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Foto: Albari Rosa | Arquivo Gazeta do Povo.
Foto: Albari Rosa | Arquivo Gazeta do Povo.| Foto:

De um lado, o bloqueio de 30% das verbas de custeio das universidades (5% do total do orçamento das instituições) pode inviabilizar no segundo semestre o pagamento de água, luz e outros serviços essenciais, além de paralisar as atividades de ensino, pesquisa e extensão. De outro, com o país quebrado, e todos apertando o cinto – menos o Judiciário e o Legislativo, diga-se de passagem –, o governo federal pede que os reitores aguentem o tranco e vejam “se não dá para cortar em nada”, nas palavras do ministro da Educação, Abraham Weintraub.

INFOGRÁFICO: Gráfico explica o congelamento nas verbas do MEC

E não foram apenas as instituições de ensino superior as atingidas pelo congelamento de parte das verbas não obrigatórias no Ministério da Educação (MEC). Do total de R$ 149 bilhões previstos para a pasta este ano, outros R$ 7,4 bilhões foram cortados, valor que afeta gastos previstos desde a educação infantil até os programas de fomento à pós-graduação.

Mesmo olhando com boa vontade o esforço coletivo de economizar onde for possível para “salvar” as contas do país, e para não se gastar mais do que se arrecada, chama a atenção ter sido a pasta da Educação a mais afetada. A área, desde a campanha eleitoral, é considerada pelo governo como a “responsável pelo futuro do país”, já que maiores níveis de educação tendem a acelerar o desenvolvimento econômico. Mas o governo tem uma boa narrativa para justificar os cortes, ainda que não tenha apresentado dados suficientes para provar tudo o que defende.

Outros países gastam menos e têm melhores resultados

Uma das ideias repetidas pelo ministro da Educação, em uma tentativa de justificar bloqueios na pasta, é que o Brasil “gasta como país rico e tem índices de país pobre”. E ele está certo tendo em conta o ensino superior, não a educação básica.

No ensino superior, o Brasil investe US$ 14,3 mil por aluno, quase a média dos países da OCDE, US$ 15,7 mil. Com isso, está na 16ª posição de um total de 39 países, e gasta mais por aluno na universidade do que Estônia, Espanha, Portugal, Itália, México e Irlanda.

Na educação básica, porém, o Brasil investe como um país pobre: US$ 3,8 mil por aluno, enquanto que a média dos países da OCDE é de US$ 8,6 mil, 42º lugar no ranking.

Por outro lado, é verdade que o volume gasto em educação básica no Brasil não justifica a péssima qualidade do ensino, muito abaixo da média de outros países. E que outras nações conseguem um desempenho melhor gastando menos.

Em uma pesquisa realizada com 70 países, por exemplo, os estudantes brasileiros de 15 anos ficaram em 59º lugar em leitura e entre os dez últimos nas categorias de matemática e ciências. Na avaliação nacional de qualidade do 3º ano do ensino médio, etapa final da educação básica, o resultado também é lamentável: as notas médias dos alunos estão estagnadas desde 2005 e os estudantes não saem do nível 2, tanto na escala de 8 degraus de língua portuguesa quanto na de matemática, com 10 etapas.

“Quando tratamos a questão do ensino específico da matemática, estudando a relação do desempenho na disciplina versus o gasto por aluno, vemos que a Colômbia (2.835 dólares), o México (3.065 dólares) e o Peru (3.590 dólares) gastam menos que o Brasil (3.822 dólares), conforme mostra o estudo da OCDE, Education at a Glance, de 2016”, explicou Renan Pieri, do Insper, de São Paulo, autor do estudo “Retratos da Educação do Brasil”, em entrevista para a Gazeta do Povo em fevereiro. “Apesar de todos estarem abaixo da média de desempenho esperado para seus gastos, o índice de proficiência na disciplina é de 389,6 para a Colômbia; 408,0 para o México; 420,5 para o Peru, enquanto o índice para o Brasil fica em 377,1”.

Ou seja, o problema não estaria, principalmente, na quantidade de investimentos, mas em como eles estão sendo aplicados.

“Balbúrdia” nas universidades: é real?

O comentário do ministro da Educação, ao ser perguntado sobre os bloqueios de verbas na Educação, gerou revolta de professores e estudantes. Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Weintraub falou que existiria “balbúrdia” nas universidades - sem explicar com precisão o que ele classifica como tal - e que vincularia o orçamento das universidades no futuro a critérios de desempenho acadêmico e impacto no mercado de trabalho.

Ao mesmo tempo em que as universidades começaram a postar exemplos de pesquisas de ponta realizadas nas instituições, e serviços comunitários importantes feitos por estudantes, outros fatos "questionáveis", em imagens e vídeos, passaram a circular nas mídias sociais de exemplos do que poderia ser a “balbúrdia” citada pelo ministro. Entre eles estavam, por exemplo, o uso do dinheiro público para eventos políticos – todos de esquerda, como o gasto de R$ 2 milhões em um evento com a ex-presidente Dilma Rousseff em universidade da Bahia – e teses controversas realizadas com dinheiro público – como um doutorado-sanduíche sobre “orgias gays”, pago com bolsa do CNPq e incluindo até viagem para Portugal.

A reação dos internautas ao ler essas notícias foi a de concordar com o corte de verbas, caso elas continuassem a ser desviadas para iniciativas desse gênero.

O governo, porém, não sabe qual parte do orçamento das universidades é aplicada em pesquisa séria, por exemplo, e qual não é. E, ao bloquear 30% do custeio de todas, linearmente, colocou em risco tanto o joio quanto o trigo.

Baixo impacto das pesquisas nacionais

Ao falar em “baixo desempenho acadêmico”, o MEC feriu o orgulho dos gestores das universidades federais. Logo em seguida, “viralizaram” rankings internacionais de qualidade em que as instituições brasileiras aparecem em boas colocações, em uma tentativa de convencer a opinião pública do equívoco da medida. “Como assim as universidades públicas no Brasil não são boas?”, perguntavam-se.

Mais uma vez, seria necessário realizar um estudo mais detalhado – algo que o MEC não fez. Mas a pasta tem razão em apontar ao menos uma das falhas no ensino superior público: não são todas, mas muitas das pesquisas realizadas no Brasil, com verba pública, têm impacto ínfimo, não têm importância – são pouco citadas ou simplesmente não são citadas.

Durante os governos do PT, de 2002 a 2016, o Brasil quadruplicou o número de pesquisas realizadas (de 17.843 em 2002 para 68.908 em 2016), mas perdeu relevância. Utilizando o ranking do Scimago Journal, o Brasil, em 2016, estava em 14º em quantidade de produção, mas na posição 53º em quantidade de citações por pesquisa publicada (entre 66 países que publicaram pelo menos 3 mil papers). O levantamento foi realizado pelo professor Marcelo Hermes-Lima, da Universidade de Brasília.

“Nossas pesquisas envolveram investimentos de 1,3% do PIB (em 2016), percentual similar ao de diversos países com CPP (citações por ‘paper’) substancialmente maior, como Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e Estônia”, escreveu Hermes-Lima em artigo publicado na Gazeta do Povo.

Gastos com pessoal

Outro dedo colocado nas feridas das universidades públicas pelo MEC é o alto gasto dessas instituições com servidores. Se cada universidade brasileira fosse um município, alfinetou o ministro Weintraub em audiência pública no Senado, elas estariam fora da lei por “não cumprir a Lei da Responsabilidade Fiscal” que indica, entre outras coisas, um teto máximo de gastos em itens como, por exemplo, a folha de pessoal.

De fato, as universidades federais brasileiras gastam parte expressiva de seu orçamento com pagamento de salários e benefícios para pessoal. Sobre isso, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes) divulgou no ano passado uma nota técnica do MEC sobre os custos das universidades federais.

O documento informa que, de 2009 a 2016, os gastos das universidades federais saltaram de R$ 33 bilhões para R$ 46,1 bilhões. No mesmo período, o custo anual médio por aluno caiu de R$ 38,8 mil para R$ 37,5 mil. O relatório aponta que as despesas obrigatórias com pessoal ativo e inativo consomem 86,9% do orçamento das instituições.

A reportagem conferiu, por curiosidade, os relatórios financeiros das 12 mais importantes universidades do planeta. A que mais gasta com pessoal, Stanford, investe 67% de seu orçamento. Já a universidade de Cambridge, fundada em 1209 e que já teve entre seus alunos o físico Stephen Hawking e o naturalista Charles Darwin, gasta apena 45%. Seria injusto comparar essas instituições com as federais do Brasil,  já que isso exigiria estudos mais complexos, até porque essas universidades recebem dinheiro da iniciativa privada e cobrem áreas muito diferentes, mas os números não deixam de dar a impressão de que talvez possam existir gastos desnecessários por má gestão.

Ao falar sobre isso, o ministro da Educação afirmou que as universidades hoje “são uma grande folha de pagamento”. Questionou: “Não têm dinheiro para água e luz? Difícil acreditar. Vamos conversar, me mostrem os números”. E perguntou se não é possível mesmo cortar em nada. "Uma universidade custa R$ 1 bilhão, não dá para cortar em nada?", insistiu Weintraub.

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