• Carregando...
Imagem: Reprodução | Pixabay.
Imagem: Reprodução | Pixabay.| Foto:

A execução de uma pesquisa de mestrado ou doutorado que varia de dois a quatro anos, respectivamente, pode ser reduzida para até 60 dias se encomendada em sites que vendem dissertações e teses prontas a alunos de pós-graduação. A comercialização é explicita e os valores são tabelados em até R$ 8 mil, conforme apurou a Gazeta do Povo.

Para confirmar a prática, a reportagem pediu orçamentos para elaborações de uma dissertação e de uma tese a cinco diferentes empresas que ofertam o serviço na internet. O valor estipulado variou entre R$ 1,5 mil e R$ 4,8 mil para uma pesquisa de mestrado. Na de doutorado, o menor preço ficou em R$ 2,3 mil e o maior em R$ 8 mil.

Leia também: Qualis “inflado”: manobra na Capes aumenta notas de programas de mestrado e doutorado

Os pedidos foram feitos por telefone pelos números disponibilizados nos sites. Pelo código de área, as empresas verificadas são de São Paulo, Distrito Federal e Paraná.

As simulações dos orçamentos solicitados foram para uma dissertação de 120 páginas sobre as correntes filosóficas do Direito e para uma tese de 200 páginas sobre as mudanças sofridas pela Lei de Licitações ao longo do tempo. Essas definições tornaram-se necessárias porque as empresas pediam o tema, a área de pesquisa e o número de páginas para calcular os valores.

A forma de pagamento foi diferente em todas as empresas, mas todas pediram adiantamento para iniciar o serviço. Também existe a possibilidade de parcelar. O máximo ofertado chega a 12 vezes em cartão de crédito para o valor de R$ 8 mil.

Outra característica são os contratos de garantia e confidencialidade, chamados de “termo de adesão” pelas empresas. Nesse documento, a empresa se compromete a entregar o material sem plágio e no prazo determinado pelo aluno que, por sua vez, é obrigado a quitar o valor. Ambos ainda firmam o compromisso de confidencialidade sobre a transação.

Prática pode resultar em punições

O comércio de produções científicas é considerado uma “prática imoral e eticamente condenável” pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes). A entidade diz reconhecer o problema “que afronta o objetivo principal da pós-graduação, qual seja, a produção de conhecimento científico-tecnológico para o desenvolvimento do país”.

Administrativamente, o aluno que usar uma pesquisa encomendada para obter o grau de mestre ou doutor, caso descoberto, pode sofrer sanções por parte da instituição, como a perda do diploma e exclusão do Programa de Pós-Graduação (PPG).

Leia também: CNPq deu bolsas para pesquisadores sem currículo adequado

“Trata-se de uma prática imoral e eticamente condenável. Nesse sentido, a compra de dissertações e teses pode constituir fraude acadêmica que, quando identificada pela Instituição de Ensino Superior, sujeita o aluno às sanções impostas pela instituição de ensino, como seu desligamento do programa”, ratificou a Capes, em nota.

Mesmo sendo considerada uma falta ética grave, a jurista especialista em propriedade intelectual, Laira Araújo, comenta que o comércio de venda e compra de pesquisas prontas entre empresas e alunos de pós-graduação ainda não pode ser enquadrada em nenhum tipo de crime previsto pela legislação brasileira. Ela ressalta que se o autor da pesquisa encomendada ceder os direitos por meio de contrato, o comprador pode usá-la.

“O ato de compra e venda não é ilegal. A cessão de direitos patrimoniais de exploração de obra é possível. Quanto à autoria, a lei de direitos autorais dispõe que o autor tem o direito de ter seu nome vinculado a sua obra e, portanto, poderia reivindicá-la a qualquer momento. Mas na medida em que é o próprio autor que cede o trabalho científico o uso por quem compra não é ilegal”, argumentou.

A jurista destaca, porém, que o comércio é diferente do plágio. Caso a empresa se aproprie de uma obra sem a devida cessão de direitos pelo verdadeiro autor para vendê-la a terceiros, tanto o vendedor quanto o comprador podem ser enquadrados no crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 229 do Código Penal. A pena é de um a cinco anos de reclusão pela adulteração de documentos públicos, mais o pagamento de multa.

“Existem alguns estudiosos que entendem que a conduta configuraria o crime de falsidade ideológica, já que a pessoa que apresenta o trabalho insere a declaração falsa de que o trabalho é de sua autoria enquanto na verdade não é. Nesse caso, somente a pessoa que utiliza a monografia como sua seria punida penalmente. Logo, a compra e venda não é ilegal e sim o uso pelo aluno de monografia como se fosse sua. Lembrando que há doutrinadores que entendem que não é crime”, completou Laila Araújo.

Além da falsidade ideológica, o plágio ainda pode ser tipificado como violação de propriedade intelectual, previsto no artigo 184 do Código Penal, com pena de dois a quatro anos de reclusão e multa.

Leia também: “Supervalorizar revistas acadêmicas não nos ajuda a melhorar”

Para o diretor adjunto de estudos da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), José Eduardo Pieri, o tempo recorde que empresas prometem para entregar as pesquisas é um indício da existência da venda de um material com plágio.

“Se essas empresas que fazem teses e dissertações copiam outras de terceiros ou usam pesquisas sobre temas que já existem e apenas mexem um pouco – o que é mais provável porque é difícil uma empresa juntar mestres e doutores dispostos a escrever sobre o que você quiser – a pessoa que compra corre o sério risco de ser penalizada por plágio, o que é um crime de direito autoral. Não me parece viável um negócio desse sem violação de propriedade intelectual”, comentou.

As universidades estão preparadas para detectar a fraude?

Ainda que se utilizem diferentes softwares contra o plágio, a ABPI acredita que as instituições de ensino superior brasileiras ainda não estão totalmente preparadas para identificar a prática. A entidade e a Capes recomendam campanhas de conscientização com alunos e professores sobre o tema e suas consequências.

“É um desserviço à pesquisa. Se pensarmos que isso acontece em uma universidade pública, é pior ainda porque o aluno está utilizando dinheiro do contribuinte para burlar as regras para obter um grau de mestre ou doutor. A pessoa que faz isso comete um crime”, afirma Pieri.

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação atua no trabalho de conscientização. Existem, inclusive, normas internas de avaliação de uma pesquisa para saber se, de fato, o aluno é o verdadeiro autor do estudo. A instituição garante que não existe investigação em curso sobre denúncias do tipo.

“Sabemos que o mercado continua, o que tem feito com que a pró-reitoria e a gestão superior da universidade sempre atuem junto aos coordenadores dos programas stricto sensu no sentido de chamar atenção para os processos avaliativos conforme a resolução estabelece. Então, tenho visto na UFPR a fidedignidade dos trabalhos feitos pelos pesquisadores, seus orientadores, dentro dos processos de ensino e pesquisa que fazem”, garante o pró-reitor Francisco Mendonça.

Ele acrescenta que as bancas públicas de defesa das pesquisas são eficazes para saber se o aluno coletou, analisou e redigiu sobre os dados. Nesta etapa, o processo chega a durar até cinco horas, com questionamentos de membros avaliadores sobre aspectos teóricos, metodológicos e analíticos.

Para burlar a banca, duas das cinco empresas prometem orientação para o aluno se preparar e até a produção dos slides de apresentação, além da cessão da bibliografia usada na pesquisa.

A avaliação das dissertações e teses é de autonomia dos programas de pós-graduação, segundo a Capes, que diz não ser de sua competência interferir nem investigar infrações de propriedade intelectual. Contudo, fraudes encontradas nos programas diminuirão as notas dos cursos de mestrado e doutorado, assegura.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]