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Imagem ilustrativa. | ReproduçãoUnsplash
Imagem ilustrativa.| Foto: ReproduçãoUnsplash

Existe uma “crise de saúde mental”, em escala global, afetando estudantes de mestrado e doutorado? Um trabalho publicado em março, no periódico Nature Biotechnology, sugere que sim. Com base em respostas dadas por mais de 2 mil estudantes, de 26 países, a questionários disponibilizados em redes sociais e enviados por e-mail, os autores concluem que os estudantes de pós-graduação têm seis vezes mais chance de sofrer de ansiedade e depressão do que a população em geral. 

“Quarenta e um por cento dos pós-graduandos atingiram níveis de ansiedade moderada a grave (...) comparados a 6% da população em geral”, escrevem os autores. “Além disso, 39% dos pós-graduandos atingiram níveis de depressão moderada a grave em nosso estudo, ante 6% da população em geral”. 

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Os autores, de universidades do Texas e do Kentucky, nos EUA, reconhecem que a estratégia usada no estudo – em que o resultado da pesquisa depende da disposição dos voluntários em responder ao questionário e mandá-lo de volta, gerando uma amostra que, efetivamente, seleciona a si mesma – pode ter inflado os resultados: estudantes que sofrem de depressão e ansiedade talvez tenham se sentido mais motivados a participar, enquanto que os que se sentem tranquilos apenas puseram os questionários de lado. 

Ainda assim, os pesquisadores afirmam que “os dados devem levar tanto a academia quanto os formuladores de políticas públicas a considerar estratégias de intervenção” para lidar com o problema.  

Alertas anteriores 

Em parte, isso se deve ao fato de que a conclusão do estudo confirma uma série de trabalhos anteriores que já alertava para a existência de algo tóxico no mundo da pós-graduação, onde os estudantes se veem sob grande pressão para produzir resultados e, no geral, trabalham em projetos que representam um grande investimento pessoal, mas com recursos limitados, pouco apoio e autonomia. 

Em 2012, a “Nature” já havia publicado reportagem que citava o site “Students Against Depression”, mantido por uma ONG fundada pela família de uma vítima de depressão que cometeu suicídio em 1997. 

“Para cientistas em início de carreira, as diversas exigências da academia se misturam num caldo de isolamento, expectativas elevadas e falta de sono que pode transbordar em depressão, surtos de ansiedade ou mesmo tentativas de suicídio”, dizia a reportagem. “Mesmo os estudantes que acreditam que podem lidar com a solidão e o estresse de um programa de pós-graduação podem ser levados ao limite por outros estresses, como problemas no relacionamento com um parceiro ou orientador”. 

Em 2014, um relatório sobre o bem-estar dos estudantes de pós-graduação da Universidade da Califórnia Berkeley apontava que 47% dos doutorandos e 37% dos mestrandos mostravam-se deprimidos. 

Mais recentemente, em 2016, outra reportagem da “Nature”, com o sugestivo título de “Young, Talented and Fed-Up” (“Jovens, Talentosos e de Saco Cheio”, em tradução livre) apontava as dificuldades de jovens cientistas em início de carreira – incluindo os que já haviam concluído o doutorado – em lidar com as frustrações do trabalho. 

Entre as principais causas de frustração, foram citadas a busca incessante por financiamento, uma tarefa que às vezes não deixa tempo para a atividade científica em si; a competição intensa, que acaba incentivando práticas antiéticas; a influência dos pesquisadores mais antigos e renomados sobre o progresso dos mais jovens na carreira; o excesso de tarefas administrativas; e o excesso de horas extras.  

Causas imediatas  

A pesquisa publicada em “Nature Biotechnology” destaca o desequilíbrio entre vida profissional e vida pessoal, e o mau relacionamento com orientadores, como duas possíveis causas implicadas na prevalência de ansiedade e depressão entre pós-graduandos. Dos considerados depressivos ou ansiosos, 55% disseram não ter um equilíbrio saudável entre vida e trabalho, ante pouco mais de 20% que afirmaram o contrário. 

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E apenas pouco mais de 30% dos pós-graduandos com ansiedade ou depressão disseram receber “forte apoio”, “mentoria” ou sentirem-se “valorizados” pelo orientador. Por sua vez, o relatório de Berkeley, de 2014, punha os fatores “sono”, “saúde geral” e “envolvimento acadêmico” como os três principais preditores de depressão.  

Brasil  

De acordo com os dados suplementares divulgados pelos autores do estudo em “Nature Biotechnology”, dos 2.279 pós-graduandos que responderam aos questionários sobre ansiedade e depressão, apenas um se identificou como brasileiro. 

No Brasil, a questão da saúde mental na academia veio à tona ano passado, com o suicídio de um doutorando do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Após noticiar o ocorrido, o jornal Folha de S. Paulo recebeu mais de 200 depoimentos de pós-graduandos brasileiros relatando o impacto do mestrado e do doutorado na saúde mental. 

“Na intersecção da maioria das dificuldades descritas pelos estudantes –pressão exagerada, carga de trabalho frequentemente excessiva, solidão, assédio moral, entre outras– encontra-se a figura do orientador, o professor responsável por ajudá-los a realizar a tese e prepará-los para a pesquisa acadêmica”, descreve a reportagem.

Existem diversas pesquisas nacionais sobre o tema, a maioria delas tratando do impacto da pós-graduação na saúde mental de estudantes de carreiras específicas, como Odontologia ou Medicina Veterinária, e amostras pequenas, de poucas dezenas de estudantes. Elas, em geral, apontam níveis elevados de estresse entre os estudantes. 

Um trabalho maia amplo, envolvendo 140 voluntários da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi publicado em 2009, e determinou que quase 60% dos pós-graduandos encontravam-se estressados. Em 2013, uma enquete conduzida por membros da Associação de Pós-Graduandos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) concluiu que mais de 50% dos alunos de mestrado e doutorado tinham problemas de sono.  

“Não está sozinho”  

Em sua edição mais recente, datada de 10 de maio, a “Nature” publica um depoimento do pesquisador escocês Dave Reay, em que o cientista relata sua luta contra a depressão durante o doutorado, incluindo duas tentativas de suicídio. 

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“Foram as pessoas que me salvaram, e ainda salvam”, ele escreve. “Uma palavra carinhosa de um amigo, uma piada ruim de um colega. Dia após dia, pedaço a pedaço, as pessoas ao meu redor, sem perceber, trouxeram minha mente de volta à saúde”. O título do depoimento é “You Are Not Alone” – “Você Não Está Sozinho”.

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