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Foto: Maicon J. Gomes / Arquivo Gazeta do Povo.
Foto: Maicon J. Gomes / Arquivo Gazeta do Povo.| Foto:

Em vídeo publicado no Facebook em 25 de abril, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, deu o tom do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019: “Questões ideológicas e muito polêmicas, como no passado, não vão acontecer este ano”.

A declaração representa um desafio aos professores de cursos pré-vestibulares, principalmente das disciplinas de ciências humanas. Como preparar os alunos para uma avaliação de tendência “conservadora”? Por outro lado, com tantos recuos nas decisões do atual governo, estão mesmo descartadas as questões mais polêmicas?

A declaração de Weintraub confirmou medidas já tomadas pelo ex-ministro, Ricardo Vélez Rodríguez. Em 20 de março, Vélez nomeou uma comissão para analisar questões da prova do Enem 2019, no Banco Nacional de Itens, para “verificar sua pertinência com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do exame”, conforme alegou, à época em nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pela prova.

Nos últimos anos, questões do Enem geraram polêmicas. Em 2018, diversas perguntas trataram de temas como racismo, feminismo e questões LGBTQ+. Em uma delas, era necessário interpretar um trecho do conto “Vó, a senhora é lésbica?”, de Natália Borges Polesso. Outra abordava o Pajubá, dialeto adotado por gays e travestis. Em 2017, pais e professores questionaram o edital da prova que prometeu atribuir nota zero a redações que “desrespeitassem os direitos humanos”, o que foi interpretado pelos conservadores como uma máscara para penalizar alunos que não seguissem pautas consideradas “politicamente corretas” – ser contra o aborto, por exemplo, seria uma postura considerada – erroneamente – como uma violação aos direitos humanos?

Diante desse cenário, professores de ciências humanas ouvidos pela Gazeta do Povo admitiram enfrentar dilemas diários sobre como preparar os alunos na abordagem de determinados assuntos. A tendência é focar mais em conteúdos consolidados do que em opiniões ou tópicos sem consenso científico.

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Filosofia e sociologia: sem temas contemporâneos

O professor de sociologia e filosofia, Jonas Berra, de um dos maiores cursinhos preparatórios de Curitiba, comentou que a previsão para 2019 é de uma prova mais conservadora e com conteúdo focado em questões históricas pacificadas. Na opinião dele, assuntos contemporâneos, como o feminismo, que possui várias correntes de pensamento, não devem ser pautados. Como a visão de mundo de quem faz a prova é diferente, é preciso ter isso em conta ao estudar a partir de provas de outros anos: uma resposta considerada certa, por exemplo, sobre comunismo, em 2017, não deverá ser a alternativa correta na avaliação de 2019.

“Há essa preocupação. Quando os alunos examinam as provas dos anos anteriores, é preciso ter em conta as declarações do atual governo. Provavelmente, o Enem será mais conservador, não que as questões deixem de ser críticas, porém acredito que haverá um bloqueio em questões consideradas ideológicas. (...) Será aquele tipo de tema que se coloca numa mesa e um liberal e um progressista não discutem tanto”, afirma.

O mesmo pensamento tem o professor Leandro de Vieira, de sociologia e filosofia. Ele acredita que as perguntas das áreas de humanas serão mais focadas em conteúdo e menos em reflexão, mais “pragmáticas”. A filosofia terá como guia autores clássicos, como Platão e Aristóteles; e outros, como Karl Marx, não devem ser citados.

“Marx já não cai na prova há alguns anos. Apostamos mais em questões sobre Platão ou Aristóteles, que não entram nesses debates sociais que o atual governo vem trabalhando no contexto ideológico. (...) A gente não acredita em uma prova como antigamente, que perguntava apenas nomes ou datas, não chega a esse ponto, mas vai ser dada prioridade ao pragmatismo sobre temas, como motivos de uma revolução e aspectos econômicos de um governo, sem interpretação de imagens ou texto”, comentou Vieira, que dá aula em uma das maiores plataformas online de ensino do país.

1964: golpe ou revolução?

Na seara histórica, professores avaliam que o Enem de 2019 não deverá tratar como golpe o ato que culminou na Ditadura Militar no Brasil, entre 1964 e 1985. Por outro lado, a participação do Exército Brasileiro pode ser exaltada em grandes feitos, como na Primeira República (1989-1930), na Guerra do Paraguai (1864-1870), na II Guerra Mundial (1939-1945) e em revoluções, como na de Canudos, na Bahia, entre 1896 e 1897. A opinião é de Ingrid Garcia, professora de História de um popular cursinho preparatório em Curitiba.

Se caírem questões relacionadas à Ditadura Militar, torturas e crimes cometidos pelas Forças Armadas podem ser omitidos.

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“Essa mudança altera totalmente a perspectiva do Enem. Acredito que deva focar mais na Primeira República, conquistas do militarismo e exaltação, como a Guerra do Paraguai. Acredito que a Ditadura Militar será um tema difícil de cair, mas se cair, pode não ter este rótulo. Será considerada como mais um governo. Provavelmente, vão cair questões mais sutis. O 31 de março de 1964 também não deverá ser tratado como golpe, tanto que o próprio presidente diz não ser um golpe. Esse Enem é uma caixinha de surpresas”, avaliou a professora.

Ingrid Garcia acrescenta que, para evitar polêmicas, temas em que há consenso – por vários motivos, como a distância histórica, como “Roma e Grécia da Antiguidade” – podem ter preferência.

A professora Sandra Regina Ribeiro, do Rio de Janeiro, concorda que deverão cair itens sobre grandes feitos históricos. Por outro lado, acredita que questões reflexivas também têm grandes chances de aparecer por estarem no edital da prova. Para ela, o melhor é oferecer diversas visões sobre os temas para que os alunos sejam capazes de elaborar a sua própria concepção.

“O MEC disponibiliza um edital para as provas. Eu, como outros professores, trabalhamos em cima desse conteúdo. As ciências humanas têm uma função não de doutrinar, mas de trazer diversas concepções de análises para que o aluno tenha possibilidade de pensar. Trabalho desta maneira”, frisa a professora, que dá aula em um cursinho particular na Barra da Tijuca.

Sandra Regina lembra que, mesmo se o Enem 2019 tiver a tendência ditada pelo posicionamento do governo, não é certeza de que as próximas provas seguirão a mesma linha.

Na geografia, mais gráficos

Em 2016, uma questão de geografia gerou debate por tratar do machismo. O item relacionou uma propaganda de 1968 com comentários machistas publicados por internautas em resposta à notícia de 2016 que falava sobre uma equipe da Nasa composta por mulheres. A propaganda em questão trazia uma mulher com capacete de astronauta segurando um produto de limpeza com a frase “A mulher levará a limpeza para a lua”. A missão do aluno era comparar e comentar os dois fatos.

Esse ano, por outro lado, para o professor Cláudio Hansen, a área de Geografia será a que menos deve sofrer mudanças, apesar do debate gerado em 2016. Ele acredita que no Enem deste ano, o Inep deverá pautar mais questões técnicas, como análise de gráficos e dados.

“Penso que a Geografia será a que menos vai sofrer alterações, e terá mais questões técnicas. Isso trará força à disciplina. Além da análise de textos, o aluno deverá saber interpretar cada vez mais gráficos e dados”, prevê o professor, que ministra a disciplina em uma popular plataforma online preparatório para o Enem.

Enem 2019

O Exame Nacional do Ensino Médio deste ano será realizado em dois domingos, 3 e 10 de novembro. O número de inscritos alcançou 6,38 milhões de pessoas.

O trabalho do comitê formado por Vélez para avaliar as questões, concluído em abril, não foi publicado por causa do caráter sigiloso do Banco Nacional de Itens. Tampouco os membros da comissão estão autorizados a se pronunciar sobre o trabalho.

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