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Homeschooling / Educação Domiciliar no Brasil
O homeschooling ainda não é regulamentado no Brasil.| Foto: Bigstock

A educação domiciliar teve uma vitória com a regulamentação da modalidade no município de Cascavel (PR). A promulgação da lei sobre o homeschooling na cidade paranaense trouxe esperança a 11 mil famílias que, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), optam por ensinar seus filhos em casa, sem matriculá-los em escolas.

Essa conquista, porém, ainda é considerada frágil enquanto a regulamentação não for aprovada pelo Congresso Nacional. A lei municipal pode ser contestada no Supremo Tribunal Federal, que já se posicionou, em 2018, sobre a necessidade de uma legislação de âmbito nacional sobre o tema.

Atualmente existem sete projetos de lei na Câmara dos Deputados e dois no Senado que tratam da regulamentação da educação domiciliar. Na Câmara, a proposta mais antiga é o PL 3.179/2012, de autoria do deputado Lincoln Portela (PL-MG). A esse foram apensadas seis propostas semelhantes: o PL 3.261/2015, de autoria do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP); o PL 10.185/2018, do deputado Alan Rick (DEM-AC); o PL 5.852/2019, do deputado Pastor Eurico (Patriotas-PE); o PL 3.262/2019, da deputada Chris Tonietto (PSL-RJ); o PL 6.188/2019, do deputado Geninho Zuliani (DEM-SP); e, por fim, uma proposta do Poder Executivo – o PL 2.401/2019.

Em dezembro de 2019, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, criou uma comissão especial para analisar todos os projetos sobre homeschooling. Ela deveria ter sido instalada em março deste ano, porém, com a suspensão das sessões presenciais em decorrência da pandemia do novo coronavírus, a comissão ainda não iniciou suas atividades, embora já conte com o número mínimo de membros para funcionar.

Paralelo a isso, em julho, o deputado Vitor Hugo (PSL-GO) apresentou um requerimento de urgência para acelerar a tramitação do PL apresentado pelo governo, o que permitiria à proposta ir a plenário sem passar pela comissão especial.

Já no Senado, as duas propostas são de autoria do atual líder do governo na Casa, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Apesar dos projetos tratarem da educação domiciliar, um deles (PLS 490/2017) aborda a regulamentação propriamente dita e o outro (PLS 28/2018) propõe uma alteração no Código Penal definindo que o homeschooling não pode ser caracterizado como abandono intelectual. Enquanto a primeira proposição está na Comissão de Direitos Humanos desde outubro de 2019, a segunda aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça da Casa desde setembro do ano passado.

De maneira geral, as propostas que tramitam nas duas casas legislativas abordam a mudança na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LB), incluindo nesta a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica; a alteração no Código Penal definindo que a educação domiciliar não configura crime de abandono intelectual; e a mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevendo que os pais podem optar por matricular seus filhos na rede regular de ensino ou educá-los em casa. Entretanto, as propostas abordam definições complementares, como hipóteses específicas em que os pais podem perder o direito ao homeschooling em determinadas circunstâncias, e preveem formas de avaliação para estudantes em educação domiciliar.

Em termos gerais, como há diferentes propostas legislativas, mas com temática semelhante, o projeto que “andar” primeiro é o que guiará toda a discussão. Segundo fontes da Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling consultadas pela Gazeta do Povo, três pontos apontam para um momento favorável à aprovação da modalidade: 1) o tema ser considerado uma prioridade pelo governo; 2) a não obstrução por parte de Rodrigo Maia quanto ao assunto; 3) adesão de grande parte de parlamentares.

Para o deputado federal Lincoln Portela (PL-MG) – autor do PL 3.179/2012, proposta mais antiga sobre o homeschooling em tramitação no Congresso Nacional – há condições favoráveis à aprovação da modalidade. “Creio que a aprovação da educação domiciliar está mais próxima, principalmente vindo a plenário em caráter de urgência. Se não pudermos votar neste ano, principalmente porque há assuntos prioritários relacionados à Covid e à economia, acredito que votaremos isso no início do ano [de 2021]”, declara. “Se votássemos agora, teríamos grandes chances de aprovar; já há um número considerável de parlamentares que é favorável”.

Como funciona a educação domiciliar

O homeschooling é uma modalidade de ensino “da mesma forma que a educação escolar e o ensino a distância”, aponta o coordenador nacional da Aned, Rick Dias. A prática baseia-se num sistema de ensino personalizado para o aluno, que encontra referências nos conteúdos curriculares definidos pelas redes de ensino e que direciona o estudante ao “aprender a aprender”. Na educação domiciliar, os pais conduzem os filhos ao autodidatismo e podem recorrer a ferramentas variadas, como videoaulas, plataformas de ensino, materiais de apoio, aplicativos, auxílio de professores particulares, entre outros.

“Na educação domiciliar, os pais não se tornam professores dos filhos: eles se tornam facilitadores, protagonistas na condução do processo educacional”, explica Carlos Xavier, mestre em Direito, procurador do estado do Paraná, membro da Aned e autor de um livro sobre o tema. “O autodidatismo é o princípio pelo qual o pai e a mãe se tornam educadores. A educação domiciliar é primeiro para os pais. Eles precisam passar por um processo de autoeducação para atender as necessidades dos filhos”, explica.

Quanto à obtenção dos certificados de conclusão do ensino fundamental e médio por parte dos alunos que são educados em casa, o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) tem sido usado como ferramenta para avaliar os conhecimentos dos estudantes e permitir que prossigam os estudos. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o Encceja “avalia competências, habilidades e saberes adquiridos no processo escolar ou nos processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, entre outros”.

Quando à socialização – um dos elementos que mais causam dúvidas aos críticos da modalidade –, Xavier afirma que o processo de convivência é bastante rico, já que as famílias educadoras costumam se dedicar bastante a isso. “Há grupos de apoio com famílias que se encontram periodicamente e existem comunidades que vão se encontrar para desenvolver atividades em conjunto”, aponta.

“Quanto mais famílias educadoras há numa cidade, mais atividades elas fazem juntas, como levar os estudantes a museus, parques, praticar esportes, danças, entre outros. Na escola várias dessas atividades são vistas como extracurriculares, porém, na educação domiciliar fazem parte do programa educacional”, ressalta.

De acordo com dados da National Home Education Research Institute (Nheri), o homeschooling é reconhecido, permitido ou regulamentado em mais de 60 países. Os Estados Unidos, que contam com 2,5 milhões de estudantes na modalidade, são a nação com o maior número de adeptos. Na América do Sul, a educação domiciliar é regulamentada na Colômbia, no Chile, no Equador e no Paraguai.

No Brasil, apesar de a modalidade não ser regulamentada, o tema tem despertado cada vez mais interesse, de acordo com Dias, sobretudo com a pandemia do novo coronavírus. Em sua opinião, o isolamento social contribuiu para aumentar a atenção de muitas famílias em relação à educação domiciliar.

Segundo pesquisa feita pela Aned em 2017, com 312 famílias que mantinham seus filhos na escola, 44% (137) consideravam a possibilidade de optar pela educação domiciliar. De acordo com outra pesquisa da entidade, feita em 2018 com 1.209 famílias que afirmaram ser simpatizantes ou entusiastas da modalidade, mas ainda mantinham os filhos na escola, 68% (821) declararam que deverão optar algum dia pela educação domiciliar, enquanto 41% (500) aguardavam uma regulamentação para que pudessem decidir pelo homeschooling.

Experiências com o homeschooling

A experiência de Dias e dos filhos Lorena e Guilherme (atualmente com 22 e 19 anos, respectivamente) é positiva. Ambos concluíram os estudos em casa e atualmente estão cursando faculdade.

Enquanto Lorena deixou as salas de aula com 11 anos, Guilherme teve contato com o homeschooling pela primeira vez aos nove. O motivo, conta Dias, é que os pais não estavam satisfeitos com a instrução dada na escola. “Conversando com outros pais, descobri que havia outras famílias insatisfeitas quanto ao que os filhos iriam receber: padrão massificado de aprendizagem, crianças com leitura muito ruim e numa tendência ao analfabetismo funcional”.

Lorena, aliás, foi a primeira estudante homeschooling do Brasil a ganhar na justiça o direito de entrar numa faculdade, ainda com 16 anos, já que havia sido aprovada no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e em duas universidades de Brasília.

Karlo André Bailon, de Roraima, também teve uma história positiva com a educação familiar; conseguiu seu diploma de conclusão do ensino médio por meio do Encceja e, no início de 2018, foi aprovado na Universidade Federal de Roraima com a primeira colocação geral no curso em Medicina.

Já Máli Godoy, de Minas Gerais, estuda em casa desde o início do ensino fundamental II. A estudante conta que tinha grandes dificuldades com a língua portuguesa e teve um aprendizado tão satisfatório da disciplina estudando em casa que, em 2015, decidiu se aventurar como escritora. Escreveu uma trilogia de aventuras que despertou o interesse de uma editora e acabou publicada.

Xavier, entretanto, pontua que educar os filhos em casa é uma atividade que exige uma grande organização da família, além de sacrifícios, uma vez que muitas vezes os pais acabam abrindo mão de ganhos profissionais para poderem se dedicar melhor à orientação dos filhos.

“A educação familiar vai demandar tempo dos pais, porque por mais que o foco seja desenvolver o autodidatismo, eles estão diretamente envolvidos, seja no planejamento, no auxílio aos filhos ou levando às atividades”, explica. “Não é uma escolha a ser feita levianamente. É preciso fazer o cálculo de custos [do ponto de vista] financeiro e pessoal que as famílias terão”, destaca.

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