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Uma das bibliotecas da Universidade do Chile: educação pública, mas não gratuita | Reprodução / Universidad de Chile
Uma das bibliotecas da Universidade do Chile: educação pública, mas não gratuita| Foto: Reprodução / Universidad de Chile

Mesmo com uma média de gasto por estudante comparável à brasileira e uma herança cultural similar, o Chile consegue ter os melhores resultados nos índices educacionais de toda a América Latina. O modelo chileno é o oposto do brasileiro: em vez de centralização, autonomia local. Em vez de escolas públicas como única alternativa para os mais pobres, cheques para que as famílias possam matricular as crianças em escolas privadas. Em vez de gratuidade universal, universidades públicas  com cobrança de mensalidades. O que o país pode ensinar ao Brasil? 

Primeiro, aos números. No PISA, ranking internacional da OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento), o Chile está em 44º lugar entre 72 nações. O Brasil, que mostrou pouca evolução nos últimos anos, é o 63º. Os dados são da última edição do ranking, divulgada em 2015. 

Os anos de estudo dos brasileiros também são inferiores quando comparados ao país andino.  O Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostra que os chilenos ficam na escola por quase uma década (9,9 anos), dois anos a mais do que os estudantes no Brasil, que frequentam a escola por 7,8 anos em média.

Na educação superior, os chilenos também estão à frente: 21% da população entre 24 e 64 anos têm diploma de ensino superior, enquanto o percentual no Brasil fica em torno de 14%.

As semelhanças estruturais entre os dois países são muitas, diz Hernán Hochschild, diretor executivo da ONG chilena Elige Educar, criada em 2010 para valorizar a função do professor no país. “Brasil e Chile são países que não sabem com clareza o que fazer para deflagrar as melhorias na aprendizagem e ainda têm uma segregação social que dificulta muito essas melhorias”, pontua. 

As diferenças nas políticas públicas, entretanto, garantiram um progresso no ensino no Chile. Lá, o Estado desempenha um papel menor na gestão educacional – embora mantenha as rédeas do sistema. “A ideia de que o Estado não interfere na Educação não está totalmente correta. O ponto é a maneira com que interfere. O governo chileno não tem um papel dentro da sala de aula nem direciona tudo o que acontece dentro da escola, mas construiu uma legislação para ter controle sobre tudo”, diz Hochschild. 

Transição 

Os vouchers para a educação básica e a cobrança de mensalidades no ensino superior estão entre os principais pontos do modelo no país, que atualmente – sob a gestão da socialista Michelle Bachelet – vive um momento de transição. 

No final de 2015, o Congresso chileno aprovou a lei da universidade gratuita, um dos primeiros pontos de uma ampla reforma que o atual governo tem proposto. Desde o ano passado, a gestão Bachelet vem implementando as mudanças em universidades públicas e particulares, que podem aderir tornando-se entidades sem fins lucrativos. A ideia é tornar o ensino superior 100% gratuito até 2020. O plano de implementação, entretanto, ainda está fora do ritmo inicialmente proposto pelo governo. E, apesar do apelo popular da medida, restam dúvidas se a gratuidade vai melhorar o acesso à educação em um país com índices relativamente bons.

 E no Brasil? 

A questão da gratuidade do ensino superior público é moral, diz o economista Adolfo Sachsida, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). “Quando chega o momento de ir à universidade, os filhos das classes abastadas passam na universidade pública e gratuita. Já os pobres são obrigados a pagar por educação. É uma brutal transferência de renda dos alunos pobres para os alunos ricos”, afirma. 

Em um modelo alternativo, as instituições de ensino decidiriam a aplicação da arrecadação das mensalidades, pensa o economista. “É um modelo de muita liberdade, porque está na nossa legislação que a universidade é autônoma. Assim, algumas universidades poderiam cobrar, outras não. Ao cobrar, definiriam onde colocar o dinheiro”, afirma. “Pode-se financiar moradia e alimentação para alunos carentes. Ou ainda o transporte. Pode-se ter mais acesso a equipamentos e melhorar a infraestrutura e a qualificação do professor. É difícil imaginar que isso seria ruim para a universidade”, projeta Sachsida. 

João Batista Araújo Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto e especialista do Instituto Millenium concorda. “A questão não é financeira, mas de equidade”, afirma. “Não é para ter dinheiro, porque as universidades têm custos altos e mensalidades não seriam tão significativas na sua manutenção”. 

Para Oliveira, dois pontos fazem sentido: a cobrança de quem pode pagar e a renovação do mecanismo de financiamento estudantil atual. A ideia é que mesmo o estudante que não tem condições de arcar com a universidade de imediato consiga fazê-lo após a formatura. “Dados mostram que as pessoas que fazem curso superior têm ao longo da vida um rendimento três vezes maior do que quem não fez. Seria justo que elas pagassem por essa educação”. 

A ideia é que a cobrança seja feita apenas no momento em que o profissional estiver estabilizado, em um mecanismo semelhante ao que é feito na Austrália, em que as mensalidades são descontadas do imposto de renda. Assim, esse pagamento estaria garantido sem sobrecarregar o jovem em início de carreira. 

O Fies, modelo de financiamento em uso no Brasil, tem inadimplência de 53%, segundo dados obtidos em janeiro deste ano pela Folha de São Paulo. 

Vouchers 

O sistema de vouchers adotado pelo Chile não é totalmente descolado da nossa realidade, frisa Adolfo Sachsida. “O Brasil já tem essa tecnologia, mas aplicou no ensino superior. O MEC está totalmente focado na universidade”, explica. 

As vantagens do reforço do ensino básico, incluindo os vouchers, são notáveis. “É muito nítido que o grande retorno da educação para a vida pessoal e na sociedade se dá no ensino básico. É lógico que há ganhos no ensino superior, mas estão associados geralmente apenas ao indivíduo”, acredita Sachsida. 

A questão operacional da implantação dos vouchers, porém, precisaria contar com estados e municípios. “De acordo com a Constituição, o grosso das atribuições de ensino médio e fundamental depende de estados e municípios. A cada R$ 5 gastos em educação, R$ 4 são gastos por estados e municípios”, diz o economista. 

Algumas cidades engatinham há anos nesse sentido. “Quando uma prefeitura isenta uma escola de IPTU em troca de vagas para alunos carentes, financia o ensino. Mas quem decide quem entra é a escola, com concurso de bolsas, por exemplo”, conta. Com os vouchers, a escolha ficaria na mão dos alunos. 

Se tem algo que os índices do Chile mostram, é que ao menos existem alternativas possíveis ao modelo brasileiro – que tem falhado vergonhosamente.

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