' e depende totalmente do outro grupo para sustentá-lo.

Orna Kupferman, professora de Ciência da Computação na Universidade Hebraica, lembra ainda que, na verdade, a comunidade ultraortodoxa começou a buscar mais renda antes mesmo de se inserir no ensino superior "devido a decisões políticas que reduziram os valores recebidos do governo". 

Contexto social 

O que ocorre é que os homens que se dedicam somente à religião podem receber auxílio do governo para sustentar suas famílias. Então, por muitos anos, essa parcela da população não esteve inserida na comunidade acadêmica e no mercado de trabalho na mesma proporção que os israelenses judeus em geral. 

Isso explica por que há mais mulheres ultraortodoxas trabalhando que homens da mesma linha religiosa. Dentre os ultraortodoxos, 73% delas estão empregadas em Israel, enquanto 52% dos homens trabalham. Já entre os judeus não-ultraortodoxos, as taxas são de 82% para mulheres e 87% para homens. Ou seja, além de ser uma proporção maior, há uma diferença menor entre os gêneros. 

O crescimento no número de ultraortodoxos nas universidades não significa, necessariamente, uma redução nos estudos bíblicos. No Campus Lustig, por exemplo, são oferecidas também aulas de religião. "Os dois estudos andam juntos", comenta Noah, enquanto sua colega Hadas completa, elogiando a faculdade: "Tem aulas de religião para quem quer conciliar. Isso nos dá estrutura. É um lugar que se preocupa conosco. Não é um lugar em que você faz o que quiser". 

Ziv Schreiber detalha que academicamente as matérias são independentes. "Os estudos religiosos não têm nenhuma relação com os estudos acadêmicos. As disciplinas de religião não fazem parte das notas". 

Evolução social 

Para Orna Kupferman é crucial que os ultraortodoxos se tornem uma comunidade produtiva, mas ela explica que ainda é difícil notar as consequências sociais e econômicas geradas pela maior presença dessa classe no Ensino Superior. "Infelizmente, como eles continuam segregados nos locais de trabalho, é difícil dizer (o impacto na sociedade). Mas vemos sim mais lugares de trabalho que separam homens e mulheres para atender à demanda por segregação". 

No Campus Lustig, as alunas começam a estudar imediatamente após o Ensino Médio, algo incomum em Israel. Como todos devem servir ao Exército a partir dos 18 anos, costuma-se entrar na faculdade somente após o período de serviço militar, que dura cerca de dois anos para as mulheres e em torno de três anos para os homens. Porém, é possível conseguir dispensas definitivas ou temporárias do exército por questões religiosas ou por estar cursando Ensino Superior. 

"Quando elas casam – e estamos cientes de que casam cedo –, as mulheres vão ter suas casas para cuidar. E, em alguns casos, os maridos não trabalham. Então, a mulher precisa trabalhar. Por isso, as meninas tentam estudar o máximo possível antes do casamento, imediatamente após o Ensino Médio, para conseguirem se formar logo, pelo menos um antes de casarem", explica Schreiber. 

Problema 

Orna Kupferman chama atenção, porém, para uma questão relacionada ao ensino básico. "Em longo prazo, essa pequena mudança que ocorre agora pode ter mais desvantagens que vantagens. Pode dar a impressão de que é possível preencher uma lacuna de 12 anos de Ensino Médio e Fundamental, o que é errado. Uma vez que as autoridades de Educação Superior não insistem em ensino básico, os líderes ultraortodoxos dizem que é ok continuar com crianças sem educação básica. E aquelas que eventualmente quiserem estudar em nível superior, conseguem", opina. 

De acordo com Kupferman, mais de 50% dos alunos ultraortodoxos não se formam por causa de sua "bagagem defasada". Ela se refere ao fato de as escolas da comunidade ultraortodoxa dedicarem grande parte das aulas ao estudo de religião, dando menos ênfase às disciplinas regulares. 

Há seis anos, a Universidade Hebraica oferece à comunidade ultraortodoxa um curso pré-acadêmico para minimizar essa diferença. "É muito desafiador porque a defasagem não é só em matemática ou inglês, mas também em hábitos de estudo. Então, eles são integrados nos programas usuais, e tentamos promover um forte aconselhamento social e acadêmico", explica Kupferman sobre o programa, que conta atualmente com cerca de 300 alunos. 

A professora afirma que mais da metade dos alunos continua seus estudos na própria Universidade Hebraica, mesmo sem turmas que separam homens de mulheres. A convivência entre ultraortodoxos e não-ultraortodoxos no campus da universidade é animadora, na visão de Kupferman. "Essa é exatamente uma das razões pela qual não queremos programas segregados (em cursos universitários)", ela relata. 

"Queremos ver mais estudantes ultraortodoxos, achamos importante que eles completem a lacuna na educação básica e estamos dispostos a nos comprometer com a questão da separação de gênero no país. Mas, uma vez que isso chega à Educação Superior, acreditamos que a segregação é muito ruim para todo mundo, e não queremos ser parte de um programa baseado nisso", enfatiza.

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