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Imagem Ilustrativa.| Foto: Unsplash.

As revistas de Direito nacionais têm poucas citações científicas fora do Brasil. Esse fato passava despercebido para o grande público até a Capes decidir mudar a forma como são avaliadas essas publicações e passar a dar melhores notas para aquelas que tiverem reconhecimento internacional. A decisão, válida a partir de 2021, pode impactar as notas dos cursos de pós-graduação da área.

Os cursos de mestrado e doutorado no Brasil são classificados em uma escala de 1 a 7. A nota mínima para funcionamento de cursos de mestrado é “Capes 3” e, de doutorado, “Capes 4”. Cerca de 40% da nota de um curso de mestrado e doutorado depende da “produção intelectual” dos seus professores permanentes. A “produção intelectual”, por sua vez, é medida pela quantidade de artigos publicados pelos docentes em revistas bem classificadas no sistema “Qualis”.

Até 2016, os critérios para avaliar uma publicação acadêmica e classificá-la entre as melhores e as piores no “Qualis” eram muito desiguais entre as diferentes áreas do conhecimento (os pré-requisitos usados em Medicina, por exemplo, não eram os mesmos adotados para revistas de Educação). Em 2019, a Capes anunciou que, com o novo “Qualis Referência”, a partir de 2021, todas as revistas terão de apresentar uma característica para estar entre as melhores: citações em bases de dados de credibilidade internacionais ou nacionais. Ou seja, revistas com artigos citados no exterior terão melhores notas.

“Essa ideia vem desde 2016, quando o Conselho Técnico Científico [da Capes] começou a constituir grupos de trabalho para melhorar a forma de classificar as revistas”, explicou Talita de Oliveira, Coordenadora Geral de Atividades de Apoio à Pós-graduação da Capes. O objetivo é o de induzir publicações de mais qualidade, sendo considerado imprescindível o reconhecimento científico internacional.

Como para algumas áreas o critério da “internacionalização” não era considerado importante, afirmou Talita, algumas revistas ficaram “acomodadas”, sem publicar em inglês ou querer que sua pesquisa fosse discutida de forma mais ampla. “É claro que às vezes o tema da pesquisa tenha um impacto muito mais local, mas isso não significa que não tenha o interesse de ser lido, de ser divulgado no mundo todo”, disse.

Os principais indexadores bibliográficos que devem ser priorizados, segundo a Capes, no momento de dar notas às revistas são o Web of Science, da companhia editorial Thomas Reuters, com dados compilados desde 1945; e o Scopus, da Elsevier, com registros desde 1960.

Poucas revistas de Direito no Web of Science e no Scopus

No caso do Direito, as citações da área nesses indexadores internacionais deixam muito a desejar. Das cerca de 2 mil revistas acadêmicas de Direito, apenas sete revistas estão no Scopus e, mesmo assim, pouco citadas.

De acordo com a plataforma Scimago, que reúne dados do Scopus para medir a influência científica de periódicos pelo número de citações, as publicações de Direito do Brasil tiveram apenas 74 citações de 466 artigos citáveis no triênio 2016-2018. Ou seja, o índice de citação por artigo (CPP) foi de apenas 0,15. Isso representa 34 vezes menos impacto que as cinco melhores revistas de Direito do mundo, que tiveram 5,1 citações por artigo. Esses dados estão em um levantamento feito pelo professor Marcelo Hermes-Lima, pesquisador de Bioquímica na Universidade de Brasília (UnB) e responsável por uma série de estudos cientométricos sobre o impacto internacional da ciência nacional.

Quando analisado o desempenho por país, entre 41 países que publicaram pelo menos 100 trabalhos de Direito em 2017, o Brasil ficou em 40º lugar em número de citações, só ganhando para o Casaquistão.

Mas um dado que chama a atenção é que, até agora, nem todas as revistas que têm citações no Scopus são classificadas com as melhores notas do Qualis. Até a última classificação, o Qualis utilizava uma série de critérios para classificar as revistas em 8 categorias ou estratos: A1 (100 pontos), A2 (80 pontos), B1 (60 pontos), B2 (50 pontos), B3 (30 pontos), B4 (20 pontos), B5 (10 pontos) e C.

Era de se esperar que essas 7 revistas, estivessem pelo menos no extrato “Qualis A1”. Mas não é assim, só quatro são “A1”. Das 7, uma é “A3”, outra é “B4” e uma terceira é “C”. Com a mudança no Qualis, caso a área de Direito siga as orientações da Capes, elas devem ser alçadas para a melhor nota. Assim como as revistas citadas no Web of Science.

Mas e as outras revistas acadêmicas de Direito que são bem avaliadas, “Qualis A1”, e não são citadas internacionalmente? Serão rebaixadas?

O índice H do Google

Como muitas áreas de humanas não são citadas em indexadores internacionais, a Capes decidiu incluir também outras bases na contagem de pontos, como o Google Scholar – mesmo que as citações nesse caso possam ser de menor qualidade. (A mera citação de um artigo em uma monografia ou TCC é contabilizada no Google, enquanto que nas bases internacionais é preciso ser citado por artigos de revistas que passam por uma verificação por outros pesquisadores, que atestam a qualidade do estudo).

A ideia é usar o índice H do Google. Para um pesquisador, o índice H é definido com o número de artigos publicados que obtenham citações maiores ou iguais a esse número em um determinado tempo: por exemplo, um pesquisador com índice H “20” teria 20 artigos publicados com, pelo menos, 20 citações cada um. No caso das revistas, o índice será “6”, por exemplo, se tiver pelo menos 6 artigos com 6 citações cada um, em 5 anos.

“O Google pega tudo o que o Google possa indexar. E ele realmente tem fontes de citação que não são revisadas por pares. É uma limitação que ele tem, mas foi o indicador que a gente encontrou que pudesse representar melhor”, afirmou Talita de Oliveira.

“O método [do Qualis Referência] tem uma priorização dos indicadores. Primeiro: olha se a revista tem Scopus ou Web of Science. Se ela tem os dois, o que vale é o percentil mais alto entre eles. Se não tiver nenhum dos dois é que a gente vai para o Google”, exemplifica.

Talita explica que a regra será igual para todos, mas o que vai mudar é o padrão de citação em cada área. “Por exemplo, se compararmos as áreas de Matemática e Medicina. O indicador maior [de citações] em Matemática era, penso, 9. Na área de Medicina, 32. Vou dizer que Medicina é melhor do que a Matemática? Não. Significa que cada área tem um padrão específico”.

Dessa forma, segundo a Capes, as melhores revistas de cada área serão comparadas e terão as mesmas notas. Ou seja, as melhores revistas em uma área que não tem citações internacionais e apenas estão no Google terão a mesma nota (Qualis A1) de revistas de áreas com amplo impacto em outros países.

Por que o Direito tem impacto internacional pequeno?

Repetindo, o Brasil tem cerca de 2 mil revistas acadêmicas de Direito e apenas 7 estão no Scopus, pouco citadas – o que significa um impacto pequeno da ciência jurídica nacional fora do Brasil. Para os editores de revistas, os motivos para isso são, basicamente, o uso do português para a maioria das publicações, pesquisas voltadas para problemas nacionais que nem sempre são de interesse de outros países e, também, um certo preconceito contra o Brasil que não seria uma prerrogativa apenas nossa.

Leia também: Impacto da produção científica do Brasil e de Portugal: o idioma não nos serve de desculpa

“A França, por exemplo, também é pouco citada e ninguém pode negar sua importância jurídica”, explica Nitish Monebhurrun, editor da Revista de Direito Internacional, atualmente Qualis A1 e citada no Scopus. “Já participei de vários congressos internacionais e é assim. Muitas vezes, um pesquisador de língua inglesa apresenta um determinado trabalho que já existe em língua francesa, mas ele sequer sabe por que não lê francês. É assim a prevalência da língua inglesa”, continua.

Monebhurrun afirma ainda que muitos pesquisadores em outros países, por falta de conhecimento, partem do princípio que se a revista é publicada no Brasil, então, necessariamente, ela está em português, o que muitas vezes não é verdade.

“A nossa revista, por exemplo, publica em quatro línguas português, espanhol, inglês e francês. E organizamos os nossos números por temas, e para cada tema convidamos dois editores, brasileiros ou não, o que é uma maneira de divulgar a revista fora e também mostrar aos brasileiros trabalhos de pesquisadores de fora”, exemplifica.

Por outro lado, para Monebhurrun não é uma boa justificativa dizer que os temas abordados pelas revistas nacionais de Direito não são de importância fora do país. “Não posso falar de outras revistas, que desconheço, mas os temas que publicamos na nossa são temas de atualidade, que as pessoas estão pesquisando em diferentes países”, afirma.

Outro argumento que tenta explicar por que as revistas de Direito nacionais têm pouco impacto internacional seria o fato de que, nessa área, os pesquisadores preferem publicar livros. “O pessoal do Direito, ao contrário de outras ciências, não tem tanto o hábito de publicar em periódicos, prefere escrever livros”, diz Elcio Nacur Rezende, da revista Veredas do Direito, também Qualis A1 e citada no Scopus. “Eu acredito que a área do Direito da Capes vai sopesar tudo isso para julgar da melhor forma possível as revistas e cursos”.

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