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| Foto: UTFPR/Arquivo

O fim dos cursos técnicos de Eletrônica e Mecânica na UTFPR fecha um ciclo importante de uma das principais instituições de ensino do Paraná. Os cursos de ensino médio, oferecidos pelo antigo Cefet-PR, deixarão de existir até 2020 – se não houver outra decisão judicial em contrário. A mudança desperta saudades em muitos, principalmente nos que se beneficiaram do ensino de qualidade oferecido. Para contar um pouco dessa história, a Gazeta do Povo ouviu algumas das pessoas que tiveram a honra – segundo eles mesmos – de passar alguns anos de sua vida estudando na instituição. Confira os relatos:

Agatha é a segunda da direita para a esquerda Arquivo pessoal

Liberdade sem igual

Agatha Moraes, 34 anos, designer e ex-aluna de Desenho Industrial

“O período no Cefet com certeza marcou a minha vida. Eu que tinha estudado até então em uma escola católica, só de meninas, e encontrei-me em um sistema totalmente diferente, com liberdade de ir e vir, com os horários das aulas flexíveis, com um ar de faculdade e um clima de vanguarda. A estrutura que tínhamos era incrível! Lembro das salas com gaveteiros cheios de papéis de todas as cores, a marcenaria com material à vontade. E as aulas de fotografia? Tínhamos câmeras disponíveis para todos os alunos, todo papel fotográfico e material para revelação que precisássemos. Agora só quem estudou no Cefet sabe o que era papear nos queijos, usar guarda-pó, mandar recadinho no Jornalzinho, esperar pelo Cefest calouro e Cefespato!! Inesquecível mesmo era a pipoca do seu Didi!! Que sempre dava um pacotinho a mais de brinde! Mas o mais importante que levei desses 4 anos de Cefet foram as grandes amizades que tenho até hoje! Esse ano fizemos 20 anos de amizade! Nos vemos sempre e nossos filhos brincam juntos. É uma pena que eles não terão a chance de conhecer o Cefet que vivemos.”

Grupo de teatro no qual Osvaldo participou Arquivo pessoal

Quem não se lembra do Gargamel?

Osvaldo Donato Lourenço Junior, professor da UFPR, ex-aluno do técnico nível médio de Mecânica e do técnico em Desenho Industrial

“A última coisa que um aluno do Cefet queria era sair dali. O pessoal ia se matriculando, fazia uma ou outra disciplina para ficar o maior tempo possível, não tinha melhor lugar no mundo para ficar. O clima era muito bom e você podia fazer coral, orquestra, teatro, aproveitar o clube de xadrez, a biblioteca, foi o melhor período da minha vida.

Os alunos tinham atendimento médico lá dentro e tudo mais o que um aluno com potencial podia usar para crescer cada vez mais. Lembro da época dos cursos técnicos que tínhamos inspetores sempre no nosso pé, cuidando para que nenhum aluno matasse aula. Um deles era chamado de Gargamel, pois como o personagem era meio careca, magrelo e sempre estava mal humorado. Um dia de queda de energia os alunos se rebelaram e, na escuridão, acabaram virando um dos inspetores dentro do baldão de lixo. Foi o dia da revolta dos alunos.

Como minha mãe dizia

Patrícia Künzel, ex-aluna de Desenho Industrial, editora na Gazeta do Povo

“Estudar no Cefet não foi uma escolha minha. Desde muito pequena, toda vez que passávamos pela esquina da Westphalen com a Silva Jardim, ouvia da minha mãe: “é aqui que seus irmãos estudam (quatro, bem mais velhos que eu) e é aqui que um dia você vai estudar”.

Cursei os quatro anos de Desenho Industrial – nem cogitei sair ao completar o terceiro, que já me garantia o diploma de ensino médio. Posso até ser considerada um fracasso da instituição para alguns: depois de toda a formação técnica, optei por um curso superior em uma área completamente diferente. Mas não é assim que eu avalio.

O quanto os anos de Cefet contribuíram para minha formação não pode ser resumido em uma escolha profissional. E essa não é uma avaliação sentimental, influenciada por amizades e bons momentos vividos na instituição. Ir para lá foi um choque de realidade. Não foi fácil saltar de uma escola estadual bem pequena para um sistema similar ao de universidade. Bons professores, ensino puxado, aprovação por matéria, possibilidade de fazer o próprio horário de aula mesclando turnos e até cursos. É muita responsabilidade e possibilidade de irresponsabilidade. Muita gente fica pelo caminho.

Não sou designer de produto, sites, nem trabalho com projetos de decoração. Mas uso no dia a dia conhecimentos de composição, uso de materiais, noção espacial e uma série de outras coisas que aprendi no Cefet. Tem muito do que eu vivi lá nas minhas decisões profissionais e pessoais.

Tenho sobrinhos que cursaram o ensino médio na já UTFPR. Torço para que meus filhos estudem lá um dia. Tenho certeza que meus pais não poderiam ter feito escolha melhor para mim.”

Depois dos técnicos, de 1987 até 1992, entrei pro curso de Engenharia Elétrica e o Cefet continuou mantendo o mesmo nível, uma universidade reconhecida dentro e fora do Brasil. Hoje a estrutura da instituição ainda é boa e ela continua oferecendo suporte para o aluno. O nível dos professores também é muito bom. Hoje só transferi os estudos para a UFPR porque trabalho lá. Mas ninguém tem vontade de trocar a UTFPR por qualquer outra instituição.”

”Caras pintadas”

Paulo Cunha, 38 anos, funcionário público federal, ex-aluno do curso técnico em Eletrônica

“Em 1992, quando iniciei meus estudos no Cefet, o 1º período foi bastante tumultuado, pois todos eram chamados para ir às ruas como “caras pintadas”. Com isso, amarrávamos nossos guarda-pós na cintura e nos somávamos aos milhares de estudantes de outras instituições nas ruas de Curitiba. A estrutura para prática de qualquer esporte era uma referência, anualmente os campeonatos entre os diversos Cefets era diversão garantida. A média 7,0 era um desafio, pois, as matérias eram complexas e se o aluno não se dedicasse e estudasse, fatalmente não passava na matéria.

Durante meus quatro anos e meio de estudo só reprovei em uma matéria, Física III, no 3º período. Como estudava de manhã, tive que cursar novamente essa matéria no período seguinte à tarde e escolhi cursar em uma turma de Desenho Industrial, escolha feita pelo fato de nas turmas das “grafiteiras” como eram chamadas as estudantes do Curso de Desenho Industrial, a maioria eram meninas lindas. O Cefespato reunia toda a comunidade cefetiana, era realizada em uma chácara em São Sojé dos Pinhais para confraternização entre os alunos, professores e parentes. Muitos jogos eram realizados e, claro, cervejinha. Na segunda-feira após Cefespato os comentários sobre o que ocorreu no evento era o assunto predileto. Namoros, mancadas, tudo ocorria no Cefespato. No 3º período tive minha primeira experiência profissional no próprio Cefet-PR, como aluno bolsista. Não tenho palavras para descrever tudo o que aprendi.”

André está em terceiro lugar à esquerda Arquivo pessoal

X-Montanha

André Seguro, estudante de Engenharia Mecânica

“Desde pequeno eu escutava as histórias do meu pai sobre o tempo em que ele estudou no Cefet e sobre como isso mudou a vida dele. Quando estava prestes a entrar no ensino médio, decidi que iria prestar o exame de seleção para a mesma instituição, que agora se chamava UTFPR. E assim começava a minha jornada diária pelos corredores e rampas do prédio que se tornaria minha segunda casa.

Com 15 anos eu já estava inserido num ambiente universitário, e posso afirmar que isso foi muito benéfico para o meu desenvolvimento profissional e pessoal. O Curso Técnico em Mecânica, de 2009 a 2013, me proporcionou uma bagagem técnica e teórica imensa, um enorme senso de responsabilidade e também grandes amigos. Quanto tempo eu compartilhei com eles: fosse na UTFPR, fosse devorando um sanduíche do Djalma ou X-Montanha. Quando decidi cursar Engenharia Mecânica não tive dúvidas de que seria na UTFPR. E assim continuo aqui, agora usufruindo também das novas instalações da Sede Ecoville. Fico feliz em poder acompanhar o crescimento da Universidade, mas com um aperto no coração ao ler as notícias sobre o possível fechamento dos cursos técnicos, que já mudaram a vida de tantas pessoas: a do meu pai, a minha e de todos os que tiveram contato de alguma forma com a UTFPR.”

Atendimento para todos os públicos

UTFPR hoje é sinônimo principalmente de ensino, pesquisa e extensão, pilares do ensino superior. Mas no início, ainda como Escola de Aprendizes Artífices, em 1910, recebia em prédio da Praça Carlos Gomes meninos de famílias mais vulneráveis socialmente. Durante as manhãs, eles cursavam o antigo primário, à tarde aprendiam ofícios nas áreas de alfaiataria, sapataria, marcenaria e serralheria. Em 1937, já com a sede na Avenida Sete de Setembro, a escola passou a oferecer o ensino de 1º grau, se tornando Liceu Industrial do Paraná.

No ano de 1942 o ensino foi dividido em dois ciclos: o ensino industrial básico, o de mestria e o artesanal no primeiro ciclo, e no segundo, o técnico e o pedagógico. Já como Escola Técnica de Curitiba, em 1943 tiveram início os primeiros cursos técnicos: Construção de Máquinas e Motores, Edificações, Desenho Técnico e Decoração de Interiores. Como Escola Técnica Federal do Paraná, em 1974 foram implantados os primeiros cursos de curta duração de Engenharia de Operação (Construção Civil e Elétrica).

Quatro anos depois, em 1978, o então Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (Cefet-PR) passou a ministrar cursos de graduação e 12 anos depois teve sua expansão para o interior do Paraná. Foi em 2005 que o Cefet-PR passou a ser a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e está em processo de fechamento dos cursos técnicos de nível médio para avançar como instituição de graduação e pós-graduação.

Formação implacável

Wilson Picler, presidente do Grupo Uninter, ex-aluno de Eletrônica

“Morávamos em Maringá e um dia um freguês viu que eu e meu irmão estávamos na oficina mecânica de meu pai e deu a dica para que buscássemos uma escola em Curitiba, que era gratuita e federal. Meu pai pegou um ônibus e veio conhecer a escola e logo eu já estava estudando para a Escola de Cadetes da Aeronáutica, em Barbacena, e para o Cefet. Fiz o teste de seleção para o Cefet no Ginásio de Esportes do Tarumã, era bastante concorrido, com candidatos do estado todo. Passei sem ter ideia do nível de dificuldade da escola. Para língua portuguesa, por exemplo, se tivesse cinco erros de português, já reprovava. E eram duas provas por semestre, muitas vezes os alunos tinham de refazer a matéria, nos cursos de férias.

Fazíamos palestras com frequência também e isso era bom, pois desenvolvia no cidadão a habilidade da comunicação. O aluno passava o dia todo lá, estudava e saía com fluência em inglês, participava de fanfarra, banda, praticava muito esporte, era muitas atividades.

Era década de 1980 e saíamos que estudávamos em uma das melhoras da América, incluindo Estados Unidos e Canadá. Como o Cefet era muito puxado e exigente, forçava o adolescente a desenvolver raciocínios complexos desde cedo, um exercício que é determinante para a capacidade futura da pessoa, preparando para desenvolver uma profissão de ciências, engenharias, que lidam com coisas complexas.”

Coturno e marlboro vermelho

Yeda Cruz, administradora de empresas, ex-aluna do curso Técnico em Edificações

“É indiscutível que o Cefet foi a melhor fase da época de estudante, tenho 37 anos e ainda tenho o guarda-pó bege, da época de ingresso, 1994. E não há como esquecer a coxinha do Djalma do Shopping Sete, onde a galera se encontrava na hora do intervalo para conversar. Foi no Cefet onde aprendi a curtir ainda mais rock, muitos metaleiros, cabeludos, geração que usou coturno e fumou marlboro vermelho. Essa geração também protestou, fez passeata, principalmente contra um tal governo dessa época dos anos 90. E como não lembrar do Cefespato realizada na chácara em São José dos Pinhais , para mim uma festa um tanto não convencional. Fui em duas edições, era uma reunião imensa da comunidade cefetiana, onde praticavam esportes, jogos, música, gincana e, claro, sempre uma cervejinha para acompanhar. Com certeza muita gente boa que está espalhada por aí estudou no Cefet-PR.”

Virou estudante, já está empregado

Fabio Amaral, empresário, ex-aluno de Engenharia Industrial Eletrotécnica

“Infelizmente vemos que há uma lacuna entre a situação acadêmica e a vida profissional, mas no Cefet-PR essa lacuna era muito pequena, pois a maioria dos alunos já trabalhava na área, como meu caso, que estudei de 1995 a 1999. Em comum havia o comprometimento, o rigor dos professores e o nível de cobrança era muito alto. Não era por que o curso era à noite que deixavam mais livre a turma. Tinha matérias que o aluno tinha de fazer de duas a três vezes para passar, sem alívio. Por isso o nome Cefet abre muitas portas, quando alguém se forma não é só mais um engenheiro, é um engenheiro do Cefet, e nos processos de seleção de estágio a gente tinha certa preferência, acredito que ainda tenha. Aqui na minha empresa, por exemplo, tenho oito engenheiros, os oito começaram como estagiários e todos vieram do Cefet.”

Arquivo pessoal

Médio com pé na iniciação científica

Giovane Negrini, ex-aluno do ensino médio técnico integrado em Mecânica do Campus Cornélio Procópio e atual aluno de Engenharia da Computação no Campus Curitiba

“Entrei na UTFPR em 2008 como aluno do ensino médio técnico integrado em Mecânica no Campus Cornélio Procópio, e hoje sou aluno de Engenharia da Computação no Campus Curitiba. Estudar na UT desde o ensino médio foi uma experiência muito diferente da dos meus amigos de outras escolas públicas e particulares.

O técnico durou 4 anos, a qualidade foi muito boa e naturalmente com um foco em exatas: tivemos apenas 2 anos de história e geografia e 4 de matemática. Uma coisa interessante é que os professores de física, matemática e das matérias técnicas eram em geral os mesmos das engenharias, a maioria mestres e alguns doutores.

Como o perfil de universidade é orientado pra ensino, pesquisa e extensão, haviam bastante atividades que podíamos participar e no terceiro ano fui chamado para fazer iniciação científica júnior em robótica educacional, num projeto que envolvia alunos do técnico, graduação e mestrado. Além de desenvolver e analisar atividades pra ensinar matemática com kits de robótica, eu e outros alunos do técnico fomos pra competição brasileira de robótica, em que ficamos em segundo lugar na categoria dança de robôs e classificamos para competição mundial no México.

Hoje, como aluno de engenharia, acho que ainda temos bastante a aprender como universidade. Por ser especializada em tecnologia e ainda muito nova, há um perfil muito homogêneo de alunos e professores na UTFPR. Acho que ainda há poucos eventos, pouca integração e pouco engajamento politico e social dos alunos. Por isso, acho que o técnico e os (ainda poucos) cursos que não são de exatas têm muito a contribuir com o amadurecimento da instituição.”

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