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A imagem mostra crianças na Escola Aldeia Lumiar, em Porto Alegre.
Crianças na Escola Aldeia Lumiar, em Porto Alegre. Foto: Divulgação.| Foto:

Desde março, Porto Alegre conta com uma iniciativa inédita no Brasil: a Prefeitura paga para que 73 crianças estudem no ensino fundamental em uma escola com gestão privada, que utiliza a mesma metodologia de ensino encontrada em um dos principais colégios particulares da cidade. E a Prefeitura garante: o investimento público é menor do que nas escolas mantidas pelo poder público.

O empreendimento, que está sendo chamado pela Prefeitura de “escola pública não estatal”, é parecido com o programa Procentro implantado em Pernambuco no ensino médio, de 2004 a 2007, assim como com as charter schools nos Estados Unidos. As escolas charter (contrato ou alvará, em português) são instituições privadas que funcionam com dinheiro público. Ao invés de administrar diretamente a educação, o Estado delega essa função à iniciativa privada que, para continuar “parceira” do Estado, precisa cumprir metas de qualidade medidas todos os anos.

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No caso de Porto Alegre, a recém-criada Escola Aldeia Lumiar, para o 1º ao 3º ano do ensino fundamental, é fruto de uma parceria com a ONG Aldeia da Fraternidade e o Instituto Lumiar, que utiliza a metodologia “comunitária inovadora”, baseada no construtivismo. Caso o modelo dê certo, escolas com outras metodologias de ensino também poderão tentar parceiras com o poder público.

“Eu gostaria de ter mais escolas públicas não estatais para que nós tivéssemos a possibilidade de experimentação pedagógica, para testar outros modelos e plantar uma semente. Para que exista uma possibilidade de a sociedade civil ofertar a educação fundamental a um custo razoável e com bons resultados”, diz Adriano Naves de Brito, secretário de Educação de Porto Alegre.

Custo e benefício

Antes da Escola Aldeia Lumiar, a capital gaúcha já tinha feito parceria com uma empresa privada para a instalação e gestão de duas escolas de educação infantil. A demora para fazer o mesmo no ensino fundamental deve-se, entre outras razões, à restrição do uso das verbas do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação): a lei só permite a utilização dos recursos do fundo em creches não estatais, mas não em escolas particulares de ensino fundamental e médio. Assim, as parcerias nesses níveis são raras, pois só é possível usar os recursos do Município e da iniciativa privada, desencorajando projetos do tipo.

De qualquer forma, na iniciativa realizada na Escola Aldeia Limiar, o investimento para os cofres públicos está sendo menor do que em uma escola inteiramente estatal, por causa da entrada de verbas particulares, segundo informou a Secretaria de Educação.

“Para o Tesouro, o aluno da escola pública estatal custa em torno de R$ 13 mil por ano, enquanto o de uma escola comunitária custa menos de R$ 12 mil. Considerando que o aluno da escola estatal ainda conta com o Fundeb além desse valor, o aluno da escola comunitária pode ter um custo até 40% menor”, indica Brito. “Mas esse modelo só é escalável se tivermos uma mudança na lei do Fundeb, que permita utilizarmos os recursos também no ensino fundamental”.

Tanto a viabilidade econômica quanto a qualidade da Escola Aldeia Lumiar serão testadas nos próximos cinco anos, período de vigência do contrato com a Prefeitura. Ou seja, a continuidade do projeto está garantida até 2020, mesmo com a eventual troca de governo nesse período. Os estudantes serão avaliados periodicamente para verificar de que maneira essas novas instituições se comparam às escolas estatais.

“Como o sistema é plural, é fundamental que a gente possa ter um sistema de avaliação independente, que ofereça uma homogeneidade avaliativa. As escolas comunitárias estarão submetidas aos processos que a Secretaria encomendou, seguindo a metodologia do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, principal avaliação do tipo no país)”, assinala Brito.

Críticas

As charter schools, assim como o sistema de vouchers – ao invés de oferecer a escola o governo dá dinheiro para as famílias colocarem os filhos nas escolas que quiserem –, são utilizadas em diversos países, como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Japão, etc. Um dos casos mais conhecidos de sucesso desse modelo são as escolas charter de Nova York, implantadas em 2005, que reverteram índices baixos de aprendizagem em escolas com maior dificuldade.

Os maiores críticos desse modelo são os sindicatos de professores que tendem a ser contra a parceria com a iniciativa privada principalmente pela facilidade como são demitidos professores que não alcançam bom desempenho e pelo sistema de meritocracia, de distribuição de bônus para docentes com bons resultados. Alguns pesquisadores também acreditam ser arriscado deixar a educação pública nas mãos de empresas particulares.

Outro ponto de atenção, dizem, é que não existem pesquisas conclusivas sobre o impacto das escolas charter nos resultados acadêmicos. Dados do Credo, centro de pesquisas em educação da Universidade de Stanford, mostram que, nos Estados Unidos, o modelo tem melhorado a aprendizagem de alunos mais vulneráveis – de menor renda e com menos acompanhamento dos pais –, especialmente negros e latinos. Isso porque muitas escolas charter foram configuradas para atender especificamente essas populações e obtiveram bons resultados.

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A experiência de Pernambuco

Em Pernambuco, o Programa de Desenvolvimento dos Centros de Ensino Experimental (Procentro), que funcionou entre 2004 e 2007 em 20 colégios, era uma parceria do governo estadual com empresas privadas para oferecer o ensino médio em tempo integral. Desde o início, a iniciativa encontrou resistência no sindicato dos professores e na Assembleia Legislativa.

A proposta, que também começou com uma metodologia construtivista, no primeiro ano abandonou esse sistema para ser “conteudista”, já que os alunos apresentavam real déficit de aprendizado, o que não é possível sanar com aulas interdisciplinares e oficinas extracurriculares.

“No primeiro ano, precisamos enfrentar esse debate sobre construtivismo. Quando começamos, vimos que não tínhamos nem os alunos nem os professores que se encaixavam naquela escola ideal... Eu nunca vou me esquecer de um dia, em outubro, no primeiro ano do Ginásio Pernambucano. Eu estava numa sala com as professoras, a gestora e a coordenadora pedagógica. Chegou um aluno muito triste e me disse: ‘Professora Marilene, eu estava no fim de semana conversando com um colega meu que estuda em uma escola particular e ele disse que está aprendendo umas coisas que eu nunca ouvi falar na minha vida.’ Então, conversamos com ele e outros estudantes e nos demos conta de que eles estavam sentindo falta de mais conteúdo. Estávamos fazendo oficinas interdisciplinares o tempo todo, aquela maravilha, mas eles estavam sentindo falta de conhecimento, e conhecimento tinha que ser um de nossos pilares”, afirmou Marilene Montarroyos, uma das responsáveis pelo Procentro, às pesquisadoras Maria Carolina Nogueira Dias e Patricia Mota Guedes que fizeram um estudo sobre as escolas charter de Pernambuco.

As escolas charter de Pernambuco obtiveram excelentes resultados: no Enem de 2008 os alunos dessas escolas obtiveram notas acima das médias de escolas públicas e particulares. Nesse mesmo ano, porém, com a mudança no governo estadual, o programa foi descontinuado e as empresas privadas saíram da gestão das escolas.

A Escola Aldeia Limiar

No caso da escola inaugurada em março em Porto Alegre, segue-se o modelo construtivista. “Os conteúdos das aulas são abordados por meio de projetos, e esses projetos são decididos em uma roda. Na gestão compartilhada, fazemos a roda com as crianças, e depois uma roda da escola, onde todos participam, incluindo secretaria, pessoal da limpeza, toda a escola”, descreve Cláudia Nahra, diretora-executiva da Aldeia da Fraternidade. “Assim, utilizamos um tema central para abordar os conteúdos estabelecidos no currículo do Ministério da Educação. Neste primeiro trimestre, trabalhamos com a vida dos animais: a partir disso, estudamos português, com o nome dos animais, matemática, geografia para saber onde eles vivem, etc.”.

As 73 crianças da escola estão divididas em três turmas. Diferentemente do habitual, a divisão tem como objetivo garantir um melhor atendimento às crianças, mas não ocorre para separá-las por idade: seguindo a metodologia, as séries são substituídas por ciclos – no primeiro ciclo, alunos do 1º ao 3º ano do ensino fundamental dividem a mesma sala. Há outros dois ciclos posteriores, cada um englobando três séries até chegar ao 9º ano. A ideia da Escola Aldeia Lumiar é passar a oferecer o segundo ciclo a partir de 2020 e o terceiro, de 2021 em diante, contemplando todas as idades do ensino fundamental.

“Ainda é cedo, e cada trimestre é um aprendizado. Atendemos crianças em vulnerabilidade social, então é um público diferente daquele de uma escola particular”, diz Cláudia. “Mas o relato que temos é que as crianças estão mais participativas em casa, mais amorosos, mais afetivos. Agora, elas sempre chegam em casa com alguma novidade e querendo saber mais sobre o que viram na aula”, comemora.

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