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A maioria dos programas de doutorado não estão preocupados com o que acontece com os estudantes depois que eles se formam. | Pixabay.
A maioria dos programas de doutorado não estão preocupados com o que acontece com os estudantes depois que eles se formam.| Foto: Pixabay.

Perfil voltado para pesquisa acadêmica, dedicação a temas altamente teóricos e falta de tempo são fatores que levam profissionais com especialização em artes e humanidades a encontrarem dificuldades para se inserir no mercado de trabalho. Para aqueles que não desejam a carreira docente, a falta de treinamento adequado e interesse no desenvolvimento profissional leva a escassez de alternativas de carreiras. 

Pesquisa realizada pelo Centro de Orientação e Pesquisa em Carreiras do Reino Unido com estudantes de doutorado em artes e humanidades aponta que 28% dos doutorandos não participam regularmente de atividades voltadas para o desenvolvimento profissional. Dos 500 estudantes entrevistados, 83% contaram nunca ter utilizado os serviços de aconselhamento profissional das suas instituições de ensino. 

Para os estudantes em busca de alta titulação acadêmica, o desenvolvimento de uma carreira profissional foi classificado como “perda de tempo”. As informações foram publicadas no relatório “One Size Does Not Fit All: Arts and Humanities Doctoral and Early Career Researchers’ Professional Development Survey” (“Um Único Modelo Não Serve para Todos: Pesquisa sobre Desenvolvimento Profissional de Pesquisadores de Doutorado e em Início de Carreira em Artes e Humanidades”, em tradução livre). 

Justificativas 

Os estudantes apontaram a ausência de tempo como um dos fatores principais para essa lacuna. Segundo eles, o volume de estudo exigida para a titulação não deixa tempo para se dedicar ao desenvolvimento de uma carreira profissional. 

Outro ponto destacado foi a falta de incentivo dos orientadores: para 29% dos entrevistados, seus orientadores de pesquisa demonstraram pouco ou nenhum interesse no mercado de trabalho. 

“Existe um discurso de fracasso e vergonha que intimida os doutorandos e os faz se sentirem como se eles não fossem bons o suficiente se não seguirem uma carreira acadêmica”, apontou Rosemary Feal, diretora executiva da Associação de Línguas Modernas (MLA) de Nova York, organização voltada para a pesquisa e ensino de linguagem e literatura, em entrevista ao The Atlantic. “Alguns orientadores têm preconceito contra muitos empregos fora do meio acadêmico que os doutorandos se interessam e consideram muito satisfatórios. Eles não conseguem imaginar uma ‘vida intelectual’ a não ser que o indivíduo se torne um pesquisador.”  

Uma consequência dessa dinâmica é a formação de pesquisadores altamente focados nos conhecimentos acadêmicos, mas sem habilidades para alinhar esses conhecimentos com as demandas da vida profissional. 

Segundo especialistas, essas habilidades deveriam ser desenvolvidas desde o começo da formação acadêmica. “É necessário que o estudante já na graduação entre em contato com a prática em sua área de formação, por meio de estágios e cursos teórico-práticos. Essa vivência permite a experiência na área e promove reflexões sobre o que é imprescindível desenvolver”, destaca Samarah Freitas, professora do curso de Psicologia e coordenadora do programa de orientação profissional da Universidade Positivo (UP). 

Hiato profissional 

Sem habilidades necessárias para as demandas do mercado, os profissionais com doutorado em artes e humanidades são levados para o começo da fila na concorrência profissional. Esse cenário foi apontado pelo pesquisador e professor William Pannapacker em artigo para a revista Slate em 2011. 

“A maioria dos programas de doutorado não estão preocupados com o que acontece com os estudantes depois que eles se formam, e isso não é bom. É muito provável que um doutorado em humanidades coloque o indivíduo em desvantagem competindo com candidatos de 22 anos de idade para empregos operacionais que mal exigem um diploma de ensino médio”, escreveu. 

Para Pannapacker, a dedicação a um doutorado em humanidades é uma opção válida apenas para quem já tem uma carreira e deseja aprimorá-la, quem tem contatos na área em que deseja atuar ou quem já possui possui uma situação financeira confortável; a saída para os demais candidatos é uma mudança no modelo dos programas de doutorado para que passem a incluir treinamento profissional. 

A mesma necessidade de mudança é apontada pela pesquisa realizada no Reino Unido. “É necessária uma mudança cultural em que o desenvolvimento profissional passe a ser visto como uma parte integral ao doutorado”, diz o relatório. 

Enquanto ela não ocorre, uma alternativa para os estudantes é priorizar o mercado de trabalho nas fases iniciais da sua formação, antes de se dedicar a uma alta titulação. 

“O jovem que se insere no mercado ainda na graduação busca constante autoconhecimento e também busca conhecer a demanda da sua atual área, desenvolve diversas habilidades e torna-se um candidato provavelmente com qualificações alinhadas ao seu interesse”, diz Samarah.

Muitos dos nossos problemas vêm do fato de que nós perdemos os nossos compassos morais e não há muito interesse em recuperá-los.

Publicado por Ideias em Quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Mercado de trabalho 

Nas últimas duas décadas foi observado um aumento da demanda por profissionais de áreas técnicas, segundo dados dos Censos 2000 e 2010. Ao mesmo tempo, a ampliação no número de profissionais de setores não ligados à área técnica levou a um crescimento da concorrência por vagas e consequente diminuição nos salários. 

De acordo com o Censo 2010, as carreiras tradicionais ainda oferecem os maiores salários, como Medicina, Engenharia Civil e Odontologia, com salários mensais médios de respectivamente R$ 6.952, R$ 4.855 e R$ 4.854 naquele ano. A menor remuneração média foi dos profissionais de Filosofia, com salário médio de R$ 2.390. No mesmo período, apenas 3,9% dos formados em cursos de Filosofia estavam trabalhando na sua área de formação; para Medicina, o índice foi de 79,9%. 

Essas condições são percebidas pelos jovens profissionais. Levantamento realizado pelo site de empregos Vagas.com apontou que 59% dos jovens em busca do primeiro emprego imaginam-se trabalhando em profissões tradicionais, como advogado, médico ou dentista. A pesquisa foi feita com homens e mulheres de 14 a 30 anos que nunca trabalharam e buscam oportunidades ou que estão em seu primeiro emprego. 

Segundo a pesquisa, o setor que mais desperta o interesse de jovens profissionais são bancos (54%). O setor de educação – carreira mais comum para os profissionais com doutorado – ficou em último lugar (18%).

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