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O debate sobre as cotas raciais e por renda ficou para trás: o novo front das universidades públicas brasileiras é a reserva de vagas de acordo com a identidade de gênero. Pelo menos seis instituições públicas de ensino adotaram políticas do tipo no último ano. As cotas, que não estão previstas por lei, são questionadas por juristas. Dentre outras razões, porque destoam da igualdade de acesso, por mérito, prevista na Constituição.

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De um ano para cá, a Universidade Federal do Grande ABC (UFABC), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) adotaram programas que privilegiam travestis, transexuais e transgêneros em cursos de graduação, pós-graduação – ou ambos.

Os sistemas de reserva de vaga são variados. Na UFABC, por exemplo, 1,5% delas serão reservadas para transgêneros. A medida vale para os cursos de graduação. A resolução que trata do tema foi aprovada sem oposição pelo Conselho Universitário da instituição em outubro passado. No caso da UEMS, a reserva de vagas para esses grupos (5%) ocorrerá apenas na pós-graduação, e não é obrigatória. Cada curso decide se adota o sistema.

O argumento central é o de que essas populações precisam ter o acesso ao ensino superior facilitado como uma forma de compensação pelo preconceito sofrido, e como um incentivo ao que se chama de “visibilidade”.

A reserva de vagas para esses grupos, entretanto, tem potencial para gerar embates no Judiciário. Em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a criação de cotas raciais pelas universidades. Mas a decisão não necessariamente se aplica a outros tipos de cotas. Em agosto do mesmo ano, a então presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei reservando 50% das vagas em universidades federais a alunos negros, indígenas, deficientes, alunos de baixa renda e oriundos de escolas públicas. O texto não traz qualquer menção à identidade de gênero.

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Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo enxergam problemas nas novas cotas. Em primeiro lugar, porque a distribuição de vagas a travestis, transexuais e transgêneros – ou a comunidades como a dos ciganos, como faz a UNEB – parece ter critérios arbitrários, já que esses grupos nunca foram impedidos pelo Estado de ter acesso ao ensino. E, se o critério for a reparação a grupos que podem ser alvo de preconceito, porque excluir gays, lésbicas e bissexuais, muito mais numerosos? Por que dar cotas a ciganos (como faz a UNEB) mas não a outros grupos de imigrantes?

A distribuição desses privilégios fere o princípio da isonomia previsto no artigo 5º da Constituição, diz o professor de direito Glauco Barreira, da Universidade Federal do Ceará. “A universidade deveria entender que sua missão não é a de prestar assistência social a uma pessoa com baixa autoestima, mas a de preparar os melhores profissionais, porque esses profissionais vão servir à sociedade”, diz ele.

O artigo 208 da Constituição, que trata do acesso ao ensino, estabelece que o Estado deve oferecer educação gratuita a todos os cidadãos dos 4 aos 17 anos. No nível superior, o critério é outro. Diz a Carta Magna que o Estado deve fornecer “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. As cotas, afirma o professor Barreira, violariam este critério.

Antonio Jorge Pereira Júnior, doutor em direito pela Universidade de São Paulo e professor da Universidade de Fortaleza, acrescenta que o artigo 211 da Constituição menciona “equalização de oportunidades educacionais” como um critério a ser adotado pelo Estado. “A Constituição prevê igualdade de acesso. O que estão fazendo é reengenharia social, e sem critério”, diz ele.

Glauco Barreira lembra também que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, trata o ensino superior de forma diferenciada. De acordo com o texto, o ensino elementar é “obrigatório”; o ensino técnico e profissional, “generalizado”. Já o acesso ao ensino superior “deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito”.

No caso dos transgêneros, há outro problema: a aferição de quem têm direito às cotas pode ser impossível. Um transgênero é, por definição, alguém que se identifica como pertencente ao gênero oposto ao biológico. Não é preciso passar por cirurgia ou mesmo mudar oficialmente os documentos para ser aceito como tal em instituições de ensino, de acordo com decisão do próprio Supremo Tribunal Federal.

Logo, o que impediria que um candidato ao concorrido curso de Medicina se declarasse transgênero apenas para aumentar suas chances na competição? Não haveria forma de provar que ele não é, de fato, transgênero. “Quantas pessoas não estariam dispostas a assumir uma simulação temporária para ingressar?”, questiona Glauco Barreira.

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Briga judicial

A fragilidade das novas cotas gerou uma reação da Justiça em pelo menos um caso: o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A instituição reservou para travestis ou transexuais duas das 25 vagas do Mestrado do Programa de Políticas Públicas em Direitos Humanos, em edital lançado no ano passado.

Uma ação popular apresentada pelo pastor evangélico Tupirani da Hora Lopes questionou os critérios. A universidade alegou que pretendia “construir um ambiente acadêmico pautado na igualdade material e promoção da diversidade na construção do conhecimento crítico”.

Mas o juiz federal Antonio Henrique Correa da Silva viu um exagero na medida e suspendeu o edital. Dentre outros problemas, ele destacou que, com as novas cotas, menos da metade das vagas seria destinada ao público geral. “A desproporcionalidade que resulta desse aspecto evidencia possível comprometimento do caráter público da seleção, desbordando, com excesso, da finalidade de promover a equalização das oportunidades educacionais e esvaziando o critério universal do acesso aos níveis superiores do ensino segundo a capacidade de cada um ”, argumentou.

Na segunda instância, o desembargador Marcelo Pereira da Silva manteve a decisão, argumentando que “concorre para a manutenção da decisão liminar o fato de não haver sido apontado, pela parte agravante, qualquer diploma legal capaz de embasar a reserva de vagas para pessoas travestis ou transexuais”.

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O professor de direito da Fundação Getúlio Vargas Thiago Amparo diz que, por causa da autonomia universitária, as cotas para transexuais são legais mesmo que não haja uma lei que as regule. André Uliano, do Instituto Politeia, pondera, entretanto, que a autonomia não é soberania. “Se a Justiça verificar que houve ilegalidade ou inconstitucionalidade em determinado sistema de cotas, isso não fere a autonomia. Apenas a mantém dentro se suas balizas constitucionais e legais”, afirma Uliano.

Amparo concorda que alguns casos podem ir parar na Justiça. “Isso pode se tornar um problema jurídico dependendo da porcentagem das vagas com que se está trabalhando”, afirma.

Para tentar fugir do problema pelo qual passa a UFRJ, a UNEB inventou um sistema curioso: criou a figura da “sobrevaga”. Se oficialmente há 100 vagas disponíveis para um curso, por exemplo, haverá outras cinco para ciganos, cinco para quilombolas, cinco para deficientes ou autistas e, por fim, cinco para travestis, transexuais e transgêneros. Problema: as tais sobrevagas nada mais são do que… vagas idênticas às outras. No exemplo acima, o total somaria 120 selecionados, dos quais 70 (ou 58,3%) seriam cotistas.

Antonio Jorge diz que as novas cotas atendem a critérios ideológicos. “A lei deve estimular e favorecer aquilo que é necessário para o bem comum. Depois, deve tolerar e respeitar aquilo que não é contra o bem comum. E proibir e perseguir aquilo que é contrário. Os defensores das bandeiras igualitárias tentaram varrer da discussão pública a linha da tolerância e do respeito. Para eles, quem não promove está perseguindo”.

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