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Como uma bolsista de ciências sociais tornou o Brasil referência na Itália
| Foto: Universidade de Milão

A ciência produzida na academia brasileira tem pouco impacto internacional. A falta de resultados e os excessos ideológicos têm sido citados por representantes do governo como justificativa para o contingenciamento de gastos que atinge as verbas de custeio e investimento.

“Entre as 250 melhores universidades do mundo, não tem nenhuma brasileira”, disse neste mês o presidente Jair Bolsonaro (PSL), ao criticar o baixo desempenho das instituições de ensino do país.

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Mas as universidades federais também têm bons exemplos a serem enaltecidos - inclusive nas ciências humanas. Um desses bons exemplos é o de Aline Beltrame de Moura.

Formada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2008, ela concluiu um mestrado na mesma instituição dois anos depois. Na época, foi contemplada com uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Com a dedicação em tempo integral, conseguiu manter um bom desempenho e ter uma alta produtividade, o que lhe abriu as portas para o passo seguinte: o doutorado na Universidade de Milão, uma das mais importantes da Itália. “Para entrar no doutorado, é preciso produzir, publicar, participar de eventos. Isso exige tempo. O aluno que precisa trabalhar enquanto faz o mestrado tem muitas dificuldades”, afirma.

No doutorado, Aline precisou novamente de uma bolsa da Capes. O apoio financeiro, diz ela, foi essencial para a permanência na Itália. Apesar de a universidade italiana cobrar taxas apenas simbólicas, seria impossível para Aline viver em Milão sem a bolsa do órgão federal brasileiro. Durante os três anos e meio no exterior, ela obteve um auxílio de aproximadamente 1.900 euros mensais.

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Em seu doutorado, Aline desenvolveu uma tese em que analisa detalhadamente a cidadania comum implementada na União Europeia e projeta como os países do Mercosul poderiam adotar um modelo semelhante - ideia que está na pauta do órgão Sul-Americano.

A tese foi apresentada em 2014. Meses depois, o trabalho de Aline, feito totalmente em italiano, foi escolhido como a melhor tese em direito internacional do país europeu naquele ano. Nenhum estudante estrangeiro havia recebido a honraria até então. Uma premiação do tipo, em um país com uma longa tradição nos estudos do Direito, era uma distinção importante, e permitiu a Aline iniciar uma carreira de destaque na academia ainda antes dos 30 anos de idade.

Hoje, como professora concursada da UFSC, Aline compartilha os conhecimentos que adquiriu fora do país. O currículo construído na Itália já rendeu frutos: com intermediação dela, a universidade foi escolhida pela União Europeia para receber o Módulo Jean Monnet. Isso significa que a instituição de ensino vai atuar como unidade de referência na pesquisa dos temas ligados à integração dos países da Europa. Em 2018, a UFSC foi a única universidade da América Latina a ser contemplada com a distinção.

O projeto de três anos, com financiamento de 30 mil euros, é um reconhecimento importante e deve aumentar a internacionalização da universidade. Além de Aline, os trabalhos têm a participação de dois professores, dois doutorandos e um mestrando.

Como parte do novo projeto, Aline está organizando a publicação de um livro com pesquisadores de países como Eslováquia, Suécia, Japão e Ucrânia. Ela também acaba de enviar uma estudante para passar um período de pesquisa em Portugal, sob orientação de um professor local.

Também por causa da atuação de Aline, a UFSC se tornou membro da Impacto Acadêmico, uma iniciativa das Nações Unidas que agrega 1,3 mil instituições de ensino de 130 países.

“Se eu for parar para pensar, nada disso foi possível se eu não tivesse feito o doutorado lá na Itália”, diz a professora.

"Relegada"

Aline afirma que, por ter escolhido uma área de estudos que é relegada no Brasil, precisava ir para o exterior para obter uma formação de qualidade. Estudar em uma universidade brasileira não era uma opção viável àquela altura. “Se eu não conseguisse a bolsa naquele ano, eu iria tentar novamente no ano seguinte. Na área de direito internacional, especificamente nos estudos sobre integração regional, o Brasil ainda não tem material humano suficiente. Sem esse doutorado no exterior, eu teria seguido outra carreira”, explica ela.

A pesquisadora não tem dúvidas de que, mesmo na área de humanas, é possível gerar desenvolvimento econômico por meio da aplicação de recursos na educação. “Uma sociedade é composta por diversos fatores humanos e econômicos, e é preciso haver um equilíbrio”, analisa.

Além disso, ela afirma que o tema que escolheu estudar tem um potencial de impacto econômico significativo. “Quando a gente estuda processos de integração regional, a análise econômica é imprescindível. A circulação de pessoas para trabalhar ou fazer turismo gera também provoca uma movimentação econômica relevante”, conclui.

Agora, Aline trabalha para que futuros doutorandos na área de direito internacional não precisem deixar o Brasil para fazer um trabalho de excelência.

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