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Retrato de Che Guevara em muro de Havana: ícone da esquerda | Pixabay
Retrato de Che Guevara em muro de Havana: ícone da esquerda| Foto: Pixabay

O debate sobre a posição ideológica dos professores tem ganhado destaque no debate público. Em Brasília, um grupo de parlamentares articula a aprovação de uma lei – a Escola Sem Partido – que proibiria o docente de defender uma posição política dentro da sala de aula.  O consenso entre os defensores do projeto é de que, especialmente na área de humanas, há uma doutrinação ideológica de esquerda por parte dos educadores. Mas, afinal, essa preferência política é mesmo verdade?

Há poucos estudos dedicados a mapear as preferências políticas dos professores. Um deles, entretanto, traz resultados significativos.

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Uma dupla de pesquisadores dupla realizou um levantamento com 288 professores de História de países do Mercosul – Brasil, Argentina Uruguai e Paraguai – mais o Chile. Uma das perguntas do questionário foi em qual partido os docentes costumam votar nas eleições. Ao todo, 84,5% dos professores brasileiros disseram preferir siglas de esquerda ou centro-esquerda.  O centro, a centro-direita e a direita, somados, corresponderam a 15,5% dos entrevistados. 

Intitulada “Esquerda ou direita? Professores, opção política e didática da história”, a pesquisa tem como autores os educadores Caroline Pacievitch, professora de História da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Luis Fernando Cerri, professor de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Em nenhum dos países participantes a maioria dos professores de História disse votar em algum partidos de direita. Na Argentina, 46,83% preferem a centro-esquerda ou a esquerda, um índice semelhante ao encontrado no Paraguai. O grupo de professores ouvidos que votam na esquerda e na centro-esquerda, no Uruguai, é 100%, no Chile, 93,33%, e, na Argentina, 69,62%. Os argentinos e paraguaios, de acordo com o estudo, são os que mais tendem a votar à direita do espectro político – 30,37% dos participantes da Argentina demonstraram esse comportamento.  

Embora o trabalho realizado pelos pesquisadores não tenha pretensões de “representatividade estatística”, os dados ajudam a identificar algumas tendências no ensino da disciplina de História. A preferência pela visão de esquerda da maior parte dos professores fica clara. 

Outra ressalva do estudo é de que, no Brasil e na Argentina, a amostra é mais diversificada pelo fato de a formação universitária desses países estarem mais adiantadas. No caso do Paraguai, Uruguai e Chile, a amostra é mais restrita. 

Unesco

Um relatório mais antigo, elabora em 2004 pela Unesco, chegou a conclusões semelhantes.  Quando perguntados se concordam com a afirmação “A liberdade e a igualdade são importantes, mas se tivesse que escolher uma das duas, consideraria a igualdade como mais importante, isto é, que ninguém se veja desfavorecido”, 75,5% dos entrevistados responderam que “sim”. 

Embora o relatório da Unesco evite usar os termos esquerda e direita, a frase em questão costuma ser usada para mapear pensamentos mais à esquerda. 

Impacto no aluno  

A partir de uma análise das respostas dos professores, os pesquisadores confirmam que a inclinação política do educador resulta em pequenas diferenças na aplicação didática dos conteúdos. Por esse motivo, os acadêmicos concluem que essas constatações “provocam reflexões sobre o papel dos formadores de professores de História”, o que reforça “a importância de conectar política e didática na constituição da responsabilidade docente”, afirma o artigo.  

Mesmo identificando a prevalência de visão esquerdista e com a constatação de diferenças didáticas dentro da sala de aula, o estudo afirma que não foi percebido o desejo consciente de doutrinação ideológica por parte dos professores, independentemente da crença política. 

Uma das autoras do artigo, a historiadora Caroline Pacievitch cita o exemplo das preferências de abordagem da ditadura militar brasileira entre os professores. Entre os educadores que participaram da pesquisa, ela afirma que nenhum deles abordou o tema fugindo daquilo que pode ser considerada uma explicação correta, do ponto de vista historiográfico. 

Neste caso, professores de esquerda costumam apresentar o período focando nas violações dos direitos humanos cometidos pelos militares. Já os educadores de direita preferem introduzir o assunto pela questão econômica, outro fato marcante da época. “Nenhum deles sai de uma interpretação correta do ponto de vista científico”, afirma Caroline. 

“Os alunos não chegam vazios à sala de aula. A gente não está conversando com quem não sabe nada de História. O conhecimento circula. Do ponto de vista científico, não acreditamos que o professor pode ser neutro. Ele tem que ser objetivo”, afirma a historiadora. 

Autor do estudo em parceria com Caroline, o professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UFPG), no Paraná, Luis Cerri afirma que o levantamento demonstra uma variação sutil na forma do professor lecionar, conforme a posição política. De acordo com Cerri, há pesquisas em andamento que tentam identificar a origem de certos pensamentos dos alunos. Um trabalho deste tipo, segundo o educador, apontaria para caminhos mais claros em relação à influência sofrida pelo estudante. Cerri, no entanto, acredita que o professor, atualmente, tenha um papel limitado na interferência do pensamento do aluno. 

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“Trabalho com formação de professores, e a orientação que damos aos graduandos é que sempre se considera o ponto de vista de uma forma geral. Seria desonesto o professor dizer que não tem opinião, os alunos percebem que o professor tem. Um bom professor é aquele que, para além de sua posição, trabalha de forma completa os assuntos”, analisa. Cerri afirma que o professor de História tem um perfil mais voltado para um humanista do que para um esquerdista. 

Neutralidade: realidade ou utopia?  

A possibilidade de se atingir uma neutralidade dentro da sala de aula é um dos principais debates gerados após a proposição do Escola sem Partido. Amaury Cesar Moraes, professor de de Metodologia do Ensino de Ciências Sociais, na Universidade de São paulo (USP), defende a adoção de uma metodologia de aula baseada na alfabetização científica. 

Praticado há décadas na área das ciências naturais, o método preconiza que o professor deve respeitar o conhecimento científico no momento de ensinar. Isto é: o posicionamento não está proibido, mas o docente deve sempre estar baseado no que mostra a ciência. Assim, de acordo com Moraes, “o ensino de Sociologia cumpriria um importante e necessário papel na educação básica, fazendo diferença”, assinala. 

Moraes é autor do estudo “Ciência e Ideologia na Prática dos Professores de Sociologia no Ensino Médio: da neutralidade impossível ao engajamento indesejável, ou seria o inverso?”, em que analisa as escolhas feitas pelo professor dentro da sala de aula. No artigo, Moreas afirma que as aulas dos docentes não podem ser ditadas pelas suas próprias convicções ou crenças – sendo assim, o aluno teria preservada a construção de sua autonomia. 

“O professor deve ensinar uma visão variada, deve formar o aluno em vários vieses”, defende. O educador, porém, acredita que a influência da escola sobre o aluno, atualmente, esteja muito reduzida em relação há cerca de 30 anos. “A escola era mais estruturada, era um segundo espaço de forte influência das crianças. Hoje, não há mais uma influência tão decisiva. Ela concorre com outras fontes de informação”, compara. Conforme Moraes, as teorias do campo social não são só de esquerda. Da tríade de autores clássicos da sociologia – Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim –, os dois últimos têm visões mais de direita. 

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Para o professor de sociologia João Valdir Alves Souza, vice-diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o docente assumir claramente uma ideologia não é um problema – fazer proselitismo e ativismo político dentro da sala de aula, porém, é algo comprometedor. “Eu posso deixar claro e devo deixar claro para os alunos o que penso. Mas não posso jamais impor isso a eles”, diz. 

A própria neutralidade, conforme Souza, já configura uma tomada de decisão – além de algo impossível de atingir. O educador acredita que o ponto central da discussão seja o esforço do professor em ensinar com base em argumentos científicos, e não levar para a sala de aula o seu próprio ponto de vista como verdadeiro. “Mesmo que o professor se diga neutro, o tempo todo ele será traído pelas posições que ele defende. Não existe essa neutralidade absoluta”. 

Souza afirma que os cursos de História tendem a recrutar pessoas que venham de um meio sociocultural mais alinhado aos pensamentos de esquerda. Apesar desse predomínio, o educador enxerga hoje uma reação a esse pensamento. “O mundo caminha para um retorno ao conservadorismo, o que favorece a emergência de nomes mais conservadores da historiografia dentro das universidades”, projeta Sousa.

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