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O presidente da Rússia, Vladimir Putin
O presidente da Rússia, Vladimir Putin| Foto: Alexey NIKOLSKY / Sputnik / AFP

Como todo país que consegue superar o pesadelo do comunismo, a Rússia experimenta e expande o florescer de realidades impensáveis em seu território décadas atrás. A liberdade de poder escolher a melhor forma de educar os próprios filhos é uma dessas novidades que tem conquistado o coração da população, em escala crescente. Com cerca de 120 mil estudantes na modalidade de educação domiciliar, o país já detém o posto de nação europeia com o maior número de alunos educados em casa.

A legitimação do direito ao homeschooling ocorreu em 2012, como parte de uma ampla reforma educacional que deixou para trás muito da herança soviética ainda vigente nas escolas. A lei foi sancionada em 29 de dezembro daquele ano, pelo presidente Vladimir Putin, chama a modalidade de “educação familiar” e estabelece, em seu artigo 44, que os pais ou responsáveis pelas crianças têm o direito primário de educar e criar seus filhos, antes de qualquer outra pessoa, cabendo também à família escolher a forma de educação até a conclusão do ensino médio.

Como o texto da lei não traz uma normatização detalhada desse direito, algumas províncias russas têm estabelecido regulamentos próprios para a prática dentro de suas jurisdições. Em geral, as regras incluem a exigência de matrícula numa escola à qual a família fica vinculada por meio de um contrato, mas sem necessidade de frequência. Esse documento prevê os exames de desempenho aos quais o aluno precisa ser submetido, um currículo básico a ser seguido, além de conceder à família a possibilidade de uso dos espaços comuns, como quadras esportivas e laboratórios. Muito semelhante, portanto, ao modelo recentemente adotado por Portugal.

Desde a sanção, uma dificuldade relatada por vários grupos de apoio às famílias russas durante os primeiros anos de vigência da nova lei era o de fazer os diretores de escola, menos informados e muito acostumados com o velho sistema, acreditarem que, agora, os pais tinham o direito de educar as crianças em casa, sem necessariamente mandá-los para a escola. Há registro de casos em que a resistência por parte das autoridades locais era tamanha que só terminava com manifestação expressa de algum juiz, o que, graças à lei, resultava em vitória para os pais. Para resolver esse dilema, no início de 2020, o governo Putin emitiu um novo documento que estabelece o procedimento para quem quer tirar os filhos da educação escolar e migrar para a educação familiar.

O crescimento pelo interesse no homeschooling, contudo, não é mensurável apenas pelos números das famílias que optam oficialmente por essa forma de educar. A simpatia pela liberdade de escolher é notada inclusive entre aqueles que não querem ou não podem abrir mão da escola. Um levantamento feito em 2019, do qual participaram 13 mil russos, identificou que 33% dos entrevistados consideravam a educação domiciliar como “mais efetiva” e “capaz de promover mais aprendizado” do que a escola tradicional. A maior parte dos que responderam ao questionário não era adepto da modalidade.

A mídia local também tem destacado um aspecto econômico que parece ser comum em todo país que regulamenta a modalidade, o surgimento de empresas educacionais dedicadas a atender especificamente famílias que educam em casa, principalmente com plataformas digitais. A maior parte é formada por pequenos negócios fundados por professores ou pais que oferecem currículos complementares àquele exigido pelo Estado.

Há menções específicas a dois segmentos educacionais que parecem ter conquistado a preferência das famílias russas: Classical Conversation, de origem evangélica, popular nos Estados Unidos, e a pedagogia montessoriana, desenvolvida a partir dos estudos da italiana Maria Montessori, relativamente comum em escolas privadas, e que tem sido adaptada para a realidade homeschooler.

Conhecer melhor a ascensão da educação domiciliar na Rússia faz bem à esperança. Se o coração da antiga União Soviética foi capaz de superar todo o estatismo e o violento controle sobre a liberdade das famílias, a irresponsável ausência de legislação sobre essa modalidade no Brasil não há de durar muito. A lei virá, e com ela, a liberdade.

*Jônatas Dias Lima é jornalista e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, onde atua junto à Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling. Colabora com artigos sobre o tema na Gazeta do Povo. E-mail: jonatasdl@live.com.

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