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Escola Politécnica da USP tem o maior fundo de endowment do Brasil
Escola Politécnica da USP tem o maior fundo de endowment do Brasil| Foto: Escola Politécnica da USP/Cecília Bastos/Jornal da USP

O ano de 2019 foi mais um marcado pelo contingenciamento do orçamento das universidades federais. Desta vez, foram cerca de R$ 2,2 bilhões, o equivalente a 30% das verbas discricionárias das instituições de ensino federais ficaram bloqueados entre abril e outubro, até o governo federal conseguir entradas suficientes para descongelar os recursos. Em outros países, para não depender exclusivamente dos repasses do governo, universidades norte-americanas e europeias têm nos fundos de endowment (doação) uma importante fonte de recursos. Mas as doações voluntárias de ex-alunos ou da comunidade próxima à universidade ainda são novidade no Brasil.

Enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, há fundos bilionários, o maior fundo de endowment brasileiro, o Fundo Patrimonial Amigos da Poli, criado por ex-alunos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) tem, hoje, R$ 30 milhões acumulados. A falta de uma legislação específica e abrangente, que incentive as contribuições, a ausência da cultura de "dar retorno" e o desinteresse do brasileiro pelas instituições públicas são apontados como os principais motivos do pouco envolvimento da sociedade com o financiamento de ações e projetos acadêmicos.

Com a perpetuidade como princípio fundamental – os recursos doados são acrescentados ao fundo e apenas o lucro real é investido na universidade –, endowment é uma ferramenta para a sustentabilidade de longo prazo de instituições de ensino. Os fundos são formados por recursos advindos de doações de pessoas físicas ou jurídicas, que são investidos no mercado financeiro por um gestor profissional, para que os rendimentos sejam direcionados para projetos relacionados a causas filantrópicas. O dinheiro não pode ser resgatado depois.

O fundo da Universidade de Harvard, por exemplo, acumula US$ 40,9 bilhões. Se os recursos forem aplicados em investimentos conservadores, com rendimento anual de 6%, por exemplo, isso significaria um incremento de US$ 2,4 bilhões no orçamento anual da instituição. A universidade de Yale recebeu, em 2018, US$ 1,3 bilhão em aporte de seu fundo, o que significou 34% dor orçamento da instituição para aquele ano. Durante a crise econômica de 2008, antevendo a diminuição dos repasses do governo, a Universidade Califórnia Berkeley lançou uma campanha de captação, arrecadou US$ 3 bilhões em seis anos – com aproximadamente 280 mil doadores – e atravessou a crise sem nenhum corte nos investimentos.

Ausência de incentivos fiscais

Há apenas um ano o Brasil possui uma lei específica para tratar dos fundos “patrimoniais com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas, projetos e demais finalidades de interesse público”. Só em janeiro de 2019 o conceito de endowment foi introduzido formalmente no ordenamento jurídico brasileiro. Até então, os poucos fundos existentes organizavam-se como associações.

A lei trouxe mais segurança para doadores e interessados em organizar fundos, especificando a destinação dos recursos, garantindo o caráter perpétuo das aplicações, estabelecendo todas as normas para a criação e manutenção dos fundos. Mesmo assim, a existência de uma legislação específica não motivou, de imediato, a criação de novos fundos para financiar projetos das universidades públicas.

“Resolvemos o problema da base legal, mas a lei não criou nenhum tipo de incentivo, para que as pessoas façam doações. Faltou um dispositivo de benefício fiscal na lei. Nos Estados Unidos, por exemplo, as doações para os fundos são dedutíveis do imposto de renda”, avalia o diretor-presidente do fundo Amigos da Poli, Lucas Tomilheiro Sancassani.

“Além disso, a cultura de retribuição também não é muito desenvolvida no Brasil. Estamos tendo que quebrar barreiras nos últimos anos, com o crescimento das doações, doações in memoriam, gente colocando Amigos da Poli no testamento. E um terceiro ponto é o descaso do brasileiro com a coisa pública. Acham que a universidade pública é um problema do governo. Público não é do governo, é de todos. Mas as pessoas têm o hábito de não se apropriar de um problema que é público”, avaliou.

"Mas acreditamos numa crescente cultura de doação e retribuição no país. Nosso patrimônio líquido mais que triplicou nos três últimos anos. Apesar de termos um bom caminho a percorrer para chegar ao patamar de doações das universidades estrangeiras, temos muito orgulho do que conquistamos até agora", concluiu.

Em funcionamento desde 2012, o Amigos da Poli conta com 4.500 doadores, o que representa 17% dos egressos da escola vivos. “É um sentimento de retribuição à escola. Tivemos o privilégio de receber uma formação de excelência de graça. A sociedade, através de seus impostos, custeou nossos estudos. E essa é uma maneira de devolver para a escola tudo o que recebemos. Quando nos formamos na USP, fazemos o juramento de devolver para a sociedade o que foi investido em nós e essa é mais uma forma de fazer isso”, destaca Sancassani.

Com o orçamento da universidade quase que integralmente comprometido com folha de pagamento e custeio, o fundo apoia projetos complementares à formação acadêmica, tendo financiado, entre outros projetos, a construção de um veículo elétrico pelos estudantes, uma equipe de aerodesign e o desenvolvimento de mecanismo para próteses e órteses de baixo custo, utilizando impressão 3D, que conseguiu produzir próteses com custo de R$ 1 mil, enquanto o preço de mercado é de até R$ 200 mil.

“Todos os anos lançamos editais e a comunidade acadêmica credencia projetos para serem avaliados e, se selecionados, receber os recursos. Damos dinheiro para o desenvolvimento de pesquisa, tecnologia, extensão, áreas que o Estado tem pouca ou nenhuma margem para investir”, explica.

Trabalhando há um ano para estruturar o Fundo Catarina, endowment do Centro de Engenharias da Universidade Federal de Santa Catarina, o estudante de economia Raphael Weber Zimmermann concorda que a ausência da previsão de incentivos fiscais é a maior falha da lei brasileira.

“O veto completo à sessão da lei que trata de incentivos fiscais foi um gesto de imensa ignorância. Mesmo com a alegação do teto de gastos. Estamos tendo que dizer para o doador: 'doa para a gente e você ainda vai ter que pagar para o Estado'”, diz.

Ele cita que a lei catarinense, por exemplo, prevê imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) com alíquota de até 8%. “Nossa pretensão é lançar um fundo com R$ 4 milhões. Precisaremos pagar até R$ 320 mil de imposto. Tem caso de fundos fazendo crowdfunding para conseguir pagar imposto”, conta.

Ele cita que também tem percebido, em suas ações de captação, críticas à lei por não ter deixado clara a independência entre o fundo e a instituição beneficiada.

“Há pessoas que não querem doar achando que o recurso pode vir a ser administrado pelo ente público e ficar sujeito a decisões políticas”.

Zimmermann, no entanto, afirma que a sanção da lei foi fundamental para a estruturação de seu fundo, que está em fase de captação das primeiras doações. “A lei é muito positiva ao criar a figura jurídica para esse tipo de iniciativa e traz toda a estrutura de governança que precisamos para dar solidez ao fundo e segurança aos doadores”, diz.

Com a lei, o estudante vê potencial para a estruturação de novos fundos patrimoniais no país. “O brasileiro tem sim cultura de doação. Falta oportunidade boa, com boa gestão e que o objetivo da causa faça sentido para ele. E, quando se fala da universidade, uma fase marcante da vida de todos nós, com certeza desperta o interesse do ex-aluno em doar. Há um movimento crescente, ainda muito incipiente, mas com grande potencial”.

Mas ele revela que enfrentou resistência até mesmo na universidade.

“Sou aluno de Economia, mas começamos pela Escola de Engenharia por eles terem uma visão mais aberta. Há ainda, dentro da universidade, um discurso de rejeição a recurso privado, mesmo que em doação e de ex-aluno. Tem quem diga que isso seria privatizar a universidade, o que não faz sentido".

E continua: "Temos uma estrutura orçamentária quase que totalmente comprometida com pessoal, um sistema que vai entrar em crash muito em breve. O que propomos é um fundo para gerar impacto, aproximar a universidade do ambiente pujante de inovação, com menos dependência do recurso público, que já não têm mais fôlego para novos projetos”, explica.

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