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Centro de Pesquisas de nanomateriais em catálise, plasmônica e geração de energia da USP. | Marcos Santos/USP Imagens
Centro de Pesquisas de nanomateriais em catálise, plasmônica e geração de energia da USP.| Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O panorama de investimentos para a ciência brasileira nunca esteve tão ruim como agora e o quadro não prevê melhora em curto prazo. A constatação é feita com base em dados do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI) e do Ministério da Educação (MEC): ambas as pastas sofreram cortes para o fomento de pesquisas científicas em 2018, como em anos anteriores. Preocupadas, as entidades brasileiras da área preveem dificuldades para manter pesquisas em andamento e para pagar bolsas de estudo. 

Os investimentos em ciência no Brasil são repassados, principalmente, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao MEC, que atua na consolidação da pós-graduação; e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq), ligado ao MCTI. 

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A situação mais crítica é a do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. O orçamento de 2018 da União destinou R$ 4,7 bilhões para seu custeio, sendo 25% a menos do que o aprovado para 2017.

A redução por parte do governo sofreu, como é lógico, críticas de acadêmicos e cientistas. Para comparar como o investimento vem caindo ao longo dos anos, o orçamento de 2018 é 54% menor em relação ao de 2010, quando alcançou o seu ápice, com R$ 8,6 bilhões. 

Além do corte, a preocupação dos cientistas cresce com a possibilidade real de contingenciamentos orçamentários em 2018, conforme nota enviada ao presidente Michel Temer no fim de março e assinada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino (Andifes), Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia (Consecti), Fórum Nacional de Secretários Municipais da Área de Ciência e Tecnologia e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). 

O alerta das entidades é baseado em experiências desagradáveis de cortes ao longo do ano em exercícios anteriores. A Gazeta do Povo acessou o último relatório de gestão publicado pelo CNPQ, tendo como ano base 2016, e verificou como se deu esses contingenciamentos. 

O documento mostra, por exemplo, que uma das fontes de recursos do CNPq, o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT), reduziu drasticamente entre 2015 e 2016 o montante de repasses orçamentários, passando de pouco mais de R$ 1,04 bilhão para R$ 221 milhões, respectivamente. A variação negativa alcançou -78,67%. 

Para não parar pesquisas em andamento, 64% dos recursos do fundo enviados ao CNPq tiveram como destinação a continuidade de estudos já iniciados em outros anos. Apenas 35,91% foi aplicado em novas iniciativas científicas. Além disso, somente outros seis projetos de financiamentos foram aprovados. 

Previsão catastrófica 

Uma das novas ações financiadas tratou de estudos relacionados ao Zika vírus e suas implicações para a saúde humana, com investimento total de R$ 20 milhões. Desse valor, R$ 6,42 milhões deixaram de ser pagos naquele ano. 

Para as entidades científicas, a previsão de cortes no orçamento de 2018 são “catastróficas”, o que pode afetar ainda mais na a recuperação econômica do país. 

“É inaceitável que sejam feitos novos cortes em um orçamento já tão reduzido. As consequências de um novo contingenciamento, se efetivado, serão catastróficas para toda a estrutura de pesquisa no país e também para os setores empresariais que apostam em inovação. A possibilidade de recuperação econômica do país fica ainda mais comprometida e a qualidade de vida da população brasileira, em particular na saúde pública, será certamente prejudicada”, disse a nota enviada pelas cinco entidades representativas da ciência brasileira. 

O mesmo relatório do CNPq revela que a escassez de recursos afetou o alcance de todas as metas para 2016 na concessão de bolsas. Exemplo disso foi a previsão de concessão de 5,1 mil bolsas voltadas à modalidade de internacionalização do ensino superior, da ciência, tecnologia e inovação pelo Ciências Sem Fronteiras. 

Do previsto, o CNPq aprovou 651, correspondendo a 12% da meta inicial. O melhor resultado se apresentou na modalidade de bolsas por produtividade. Das 18.327 previstas, a concessão alcançou 15.064, o que ainda ficou abaixo da meta. 

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Sobre a quantidade total de projetos apoiados pelo CNPq em execução em 2016, independentemente do ano aprovado, o montante chegou a 4.116. A previsão era de 7 mil para aquele ano, conforme mostra o relatório de gestão da entidade. 

Ainda sobre bolsas, conforme mostra o painel de investimentos da agência, das 92.352 bolsas vigentes para estudos dentro do país em 2014, a redução atingiu 14.004 beneficiários, ficando em 78.348 em 2017. No mesmo intervalo também houve queda significativa em bolsas para o exterior, saindo de 10.626 para 1.347; e de auxílios à pesquisa, de 1.079 para 76, respectivamente. 

No documento, o CNPq ressalta a importância de ter investimentos mínimos para formação de material humano “cada vez mais qualificado”, o que “não se dá da noite para o dia, fazendo-se necessário um investimento contínuo e de longo prazo”. A entidade sugeriu “ao menos manter uma execução histórica no que se refere ao número de bolsas concedidas anualmente”. 

Quanto ao financiamento de pesquisas, o CNPq afirmou que “mesmo num contexto de escassez de recursos e incertezas, tanto políticas como econômicas”, a forma como o dinheiro foi gerido pela agência ocorreu de forma regionalizada e equilibrada, o que não diminui a “a importância de se buscar, ao menos, o restabelecimento dos níveis históricos de investimento, no sentido de não haver prejuízo ao desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação a médio e longo prazo e retrocesso nos resultados alcançados ao longo dos anos”. 

Gazeta do Povo entrou em contato com o CNPq para saber se a agência mantém o posicionamento que apresentou no relatório sobre a necessidade de mais investimentos no fomento da ciência, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. 

O discurso institucional do órgão, no entanto, é alinhado com as entidades representativas da ciência brasileira, que também colocam os cortes como uma forma de posicionar o país na contramão da história do desenvolvimento científico, que já viveu momentos bem melhores do que o atual. 

“Eventuais contingenciamentos adicionais contribuirão para acelerar este retrocesso em direção ao passado. Diante deste quadro, é essencial uma atuação vigorosa e permanente das entidades científicas e acadêmicas, bem como do setor empresarial e de outros segmentos da sociedade civil, e uma mobilização intensa da comunidade científica e acadêmica como um todo”, corroboraram em nota. 

Dos males, o menor 

Outra agência científica afetada pelos recentes cortes de investimentos é a Capes, vinculada ao MEC. Mesmo sendo menos acentuada, a redução também se mostra sem previsão de recuperar os patamares de outros anos. De 2015 a 2017, segundo a própria instituição, a perda anual chegou à casa de R$ 1 bilhão. 

A última atualização do painel de investimentos da Capes sobre concessão de bolsas mostra uma diminuição desde 2014, ano quando existiam 105.791 beneficiários nas pós-graduações pelo país. Em 2016, o número passou para 100.433, um corte de 5,3 mil. 

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Apesar desse histórico e perspectiva de menos 10% no orçamento da União para 2018, a Capes avalia que “os ajustes não terão impactos significativos, pois a agência está trabalhando no sentido de adequar sua programação para que não haja prejuízo na execução de suas atribuições legais”. 

“Compreendemos que há uma demanda crescente da comunidade científica por recursos desta Agência, mas respondemos a esse desafio, empreendendo esforços para preservar os investimentos em patamares próximos de anos anteriores”, completou também em nota enviada à Gazeta do Povo, frisando que diante do cenário vem reavaliando os critérios de distribuição de bolsas e recursos para a pós-graduação brasileira. 

Os desafios para os pesquisadores

Existem várias modalidades de bolsas no país pelas agências federais, com valores diferentes para cada tipo. Elas iniciam para alunos da graduação e chegam à pós-graduação. O valor mais alto é pago para professor visitante, de R$ 14 mil. No entanto, a maioria está na condição de mestrando, com ganhos de R$ 1,5 mil; e doutorandos, com R$ 2,2 mil. Todas as modalidades estão sem aumento desde abril de 2013. 

Na Capes, por exemplo, das 100.433 bolsas concedidas em 2016, os mestrandos compuseram 47.830 dos beneficiários daquele ano. No CNPq, a maioria da pós-graduação também era composta por bolsas ao mestrado, com 8.987 em 2017. 

Como a concentração de cursos de pós-graduação em sua maioria está nas regiões Sul e Sudeste, os auxílios são imprescindíveis para alunos que decidem largar tudo o que têm em outros lugares do país para se aventurar no sonho de cursar um mestrado ou doutorado. 

Com R$ 1,5 mil mensais, o pós-graduando de outra cidade deve se desdobrar para conseguir equilibrar as contas com transporte e alimentação. Porém, o que acaba pesando no bolso é o valor do aluguel, principalmente quando o curso é realizado nas capitais brasileiras. 

“Dependendo do curso e da cidade onde se faz, o pós-graduando tem um gasto excessivo com despesas de aluguel, transporte, alimentação e livros. É difícil se manter aqui no Rio [de Janeiro]. O apartamento mais barato e longe custa em média quase R$ 800. Quando coloco na ponta do lápis o que gasto com o ônibus e comida na rua, sempre tenho que recorrer aos meus pais. Mas nem todo mundo pode contar com a ajuda de um familiar”, afirmou uma estudante de mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que pediu para manter a identidade em sigilo. 

Cada curso de pós-graduação aplica suas regras para conceder o benefício de acordo com as normas estipuladas pela Capes ou CNPq. Uma das condicionantes mais comuns é a dedicação exclusiva ao programa de pós, vetando o aluno de ter outro tipo de renda registrada, o que acaba virando alvo de reclamações. 

“Moro perto da UFPR [Universidade Federal do Paraná] e com isso não gasto com transporte. Em compensação, o meu aluguel é alto, mesmo dividindo com um colega de curso. O que atrapalha mesmo é o fato de a gente não poder arrumar um outro emprego, como dar aula em uma faculdade ou escola particular, já que não temos reajuste condizente com nossas necessidades”, destacou um doutorando da UFPR, que também pediu para não ser identificado. 

Reajuste 

Um alento para melhorar a condição financeira dos bolsistas é a proposta de lei, n.º 4559, que tramita desde 25 de fevereiro de 2016 na Câmara dos Deputados. Ela prevê o reajuste anual nos valores das bolsas obedecendo a variação acumulada de 12 meses do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – indicador que mede a inflação. Em caso de aprovação no Congresso Nacional e sanção presidencial, o reajuste passará a ser feito sempre a partir do 1.º de janeiro de cada ano. 

A proposta foi aprovada na Comissão da Educação da Câmara em 2017 após um longo debate em audiência pública, realizada em junho do mesmo ano, em razão da geração de custos que o projeto acarretará ao governo. Na ocasião, um dos diretores da Capes informou que não existia perspectiva de aumento para os próximos anos. Na mesma audiência, representantes da associação dos pós-graduandos e de entidades científicas concordaram sobre a necessidade de aumento, com destaque para a possibilidade de abandono de cursos pelos alunos para o mercado de trabalho. 

Ao ser questionada novamente sobre esse posicionamento, a agência não respondeu a pergunta. Atualmente, a matéria, de autoria do deputado Lobbe Neto (PSDB-SP), aguarda parecer da Comissão de Finanças e Tributação, sem previsão de andamento.

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