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Na semana que passou comemorou-se o Jabuti: distinta láurea que, na área jurídica, foi deferida à obra Comentários ao Código de Processo Civil, dirigida pela professor titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luiz Guilherme Marinoni, e pelos professores Sérgio Arenhart (também da UFPR) e Daniel Mitidiero (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS). A obra foi publicada pela tradicional casa editorial Thomson Reuters – Revista dos Tribunais, que também é responsável pela Revista de Direito Civil Contemporâneo.

A recente coleção foi escrita por juristas de escol espalhados do Norte ao Sul do continental Brasil: Luiz Guilherme Marinoni, Clayton Maranhão, Sérgio Arenhart, Daniel Mitidiero, Renato Beneduzi, Leonardo Carneiro da Cunha, Flávio Yarshell, Guilherme Setoguti, José Rogério Cruz e Tucci, Ricardo Alexandre da Silva, Eduardo Lamy, Heitor Sica, Jefferson Carús Guedes, Teori Zavascki, Araken de Assis e Hermes Zaneti Jr.. 

Os Comentários ao Código de Processo Civil guardam relação direta e imediata com o Direito Civil Atual. Esse vínculo é ainda mais estreito sob a orientação teórica de Luiz Guilherme Marinoni, um colaborador assíduo desta coluna, que, desde meados da década de 1990, tem sustentado que, para se alcançar a efetividade do processo, a ação em sentido processual deve projetar, na maior medida possível, a ação em sentido material. 

Segundo de Luiz Guilherme Marinoni, este seria um dos caminhos para que a fórmula Chiovendiana saísse dos livros para alcançar o: o processo deve entregar tudo aquilo que o direito material assegura, no tempo e no modo adequado. 

A Rede de Direito Civil Contemporâneo acompanha com atenção o preenchimento desta lacuna, advinda do Código de Processo Civil de 2015, com reflexos direitos para o direito material. Pense-se, apenas exemplificativamente, nas tutelas inibitórias para a proteção dos direitos da personalidade, nas ações possessórias e petitórias, nos procedimentos especiais de direito de família e de sucessões, e tanto os outros setores de trato cotidiano dos privatistas. 

Poucas semanas atrás, outra qualificação de livros foi publicada: a avaliação denominada Capes Livros. Trata-se de classificação de obras, realizada pela Área de Direito, integrante e organizada no âmbito do Sistema Nacional de Pós-Graduação, que avalia a produção científica, publicada em livros e periódicos. 

Para a surpresa de muitos, o Comentários ao Código de Processo Civil, ora premiado com o Jabuti, foi classificado no pior extrato do Capes Livros, como uma obra de piso, ou seja, de pouca ou nenhuma importância científica. 

Ao seu lado, obras como o Tratado de Direito Privado, escrita por Pontes de Miranda e recentemente republicada em versão atualizada pela Thomson-Reuters, também foram qualificadas no pavimento inferior da ciência brasileira (nada obstante pautar, por quase sete décadas, as principais discussões do Direito Privado nacional). 

E quem estaria em primeiro lugar? Os critérios são vários. Nenhum deles trata da repercussão social da literatura jurídica, do impacto na vida das pessoas, da influência nos meios operativos do Direito. Dentre os critérios eleitos, tem especial importância o que podemos chamar de “literatura financiada”, ou seja, a elaboração de livros realizada por intermédio de editais nacionais e internacionais. 

Ao que parece, obras com enorme potencial de repercussão e transformação da sociedade brasileira são consideradas não científicas (por exemplo, o Comentários ao Código de Processo Civil de Marinoni ou o Tratado de Direito Privado, de Pontes de Miranda). De outro vértice, a pesquisa que escreve sobre os temas que o Estado quer que se escreva, do modo que o Estado quer que se escreva (por intermédio de editais nacionais) é considerada o elixir da ciência jurídica brasileira. 

Privilegia-se a lebre ao Jabuti: o conhecimento lépido, que passa, que quase não é visto e nada transforma, parece vencer a pergunta acerca do que é ciência do Direito no Brasil. 

Antes que se argumente sobre uma eventual diferenciação entre obras premiadas e obras científicas, o que seria um critério a ser discutido, veja-se o que as estatísticas internacionais demonstram sobre os rumos de nossa produção intelectual no âmbito universitário. O jornal Folha de S.Paulo”, em 16/10/2017, pela pena do jornalista Fernando Tadeu Moraes, noticiou: “Brasil aumenta produção científica, mas impacto dos trabalhos diminui”. Reportou-se o seguinte: “Nas últimas duas décadas, a produção científica brasileira cresceu de forma expressiva. Em 1998, nossos cientistas publicaram 11.839 artigos, número que colocava o país em 20º lugar no ranking dos que mais publicam. Quase vinte anos depois, com uma produção anual sete vezes maior, saltamos para 13º. A relevância dos artigos nacionais, entretanto, não acompanhou essa marcha triunfal. Quando se usa como critério o número de vezes que cada estudo foi citado por outros cientistas, ou seja, seu impacto, o país perdeu terreno ao longo desse período e fica atrás de vizinhos como Argentina, Chile e Colômbia”. 

Deve ser respeitada a visão plural sobre o que é produção qualificada. No entanto, é legítimo questionar certas opções, até para que a comunidade acadêmica possa refletir sobre seus efeitos sobre o que se pretende construir na chamada ciência do Direito. A esse respeito, ficam as questões que submeto aos leitores: 

a) pretende-se transformar a “ciência do Direito” em um conhecimento a ser comunicado com menor repercussão social? A quem isto serve? 

b) por qual razão os livros que servem aos editais estatais valem mais do que os livros que são homenageados pelos leitores e pelos agentes de transformação social? 

c) o que explica a desvalorização de obras de livros jurídicos de grande repercussão social? Será que os Programas de Pós-Graduação em que foram gestados não estão defendendo adequadamente sua própria produção ou, alternativamente, os responsáveis pelas regras de classificação de livros não têm atendido à defesa dessa produção sustentada pelos respectivos Programas? 

d) O produto ligeiro, de lebre, deve prevalecer quando comparado ao conhecimento perene, lento e sofisticado do Jabuti? Que país se pretende privilegiar deste modo? 

Rodrigo Xavier Leonardo é Advogado, Árbitro e Professor de Direito Civil na UFPR.

Artigo publicado no Conjur

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