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Imagem Ilustrativa| Foto: David Mark/ Pixabay

Como os cursos de licenciatura não conseguem atrair os melhores alunos, precisam ser totalmente reformulados, juntamente com a carreira de professor. E isso não ocorrerá sem “quebrar monopólios, quebrar pensamentos e implementar novas políticas”.

A opinião é de João Batista Araujo de Oliveira, que ocupou diversos cargos executivos em organismos nacionais e internacionais, como o Banco Mundial, em Washington, e a Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, até decidir se dedicar à educação de crianças brasileiras na pré-escola e nos anos iniciais do ensino fundamental. O Instituto Alfa e Beto, do qual é fundador e presidente, é responsável por desenvolver e aplicar projetos de educação baseados em evidências científicas, com parcerias que conseguiram levar excelência a escolas públicas, como as de Sobral (PE).

Em entrevista para a Gazeta do Povo, João Batista fez críticas às faculdades de educação e explicou por que o ensino a distância tem sido irrelevante nesse debate. Ele lembrou também de pesquisas que mostram por que os piores estudantes do ensino médio acabam fazendo pedagogia e que ter mais professores com curso superior não melhorou a aprendizagem.

Como melhorar a qualificação dos professores no país?  

João Batista Araujo de Oliveira: No Brasil, há aproximadamente 2 milhões de professores. Do total, 3% se aposentam a cada ano. Precisamos de 100 mil novos professores por ano? Formamos mais que o dobro disso. Não temos um problema de oferta e demanda no sentido quantitativo. Além disso, tem um estoque brutal de pessoas que já se formaram nesses anos e têm um diploma de professor.

O grande problema é o perfil das pessoas. As pessoas que vão procurar os cursos de educação, seja pedagogia ou licenciatura, têm um perfil acadêmico muito baixo. E não importa o que a pessoa faça, a condição para essas pessoas aprenderem é limitada. São pessoas com uma nota de 400 ou 500 no Enem. Então, não podemos esperar muito do que [os professores] estão ofertando. Esse nível nunca será suficiente para ser um professor razoável. O problema principal do Brasil não é formação do professor a distância ou presencial, o problema é como atrair pessoas de perfil cognitivo adequado numa preparação acadêmica para ser professor.

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Como selecionar os melhores para a carreira de professor? 

João Batista: Não vamos conseguir isso melhorando o currículo do curso de pedagogia, que é o que todo mundo quer fazer. Isso é totalmente irrelevante. Então, quem pode ser um professor? A rigor, qualquer pessoa que tiver um ensino superior pode ser um professor – um engenheiro ou advogado, [por exemplo]. A primeira coisa necessária é ter um nível cognitivo adequado. Segundo: ter um conhecimento adequado para aquela matéria que vai lecionar. Em paralelo a isso, criar uma carreira atraente para o professor, para atrair esse conjunto de pessoas de perfil diferenciado. E terá lugares que será mais difícil atrair professor, assim como os médicos. Nesses casos, será preciso encontrar soluções diferentes.

Faculdade de educação não tem nada a ver com a melhoria da qualidade do professor. Pelo contrário, como está agora, só serve para piorar. É preciso repensar as políticas. O problema não está na faculdade, está na entrada dos professores – o nível das pessoas. Para isso, é preciso quebrar monopólios, quebrar pensamentos e implementar políticas.

O número de pessoas formadas em cursos de ensino a distância voltados à formação de professores cresceu 109% entre 2010 e 2020, na rede privada, no Brasil. O ensino a distância é uma oportunidade de mais pessoas terem um ensino superior, ou seja, mais professores podem se formar? 

João Batista: Oportunidade sim. Mas o que está acontecendo é que o nível de procura do ensino superior é muito grande, sem o resultado que se esperaria. A quantidade de pessoas com ensino superior que não trabalham em ocupação de nível superior é cada vez maior. O salário de pessoas com curso superior tem sido muitas vezes igual aos que terminaram o ensino médio. Então, em muitos casos, tem sido um péssimo investimento, perda de tempo e de dinheiro. Às vezes, a pessoa até ficou com dívida e não melhorou a vida.

Se algumas dessas pessoas, ao invés de fazerem uma faculdade, fizessem um ensino médio técnico muito bom iriam ganhar muito mais e contribuir para a sociedade. Há uma sinalização equivocada no Brasil que fora do ensino superior não há salvação. Mas há salvação! Se todo mundo for para a universidade, não tem emprego para todo mundo de nível universitário.

Na sua opinião, como melhorar a qualidade dos cursos de licenciatura? 

João Batista: É preciso fechar. É algo que não deu certo. [Os cursos de licenciatura] atraem as pessoas erradas e ensinam coisas inúteis. Então, têm que fechar. Abrir outras possibilidades. E separar o conhecimento que tem que ter de geografia e história [por exemplo] da formação pedagógica.

E, certamente, a parte prática do ensino não se faz a distância. A parte prática se faz indo à escola. A tecnologia pode ajudar, como gravar uma aula e mandar para o professor. Isso a tecnologia pode ajudar, independentemente se o curso é a distância. Mas tem que ir à escola, ter acesso ao professor, ter um conhecimento e lidar [com a prática]. Precisa ter a convivência entre mestre e aprendiz.

Mas e a didática?  

João Batista: Isso se aprende com um bom professor. É formação profissional, igual médico que aprende com outro médico. É no feedback que se aprende, assim como o professor.

E a formação dos professores de educação básica? 

João Batista: A alternativa à faculdade de educação seria uma pessoa formada - em psicologia, letras ou outro curso que queira trabalhar com criança – fazer uma prova, um estágio e uma tutoria para aprender técnicas de ensino. Igual se faz em internato de médico. Não precisa ser pedagogo para ensinar as séries iniciais. Precisa saber matemática, ciência, português, geografia e história. E qualquer pessoa com um nível de conhecimento deveria saber. Também tem que gostar de criança.

Como melhorar a seleção dos professores para ingressar nas escolas?  

João Batista: Com uma seleção mais exigente. Tem que ter um nível acadêmico geral bom, saber coisas básicas e conhecer muito da sua disciplina. Precisa assegurar que o professor que entrar na escola tem de saber o conteúdo. Todo mundo tem que saber português, minimamente, para escrever o recado para os pais. Tem coisas que só se consegue ver na seleção. Para isso, tem que melhorar o salário também.

Como o Brasil pode melhorar a capacitação dos docentes já formados? 

João Batista: Para melhorar a formação, nada. Se não aprenderam durante os anos anteriores, não vão aprender muito mais, isso é ilusão. Um terço dos professores tem mestrado, mas o desempenho dos alunos é igual. Isso não adianta nada, é só gastar dinheiro. O que funciona para as pessoas é o chamado ensino estruturado. É ter materiais de ensino altamente estruturados, em que se dá um instrumento que ele [o professor] é capaz de usar.

Há modelos em outros países de formação e seleção de professores? 

João Batista: Nos países desenvolvidos, tipicamente, quem vai para a faculdade é 30-35%. Nos Estados Unidos é 50%, ou seja, os 50% melhores. Então, o pior aluno desse grupo, se ele for ser professor, ele já está entre os 50% melhores do país, já está acima da média. Sendo que, em geral, não são os piores [que se tornam professores]. Praticamente, todos os países desenvolvidos recrutam professores entre os 30%-40% melhores do país. Em Singapura, recrutam os 5% melhores.

Na maioria dos países, não perguntam o que a pessoa se formou, só em alguns países. Não precisa ter o diploma de licenciatura. Então, [as pessoas] fazem uma prova. Os que passam se tornam professores e [a escola] o coloca em um mecanismo de aprendizagem. Alguns poucos países exigem uma formação específica em educação. Mas, em geral, é muito aberta a quem chega.

O aumento do número de professores formados no ensino a distância tem algum impacto sobre a qualidade?  

João Batista: Há evidência sobre o impacto de curso a distância versus presencial que é mais positiva do que negativa. O curso a distância, quando é bem feito, exige mais esforço das pessoas. Então, o perfil dos que procuram o ensino a distância é de pessoas esforçadas. Claro que para alguns essa é a única alternativa, por não ter [curso presencial] na cidade em que mora. [Já o] ensino superior no mundo inteiro tem acenado com força para a importância de tecnologia e de [educação a] distância como uma alternativa ao presencial. O problema, a meu ver, não é a questão do curso a distância ou presencial, mas é o perfil do aluno que quer ser professor no Brasil

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