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Em escolas públicas e privadas, muitas salas de aula viraram espaços de conflitos. Professores não sabem o que fazer com a “indisciplina” dos alunos; jovens se incomodam com o “autoritarismo” dos mestres. Não há solução mágica para este impasse; mas um grupo de educadores aposta em desenvolver as “competências socioemocionais” do aluno. Seria uma forma de controlar a indisciplina, aumentar o interesse dos alunos na escola e formá-los para uma “educação do século 21”.

A ideia não é ensinar o aluno qual a melhor forma de agir em cada situação, como em uma cartilha. Mas capacitá-lo para articular esses conhecimentos e beneficiar a si mesmo e a comunidade em seu entorno. “No século 21 não é mais possível que a escola pense apenas no aspecto cognitivo. Os conteúdos das disciplinas são importantes, mas não suficientes para viver hoje. Os futuros profissionais, cidadãos, precisam de um conjunto de competências muito mais complexo do que o conteúdo de uma disciplina”, diz Simone André, coordenadora de educação complementar do Instituto Ayrton Senna.

É preciso criar metodologia para competência socioemocional entrar no currículo

Para as competências socioemocionais figurarem no currículo escolar, é necessário criar uma metodologia. O Instituto Ayrton Senna propõe a criação de um sistema de avaliação, a partir do qual professores e gestores podem estabelecer planos de aplicação, do ponto de vista prático.

A proposta é vista com desconfiança pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). Uma avaliação em larga escala corre o risco de virar uma “pasteurização” do ensino, avalia a presidente da Anped, Andréa Gouvea.

Medidas como a restrição no número de alunos por turma poderiam funcionar melhor, analisa Gouvea. Em uma sala de ensino médio com 35 alunos, por exemplo, não adianta o professor receber “um kit com soluções socioemocionais, é ingênuo”. Mas com 15, 20 alunos, fica mais fácil para o docente trabalhar com a personalidade do aluno.

Simone André reconhece a preocupação como legítima. “Padronizar uma personalidade que aprenda melhor seria uma excrescência”, diz ela. O ideal é chegar a um modelo que oriente o professor e permita que ele leve em conto as características de personalidade de cada aluno.

O Ministério da Educação (MEC) hoje não tem uma diretriz específica para o desenvolvimento de competências socioemocionais, e nem incluiu o tema no documento base da Base Nacional Curricular Comum do ensino médio, divulgada em setembro do ano passado. No entanto, o Instituto Ayrton Senna considera que o ministério está aberto para debater o tema. Prova disso seria um edital de incentivo a estudos nesaa área aberto em 2013 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

O instituto liderou debates sobre o tema junto ao Ministério da Educação (MEC), em uma série de eventos realizados em 2014, e se dedica a estudar o tema desde 2012, quando estabeleceu um termo de cooperação com o Centro para Pesquisa e Inovação Educacional (Ceri), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A organização lista cinco competências socioemocionais que devem ser incentivadas, na escola: responsabilidade, colaboração, comunicação, criatividade, autocontrole e abertura. Todas passam por uma flexibilização da relação entre professor e aluno. Para aprender a ser mais comunicativo, o aluno precisa de espaço para falar e ser ouvido.

O desenvolvimento socioemocional pode alavancar resultados do ponto de vista cognitivo. O aluno aprende a ser mais crítico e determinado, e leva isso para sua rotina de estudos, aprendendo mais. A facilidade em se comunicar aumenta a chance de fazer uma pergunta para o professor.

Também é uma forma de democratizar a escola, diz a coordenadora do Instituto Ayrton Senna. Isso porque a escolaridade dos pais, que em geral puxa para baixo o desempenho cognitivo dos alunos, parece não interferir tanto no quesito socioemocional.

Rio cria escola modelo para educação socioemocional

No fim do ano letivo de 2015, os alunos do terceiro ano organizaram uma “guerra de água” no Colégio Estadual Chico Anysio. A ideia surgiu como uma brincadeira, e foi apresentada em forma de pré-projeto ao diretor Willmann Costa. Que a aprovou, desde que houvesse regras.

A escola funciona na Zona Norte do Rio de Janeiro, e é um projeto piloto da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc) de experiência educacional com foco nas competências socioemocionais. As medidas de incentivo estão distribuídas em toda a rotina escolar dos cerca de 270 alunos.

Todos estudam em período integral. As disciplinas tradicionais são intercaladas com três eixos: Projeto de Vida (PV), Projeto de Intervenção e Pesquisa (PIP) e Estudos Orientados (EO). Os alunos são divididos em grupos menores para os eixos. Uma turma de 1.º ano, por exemplo, tem 30 alunos. Na turma de PV são apenas 10.

O aluno é estimulado a desenvolver valores como a responsabilidade e o trabalho em grupo durante os projetos. Os professores são os mesmos das disciplinas. A ideia é que o mesmo “cara” que vai ensinar Matemática ou Geografia crie vínculos com os alunos em um ambiente menos tradicional.

A percepção dos educadores é que, ao notarem que sua opinião é ouvida, o aluno deixa de lado a rebeldia destrutiva. Aprende a direcionar essa energia para melhorar a própria escola (por isso os projetos de intervenção são obrigatoriamente dentro da escola, para os alunos de 1.º ano).

O diretor Willmann Costa insiste na filosofia de que o diálogo deve substituir o castigo. “O aluno precisa entender que aquilo está errado, a sociedade não aceita aquele comportamento, porque só assim ele cresce. Se você entra na punição cega, você cria um inimigo”. Se depois da conversa o aluno insistir no comportamento? “Aí você explica outra vez”.

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