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Prédio do Ministério da Educação
Prédio do Ministério da Educação| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um dispositivo da Portaria 555, publicada pelo Ministério da Educação (MEC) no último dia 29 de julho, tem sido criticado por professores favoráveis e contrários ao governo de Jair Bolsonaro. O motivo é a permissão dada a reitores para demitir servidores em decorrência de processos disciplinares, em instância única, sem direito a recurso, como ao próprio ministro da Educação ou ao Presidente. Com a polarização política, docentes de direita e esquerda temem ser perseguidos por um reitor que não seja do seu espectro político (leia mais aqui). Ao mesmo tempo, juristas apontam que a norma contraria as garantias de ampla defesa previstas na Constituição.

Devido à repercussão negativa, o ministro da Educação, Victor Godoy, publicou um vídeo em suas redes sociais garantindo que a nova norma não será usada para cometer injustiças. Para ele, como os procedimentos disciplinares passam pela análise de vários servidores, inclusive por representantes da Advocacia-Geral da União (AGU) que trabalham nas universidades, a proibição de o servidor recorrer a outra instância não prejudicaria a investigação. Qualquer desvio, insistiu, poderia ser alvo da Lei de Abuso de Autoridade.

Por fim, Godoy disse que a portaria do MEC só repete (no parágrafo 2º ao artigo 1º) os termos do artigo 7º do Decreto 11.123/2022, de Bolsonaro, de 7 de julho, que nega a interposição de recurso “ao Presidente da República ou ao Ministro de Estado” em face “de decisão proferida em processo administrativo disciplinar”.

Dispositivo fere a Constituição

A Constituição coloca entre os direitos e garantias fundamentais, que são cláusulas pétreas, o direito ao contraditório e de ampla defesa, com possibilidade de recurso, em qualquer processo administrativo ou judicial (inciso LV ao artigo 5º). Por outro lado, a Lei 8.112/1990, que dispõe sobre regime jurídico dos servidores públicos, estabelece em seu artigo 104 que “é assegurado ao servidor o direito de requerer aos Poderes Públicos, em defesa de direito ou interesse legítimo”. No parágrafo 1º ao artigo 107, determina que o recurso será dirigido à autoridade superior à que tiver proferido a decisão, “e, sucessivamente, em escala ascendente, às demais autoridades”.

Já a Lei 9.784/1999, que regula o processo administrativo, também reconhece a possibilidade de recurso em decisões administrativas. O artigo 56 assegura que a interposição será dirigida à autoridade que proferiu a decisão e, caso não seja reconsiderada no prazo de cinco dias, será encaminhada para uma autoridade superior. Já o artigo 57 também estabelece que o “recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa”.

Nesse sentido, a portaria do MEC está em desconformidade com a legislação. “Se a portaria estabelece que não cabe recurso administrativo contra uma decisão proferida em primeira instância, em uma instância única, essa disposição é manifestamente ilegal e inconstitucional”, diz Maurício Zockun, professor de Direito Administrativo da PUC-SP.

O professor explica que os servidores podem acionar a Justiça caso não tenham seu direito de recorrer reconhecido. “Não há dúvidas de que esses dispositivos são inconstitucionais. Caso uma pessoa tenha sido julgada em instância única, sem direito a recurso, ela pode ajuizar um mandado de segurança a Justiça Federal para ter a interposição de recurso administrativo”, afirma.

Sobre o decreto presidencial, Zockun explica que ele apenas cumpre o previsto na Constituição, que o Ministro de Estado pode “praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República” (inciso IV ao artigo 87). Ao contrário da portaria do MEC, o decreto não limita o processo administrativo a uma única decisão sem recurso – que é o que torna o documento assinado por Godoy inconstitucional, porque subdelega as decisões aos dirigentes das instituições. Por outro lado, caso alguém utilize o decreto para impedir recurso de processo administrativo, caberia também um mandado de segurança para fazer cumprir a Constituição.

Sindicatos e professores conservadores criticam documento

A portaria 555 desencadeou uma série de manifestações contrárias, unindo grupos historicamente divididos – sindicatos e professores de direita.

A assessoria jurídica do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), como outros sindicatos de professores, divulgou uma nota técnica sobre o documento com duras críticas ao MEC. Para o advogado da instituição, Rodrigo Torelly, tanto a portaria quanto o decreto seriam inconstitucionais. “A portaria é inconstitucional e o decreto é inconstitucional também, porque são atos normativos inferiores. Não é permitido um decreto vir e alterar uma disposição legal”, disse.

Professores conservadores de instituições federais também apontaram riscos de continuar a serem alvo de processos administrativos em única instância por reitores de esquerda. Muitos postaram mensagens destinadas ao MEC e ao presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, pedindo explicações sobre a portaria.

O professor Mauro Rosa, da UFRJ, publicou um vídeo criticando a portaria e dizendo que o ministro Victor Godoy ignora que as instituições federais de ensino são marcadas por reitores político-partidários, que perseguem conservadores. Segundo ele, alvo de uma procedimento disciplinar na UFRJ, os processos administrativos nas universidades têm sido "marcados pelo arbítrio e pela perseguição". O documento do MEC, segundo ele, é "infame" e "não ajuda em nada os professores conservadores".

Outro professor conservador, Caio Lima Firme, da UFRN, também não escondeu sua indignação no Twitter. “Sobre a famigerada portaria 555 de 29/07/22 do MEC. O artigo 3 é completamente desnecessário já que ninguém reconsidera nada. O parágrafo 2 do artigo 1 impede qualquer recurso ao MEC ou ao presidente. Canalhice pura! Quem precisa de inimigo quando tem esse 'amigo'??”, escreveu.

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