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Iniciativas em escolas no Brasil mostram que o latim não está morto
| Foto: Unsplash / Reprodução

Cinquenta e sete anos depois de serem retirados dos currículos escolares, o latim e o grego ensaiam uma volta, embora tímida. Até a primeira Lei de Diretrizes Básicas, que entrou em vigor em 1962, o ensino das línguas clássicas era compulsório no ensino básico. Desde então, sem a obrigatoriedade, ele praticamente desapareceu dos currículos escolares. Praticamente, mas não por completo.

Em uma escola pública da capital paulista, por exemplo, as línguas – tidas como “mortas” – podem ser ouvidas semanalmente. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima, na região do Butantã, o latim é oferecido para os alunos do 4º ano; o grego antigo, para estudantes do 7º ano.

A iniciativa, batizada de Projeto Minimum, partiu de professores e alunos do Departamento de Letras Clássicas da Universidade de São Paulo e teve início em 2013. A parceria com a escola ainda inclui aulas de arqueologia e filosofia antiga para alunos do 8º ano. Ao todo, o programa contempla 280 alunos.

Mas qual seria a relevância do latim e o grego antigo em 2019?

Desafio: aumentar a qualidade do ensino

Os defensores do ensino das línguas clássicas costumam enfatizar o fato de o latim e o grego terem tido grande influência sobre a formação do vocábulo português. Ou seja: dominá-las melhora a qualidade da expressão verbal, escrita e falada.

Além disso, o conhecimento dessas línguas abre portas para os estudos de autores da Antiguidade ou da Idade Média que escreveram em grego ou latim. É uma lista extensa que inclui, claro, Sócrates, Platão, Aristóteles, Sêneca e Júlio César, mas também figuras como o reformador protestante Martinho Lutero.

“Aprender qualquer língua é relevante, mas o aprendizado do grego e do latim dá aos alunos acesso a uma parte significativa da nossa herança linguística e cultural, que tem origem nas civilizações da Antiguidade Clássica”, diz a professora Paula da Cunha Corrêa, coordenadora do projeto. Para ela, essas duas línguas não podem ser chamadas de mortas. “São apenas não faladas”, afirma.

Em um país que ainda sofre para alfabetizar seus estudantes na idade adequada, o ensino de línguas antigas pode ser um grande desafio. “Os alunos do ensino fundamental geralmente não têm o conhecimento metalinguístico, não conhecem a terminologia gramatical nem as funções das categorias linguísticas. Muitos também não dominam a norma culta. Mas os métodos empregados já oferecem uma introdução básica à terminologia e às funções das categorias linguísticas”, explica a professora Paula.

Em anos anteriores, o Minimum também teve uma parceria com duas escolas particulares da capital paulista. Projetos semelhantes têm sido implementados em outras cidades, como Porto Alegre (em parceria com a UFRGS) e Rio de Janeiro (UFRJ). Ainda assim, a oferta dessas disciplinas é extremamente reduzida. Por isso, alguns pais têm optado por matricular os filhos em cursos online de línguas clássicas.

O Instituto Angelicum, sediado no Rio de Janeiro, oferece desde 2016 um curso de latim específico para crianças. Mais de 200 alunos já passaram pela plataforma, que é 100% digital. As aulas são em vídeo, com duração aproximada de trinta minutos.

Ércio Silva, morador de Vitória (ES), matriculou os dois filhos gêmeos, de dez anos, no curso. Ele cita algumas das vantagens que enxerga no estudo do latim: “Serve para a vida toda. Ajuda a desenvolver o raciocínio e facilita o aprendizado de italiano, espanhol e do próprio português, já que permite uma compreensão da raiz das palavras e dos seus significados”, afirma.

Professor do curso, William Bottazzini acredita que as chamadas línguas “mortas” oferecem outra vantagem em relação às demais: a imutabilidade. “Isso representa uma grande vantagem para quem o estuda. As regras da língua já estão cristalizadas no tempo e não sofrem mudanças, ao contrário das línguas vivas, cujas transformações fazem com que um texto produzido em uma época seja ininteligível em outra”.

A predileção pelo latim e pelo grego também costuma aparecer em currículos de homeschooling (ensino doméstico). Elas fazem parte de um pacote mais amplo, geralmente chamado de “educação clássica”. Aprender latim e grego é, também, uma forma de resistência aos métodos pedagógicos modernos. “Uma das grandes preocupações dos pais atualmente é como atuar para que a formação intelectual dos filhos não seja afetada pelos problemas da nossa educação”, diz Bottazzini.

Apesar das iniciativas, a discussão sobre a retomada do ensino das línguas clássicas nas escolas brasileiras não parece ter chegado à esfera governamental. Enquanto isso, na Europa, onde o latim ainda está presente, geralmente de forma optativa, nos bancos escolares, alguns países discutem ampliar a oferta das línguas clássicas.

Na França, mais de 10% dos alunos do ensino básico cursam latim (e cerca de 1% aprendem o grego). O atual ministro da Educação francês, Jean Michel Blanquer, tem defendido a ampliação da oferta dessas disciplinas.

Em 2015, o governo português também iniciou um projeto para que as duas línguas clássicas, então restritas aos dois últimos anos do ensino médio, fossem oferecidas também nos anos iniciais.

A professora Paula defende que o latim volte a estar presente nas escolas, não necessariamente como disciplina obrigatória – como acontecia até 1962. “Na maioria das escolas, seria muito difícil acomodar o latim como matéria obrigatória. O mais viável seria oferecê-las como matérias eletivas ou extracurriculares”, sugere.

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