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Como funciona o ensino domiciliar (homeschooling) em Portugal
| Foto: Unsplash

O idioma em comum e as facilidades migratórias proporcionadas por acordos bilaterais tornam Portugal um dos destinos mais procurados por brasileiros que querem deixar o país. Mas o fato de o ensino domiciliar ser legalizado por lá é o que deixa o país europeu ainda mais atraente para as famílias adeptas da modalidade. Educar os filhos em casa jamais foi uma prática proibida em terras lusitanas, mas recentemente, como parte de uma ampla reforma educacional, o homeschooling português ganhou uma série de normas. Aos que estão cansados da omissão dos parlamentares brasileiros em aprovar uma lei que legitime essa forma de educação em nosso país, e têm disposição para encarar as dificuldades de uma mudança para o exterior, é importante conhecer as novas regras que entraram em vigor no ano passado.

Ler na íntegra o documento que rege o funcionamento da modalidade é o primeiro passo. Trata-se da Portaria 69/2019 um longo texto que revela logo de início que, na concepção portuguesa, a educação em casa é divida em duas opções: o ensino doméstico, ministrado pelos próprios familiares ou por alguém que more junto com o aluno, e o ensino individual, ministrado por um professor escolhido pela família, devidamente autorizado pelo Estado para exercer a função, que vai até a residência e dirige os estudos.

Em ambos os casos, há a necessidade de uma escola de matrícula, instituição de ensino pública ou privada à qual o estudante se vincula para todos os procedimentos legais. É para o diretor dessa escola que a família deve fazer formalmente o pedido de autorização para a prática do ensino doméstico ou individual. Com base no preenchimento de um questionário, entrega de documentos e uma entrevista presencial, o diretor da escola pode deferir ou indeferir a autorização para educar em casa. Em caso de indeferimento, a família pode recorrer, apelando à autoridade educacional imediatamente superior, que, no Brasil, seria o equivalente à secretaria de educação municipal ou estadual.

Ainda que haja o compreensível temor das famílias por conta de eventuais subjetivismos aos quais estariam sujeitas as decisões de tais diretores, a portaria não restringe as razões aceitáveis para se conceder a autorização. Pelo contrário, o texto explicita que “estas modalidades visam dar resposta às famílias que, por razões de natureza estritamente pessoal ou de mobilidade profissional, pretendem assumir uma maior responsabilidade na educação dos seus filhos ou educandos, optando por desenvolver o processo educativo fora do contexto escolar”.

Além do aval do diretor, a portaria também exige que pelo menos um dos responsáveis pelo estudante tenha “licenciatura”, termo que pode causar alguma confusão no Brasil, já que, por aqui, a palavra é usada para cursos voltados à docência (Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemática, etc), mas em Portugal refere-se ao que chamamos no Brasil de graduação, ou seja, qualquer curso superior completo.

Concedida a autorização, a família e a escola de matrícula assinam o Protocolo de Colaboração, um acordo estabelecido entre os pais e o diretor da escola onde o aluno será matriculado. No texto constam as responsabilidades das partes signatárias, o que inclui metas de desempenho, a manutenção de um portifólio de atividades realizadas durante o ano e o compromisso da família em seguir o currículo nacional básico de cada disciplina. O acordo pode incluir ainda o livre acesso do estudante aos espaços de aprendizagem da escola, como biblioteca, laboratórios e outros recursos. As provas anuais obrigatórias e eventuais outros exames de desempenho também devem ser realizados na escola de matrícula.

Certamente, as normas de Portugal para a prática do ensino domiciliar não agradam nenhum pouco os defensores do unschooling – a ausência total de regras impostas pelo Estado para a educação das crianças -, possibilidade já descartada pelo Supremo Tribunal Federal em 2018, quando julgou a constitucionalidade dessa forma de educação. No entanto, tendo em vista as condições preestabelecidas pela mesma Corte para uma válida regulamentação do homeschooling no Brasil, o modelo português não deixa de ser uma possibilidade viável para o Congresso Nacional apreciar.

Já que o futuro da modalidade em nosso país depende de uma casa legislativa na qual só avançam matérias de consenso, um texto semelhante ao da portaria lusitana, feitas as devidas adequações, poderia equilibrar o desejo das famílias de assumirem o protagonismo na educação dos filhos, sem necessidade de frequência à escola, com a legítima preocupação de agentes públicos dedicados à proteção de crianças e adolescentes socialmente mais vulneráveis.

A única situação inaceitável é a atual: sem lei, sem direito reconhecido, sem fiscalização e com perseguição às famílias.

* Jônatas Dias Lima é jornalista e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, onde atua junto à Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling. E-mail: jonatasdl@live.com

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