Patrick Derham recorda o momento em outubro de 1973 quando, aos 14 anos, morando em um lar conturbado e planejando ingressar na Marinha, viu sua vida dar uma guinada, milagrosamente, para melhor.
Inesperadamente, recebeu a oferta de uma vaga gratuita em uma cara escola particular. Ele aceitou, cursou a Universidade de Cambridge e ainda atuou como diretor de duas das instituições educativas mais famosas da Grã-Bretanha. Nunca soube como foi escolhido para a bolsa de estudos, mas desde então tem tentado pagar aquela fé em seu potencial levando mais estudantes de comunidades carentes – incluindo adolescentes negros – a alguns dos centros de aprendizado da elite britânica.
Poucas instituições simbolizam melhor a estratificação e o privilégio na Grã-Bretanha do que suas principais escolas independentes, cujas origens remontam há séculos em alguns casos. Seus ex-alunos dominam muitas esferas da vida britânica, e metade dos membros do governo estudou em escolas particulares, incluindo o primeiro-ministro, David Cameron, que frequentou a academia mais exclusiva da nação, o Eton College.
Críticos culpam esse sistema por algumas desigualdades sociais, econômicas e raciais da Grã-Bretanha; argumentam que tais escolas impedem a mobilidade; e querem que façam mais por crianças carentes para justificar as isenções fiscais que recebem. Algumas escolas, lideradas por Derham e outras pessoas, estão tentando justamente isto: tomando medidas para diversificar ainda mais seu corpo discente.
“Mais e mais de nós estão preocupados com essa polarização na sociedade. Não existe sentido produzir pessoas que só conheceram pessoas como elas mesmas”, disse Derham em um escritório na Westminster School, onde é o diretor.
Claustros e prédios cor de marfim: “intimidador”
Em 2003, em seu cargo anterior como diretor da Rugby School, Derham ajudou a criar o programa da Fundação Arnold, que oferece vagas gratuitas em internatos para adolescentes recrutados em comunidades carentes. Ele forjou elos com um clube londrino para jovens afro-caribenhos, chamado Eastside Young Leaders’ Academy, fundado por Ray Lewis, ex-funcionário de uma prisão, que estava alarmado com o número de jovens negros que terminavam presos.
Lewis se inspirou em uma reportagem na televisão sobre uma academia em Baton Rouge, Estados Unidos, criada para melhorar as perspectivas de jovens negros e foi influenciado por um programa norte-americano para criar oportunidades para alunos negros, latinos e asiático-americanos.
Mesmo assim, inicialmente Lewis duvidava que escolas tradicionais caras e exclusivas como a Rugby fossem lugar para qualquer “negro que se respeitasse”. Parecia “um completo absurdo”, ele disse. “Internato? Tudo que se ouvia falar era em espancamentos e sodomia.”
Não apenas ele terminou sendo convencido como também, no ano passado, o estudante Michael Olorunlogbon, 16 anos, se tornou o centésimo aluno a frequentar Rugby graças a uma bolsa de estudos da Fundação Arnold.
Chegar a uma escola fundada há quase 450 anos, com suas praças, claustros e prédios cor de marfim, foi “levemente intimidador”, reconheceu Olorunlogbon. Agora, no entanto, ele gosta da vida aqui e acha provável tirar notas mais altas, garantir vaga em uma universidade melhor e forjar um futuro brilhante.
“Os professores têm mais tempo para você – existe uma proporção menor de aluno por professor na escola. Em casa, existem mais distrações.
Eu trabalho com mais afinco aqui do que em casa, com certeza”, contou ele, sentado em uma grande sala ao lado do escritório do diretor.
Dificuldade de adaptação
Todavia, o processo de adaptação nem sempre é fácil. David Ejim-McCubbin, 23 anos, afirmou que quando foi de um bairro carente de Londres para a escola Rugby, sofreu para conciliar dois mundos “astronomicamente diferentes”.
“Deixei uma situação para dar uma olhada em outra que ficava não sei quantas estratosferas acima daquela em que nasci”, declarou Ejim-McCubbin, que depois disso se formou em Direito e fez mestrado em Teoria Política e Jurídica. Ele agora coordena o programa de bolsa de estudos de Eastside.
A transição foi tão difícil que em seus primeiros meses na Rugby somente a falta de uma passagem de trem o impedia de desistir. Os outros alunos eram receptivos, mas ele lembra que era tratado como uma curiosidade e que uma vez foi cercado por um grupo e indagado se já havia testemunhado um esfaqueamento, coisa que nunca havia visto.
O experimento na Rugby deu origem a outro programa, SpringBoard, que coloca estudantes de bairros carentes em outros internatos, inclusive Eton.
Política pública
Tudo isso só aumentou o debate a respeito do efeito social das escolas particulares britânicas. Visto pelos seus defensores como faróis de excelência que elevam o padrão, as escolas são culpadas pelos críticos por permitir que pais abastados prefiram não aderir à educação pública, removendo o incentivo para que ela melhore.
Christine Blower, secretária-geral do Sindicato Nacional dos Professores, cuja maioria dos integrantes trabalha em escolas públicas, argumentou que quando os resultados das provas são ajustados segundos os fatores sociais, “os estudantes das escolas públicas têm o mesmo sucesso que os colegas das escolas independentes”.
“Todas as crianças e jovens deveriam ter acesso a uma boa escola local, independentemente da classe social dos pais e da renda disponível”, acrescentou ela.
Entre críticas, texto base para o currículo das escolas entra na reta final
Leia a matéria completaPeter Green, atual diretor da Rugby, disse que a escola estava ampliando sua história de caridade, e adaptando aos tempos modernos uma longa tradição de oferecer vagas gratuitas. Por exemplo, uma de suas figuras históricas mais conhecidas, William Webb Ellis, que recebeu o crédito de segurar e não chutar uma bola aqui em 1823 e, assim dar início ao rúgbi, estudou graças a uma bolsa de estudos.
Hoje em dia, o valor para um aluno do internato gira em torno de US$ 46 mil anuais. Quando todas as vagas gratuitas e bolsas de estudos são incluídas, 12 por cento dos estudantes da Rubgy não pagam nada. Green reconhece que alguns estudantes da Fundação Arnold têm tido problemas, porém, dos mais de cem, somente dois desistiram.
Embora os candidatos façam um teste acadêmico para garantir que podem dar conta dos estudos, a ideia não é apenas pegar os mais brilhantes, mas também os que vão se beneficiar do internato na escola, muitas vezes em função da situação familiar.
“Podemos não ser capazes de ajudar a todos, mas pelo menos conseguimos ajudar algumas pessoas”, disse Green, acrescentando que os alunos pagantes se beneficiam com o convívio com quem vem de um cenário menos privilegiado. Segundo ele, a escola não pode ser “um casulo extremamente rico”.
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