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Estudar através do computador vem sendo uma opção cada vez mais acessível aos brasileiros. | Bigstock.
Estudar através do computador vem sendo uma opção cada vez mais acessível aos brasileiros.| Foto: Bigstock.

A sala de aula repleta de universitários e com um professor à frente, explicando determinado assunto, é uma cena que, em parte, vem cedendo espaço para a imagem do estudante em frente a um computador, em sua casa. Não é um movimento novo, mas ganhou fôlego entre grupos educacionais a partir da retração econômica do país em 2015. 

Foi a partir da crise financeira que as faculdades viram as matrículas presenciais recuar, a inadimplência aumentar e o Fies (programa de financiamento estudantil) ser enxugado pelo governo. O que ajudou a manter o mercado foi o ensino a distância, que disparou em 2016. Hoje há 1,8 milhão de universitários estudando a distância no Brasil, segundo o Censo da Educação Superior, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de 2017. O número corresponde a 21,2% do total de alunos (8,3 milhões) — dez anos atrás era 7%. 

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Para o mercado, a tendência é que essa proporção aumente. No final do ano passado o governo diminuiu as exigências para a abertura de polos educacionais — é preciso um local desses na cidade onde o estudante cursa a distância. A medida visa ampliar as chances de o país atingir a Meta 12 do Plano Nacional de Educação — que prevê, até 2024, aumentar a taxa bruta de matrícula para 50% da população de 18 a 24 anos (a proporção atual é de 23,8%, segundo Pnad do ano passado) 

“A ideia foi democratizar os polos EaD, que anteriormente estavam concentrados em poucos estados e em poucas mantenedoras, dificultando a competição entre as instituições e acarretando em uma reserva de mercado prejudicial aos estudantes”, diz o Ministério da Educação (MEC) em nota. Não se sabe se essa mudança influenciou no número de alunos do ensino a distância porque não existe censo do Inep para este ano ainda. Mas o número de polos deu um salto. Em menos de um ano, foi de 6 mil para mais de 15 mil, segundo dados do MEC. 

Para o diretor de ética e qualidade da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Carlos Roberto Longo, a alta tão expressiva no número de polos pode ser resultado de um receio de que o próximo governo volte a deixar as regras mais rígidas. Segundo ele, algumas instituições estariam correndo para garantir seu espaço, mesmo sem ter demanda. Ainda que isso esteja acontecendo, Longo diz acreditar numa tendência de equilíbrio entre oferta e demanda. 

Há um reconhecimento do EaD por parte do mercado. Às vezes o aluno acha que aprendizado a distância é mais fácil. Mas você tem que trocar ideias com professor da mesma maneira, ler o material pedido, fazer atividade extraclasse… 

Pioneirismo 

O reconhecimento do mercado não veio de imediato, diz o diretor de negócios e operações da Uninter, Alfredo Pires. Ele conta que, no início da década passada, as pessoas estranhavam o modo de aprendizagem a distância e viam como “compra de diploma”. 

Pires conta que, em 2003, quando a instituição iniciou as atividades de EaD, eram cerca de 50 polos — todos no Paraná. O aluno assistia às aulas transmitidas ao vivo por um professor em Curitiba. Um número de telefone ficava à disposição nos intervalos para que o estudante tirasse dúvidas. “Nossa referência era o ensino de países como o Canadá, Estados Unidos e Espanha”, diz. 

O mercado seguiu por quase dez anos um modelo flexível de abertura de polos. Enquanto gigantes educacionais exploravam o ensino presencial em capitais e ofertava cursos de pós-graduação a distância, instituições como a Uninter e a Universidade Norte do Paraná (Unopar), à época longe do número de alunos atual, disponibilizam cursos em cidades com menos de 500 mil habitantes. 

Mas em 2007 o MEC passou a ser mais rigoroso com a expansão da modalidade a distância — à época já eram cerca de 30 mil alunos, segundo o censo do Inep. A medida não impediu o aumento de matrículas, nem a abertura de novos cursos — para abrir um polo passou a levar cerca de três anos. No ano passado eram 1,8 milhão de universitários de EaD. 

Foi um crescimento que a Unopar também viu de perto — por coincidência, uma instituição do Paraná. Seguia um modelo parecido com o da Uninter. A faculdade foi criada em 1972, mas foi com a abertura de polos para ensino a distância que o número de alunos deu um salto: em 2003, a rede tinha 1,8 mil alunos, agora tem 352 mil matriculados. 

No final de 2011, a Unopar foi comprada pela Kroton Educacional — maior empresa de educação do mundo em número de alunos — por R$ 1,3 bilhão, em valores da época, segundo reportagem da revista Exame. É um movimento comum: recentemente a mesma organização comprou a Somos, gigante da educação básica. A estrutura da empresa também conta com a Uniderp, a distância. 

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O matriculado no EaD da Unopar hoje assiste, ao vivo, às aulas, tendo um computador com acesso à internet. Tem o apoio de tutores no polo e no chamado Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). O material didático é organizado pelos professores e as gravações das aulas são disponibilizadas posteriormente numa biblioteca virtual. 

“Só a Unopar tem 882 polos. Com outras iniciativas da Kroton, a gente chega em todo país”, diz a diretora de desenvolvimento institucional do grupo, Gislaine Moreno. A Unopar também foi beneficiada pela nova regra do MEC: foram 200 polos abertos no ano passado e neste ano deve ganhar o mesmo número. 

Expandindo as pontas 

O diretor de negócios e operações da Uninter conta que, no início das atividades de EaD, foram importantes as parcerias com grupos educacionais das regiões em que eles queriam abrir um polo. Esses grupos cediam o local e, de certa forma, a boa reputação naquela região. Foi num espaço desses que o estudante Gabriel Silva conheceu a instituição, em Senhor do Bonfim — cidade do centro-norte baiano com cerca de 80 mil habitantes. 

Dois anos atrás o universitário prestava o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) quando soube que ali, onde fazia a prova, era um polo de EaD. Hoje, Gabriel cursa Geografia a distância. Em paralelo, faz Letras numa faculdade privada, com o Prouni (programa do governo federal que concede bolsas de estudo). Esforço que, segundo ele, vale a pena para ter dois diplomas. 

O perfil do baiano de 20 anos se encaixa na lembrança de Longo, da Abed, de que a média de idade do estudante de EaD vem caindo. “Cinco anos atrás a idade do aluno dessa modalidade ficava em torno de 35 anos — hoje está em 27. Se olharmos para os novos ingressantes encontramos gente de 23 anos”, diz. 

Já Pires enxerga como tendência não uma diminuição da média de idade, mas a possibilidade de abranger um perfil maior: entre 20 e 50 anos. “As pontas têm se expandido”, observa. Moreno diz que 70% dos alunos da Kroton nessa modalidade têm mais de 24 anos. Em comum, são pessoas que não têm tempo ou dinheiro para cursar uma faculdade presencial. 

Ensino híbrido 

Além da perspectiva de crescimento de EaD, Carlos Roberto Longo — que também é pró-reitor acadêmico da Positivo — aponta como tendência o chamado ensino híbrido, que seria um misto da modalidade presencial com o curso a distância. ”Dois anos atrás começamos a trabalhar, na Positivo, com essa possibilidade. Nosso plano é que até 2022 toda a faculdade seja híbrida”, diz. A instituição, também paranaense, tem hoje oito cursos a distância e 14 presenciais — são 45 polos e quer abrir mais 25. 

Para Moreno, da Kroton, o ensino híbrido é ideal para cursos que exigem muita prática. “Uma área como a saúde, por exemplo, você não consegue fazer totalmente a distância Tem uma necessidade de laboratório, de contato…”, diz. 

O MEC cita a mesma área de estudo para reforçar a necessidade do contato físico em algumas situações. “Um curso da área de saúde que uma instituição queira ofertar na modalidade a distância terá sempre e obrigatoriamente momentos presenciais que garantam a qualidade da formação do egresso naquelas práticas inerentes ao curso”, diz. 

O ministério cita como possibilidade a distância a oferta de conteúdos teóricos ou que já comportem tecnologias de simuladores ou realidade virtual em determinados campos de estudo, “mas nunca prescindindo dos momentos presenciais”. 

Modalidade surgiu no Brasil em 1904 

Na academia, o EaD é um conceito ligado a massificação do ensino. Logo, para alguns autores sua origem estaria na invenção do livro impresso, no século 15. A criação do correio, três séculos depois, seria outro marco. Foi a partir daí que surgiram as primeiras experiências de ensino por correspondência. 

Já no século 20 o telefone, rádio, entre outras coisas, facilitaram ainda mais a interação a distância entre professor e aluno. No Brasil, de maneira institucional o ensino a distância surge em 1904, quando as Escolas Internacionais lançam cursos por correspondência. Nas décadas seguintes diversas experiências, governamentais ou não, foram adotadas — e descontinuadas. 

Os pesquisadores Jorge Hermida e Cláudia Bonfim, em artigo publicado na Revista Histedbr On-line, em 2006, destacam iniciativas de ensino a distância a partir de 1930, como a fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro Roquette-Pinto (1930); a Rádio-Escola Municipal Rio de Janeiro (1934); o Instituto Rádio Técnico Monitor, em São Paulo, entre outras. 

Os especialistas ainda citam a Universidade do Ar — que treinava comerciantes e empregados em técnicas comerciais —, na década de 1950, e o Movimento Nacional de Educação de Base (1961). A partir de 1970, a fundação Roberto Marinho inicia a educação supletiva à distância para primeiro e segundo graus, destacam. 

Ainda segundo o artigo, vinte anos depois a mesma fundação daria início ao Telecurso 2000. Nos anos 1980, a Universidade de Brasília cria os primeiros cursos de extensão à distância. Mas é só em 1996 que o EaD é normatizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9394, de 20 de dezembro). Em dezembro de 2005, a legislação é atualizada, como mencionado anteriormente, para ser alterada novamente doze anos depois. 

À época da última atualização, no ano passado, o ministro da Educação, Mendonça Filho, justificou a mudança comparando o percentual de jovens entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior no Brasil com outros países. Estados Unidos e Canadá teriam 60% de seus jovens na educação superior, enquanto no país esse índice fica em 20%. 

“Essa realidade é resultado tanto do fato de que se trata de uma modalidade ainda muito recente na educação superior brasileira quanto da constatação de que a regulamentação atual data de 2005 e não incorpora as atualizações nas tecnologias de comunicação e informação, nem os modelos didáticos, pedagógicos e tecnológicos consolidados no momento presente”, disse.

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