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Manifestação contra as mortes provocadas pelo governo de Daniel Ortega, na Nicarágua, em 8 julho de 2019.
Manifestação contra as mortes provocadas pelo governo de Daniel Ortega, na Nicarágua, em 8 julho de 2019. Foto: Inti Ocon | AFP.| Foto:

Segundo país mais pobre do Ocidente depois do Haiti, a Nicarágua apresenta um cenário deplorável quando o assunto é educação. E os conflitos causados pelo ditador Daniel Ortega só pioram esse cenário. Não só a taxa de alfabetização é baixa para os padrões atuais (82,5% dos adultos sabem ler e escrever), como os professores são mal treinados e mal pagos e as escolas, abarrotadas e sem o mínimo de infraestrutura.

Mais de 40 crianças se acumulam em salas onde, muitas vezes, faltam lugares para sentar. Os livros didáticos são defasados e distribuídos em quantidades insuficientes e a rede de ensino mal chega ao interior, onde é muito mais comum os adolescentes trabalharem do que estudarem.

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Trata-se de um país de população jovem expressiva: 1,805 milhão de pessoas têm menos de 14 anos. Nas escolas do interior, apenas um terço dos alunos termina os seis anos de ensino fundamental. Do total de adolescentes do país, metade não está na escola. Dos que começam o ensino médio, 40% não termina.

E boa parte de quem chega à faculdade não domina os conhecimentos básicos de matemática – no teste de admissão para a Universidade Nacional de Engenharia, em 2013, apenas 136 dos 2.400 candidatos obtiveram a nota mínima. Na Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua, a situação foi ainda mais dramática: 270 aprovados, entre 11.600 candidatos.

Tentativa frustrada

Depois de viver sob ditadura entre 1927 e 1979, a Nicarágua atravessou os anos 1980 sob governo sandinista. Nos anos 1990, chegou ao poder Violeta Chamorro, a primeira mulher eleita presidente nas Américas. Em 2007, mais uma vez, o poder trocou de mãos – desde então, o presidente é Daniel Ortega, que já havia governado entre 1985 e 1990, tinha sido derrotado nos pleitos de 1990, 1996 e 2001 e agora não parece disposto a abrir mão do cargo. A vice-presidente é sua esposa, Rosario Murillo, e seus filhos ocupam cargos de destaque no governo.

Sua gestão é marcada pelas mudanças constitucionais que garantem sua permanência no poder e pelas ações brutais da polícia contra manifestações populares. No episódio mais recente, em abril de 2018 as forças armadas deixaram um saldo de mais de 300 mortos entre as pessoas que foram às ruas para reagir a uma reforma da previdência decretada sem negociação com o poder Legislativo. Nas eleições gerais de 2016, a presença de observadores internacionais foi barrada. Em janeiro de 2019, o jornalista investigativo Carlos Fernando Chamorro, um dos mais populares do país, seguiu para o exílio na Costa Rica.

Ao longo dos anos 1980 a 2010, o país raramente gastou mais do que 3% de seu Produto Interno Bruto em educação – na década atual, o percentual gira em torno dos 4% (o Brasil, por exemplo, investe 6,2%). O ensino não chega às regiões mais pobres e isoladas e, do ano letivo de 200 dias, ao menos 30 são ocupados por marchas e eventos de teor patriótico.

Os sandinistas tentaram renovar o sistema de ensino do país. Realizaram, na década de 1980, um esforço semelhante ao promovido por Cuba em 1961: enviaram 85.000 jovens profissionais para o interior, a fim de realizar um esforço massivo de alfabetização. Na época, os livros didáticos foram alterados para incluir conteúdos de louvor ao governo e aos ícones cubanos e soviéticos, e o governo fez um esforço para mudar os cursos universitários, focando em faculdades com utilidade prática para a nação, como pedagogia, agronomia, medicina e engenharia.

Funcionou, em parte. O número de crianças matriculadas em escolas triplicou e os indicadores de alfabetização melhoraram: de 50% de analfabetos no início da década, eram 23% dez anos depois. Mas o crescimento populacional acelerado, aliado à falta de investimentos contínuos, reduziu o impacto do esforço. Além disso, a formação de professores nunca recebeu a atenção devida – ainda hoje, no país, o salário médio é equivalente a cerca de US$ 200 mensais, menos do que ganham os trabalhadores do setor da construção civil.

Demissão em massa

Em 2012, o governo lançou um fundo para conceder bolsas para mais de 200 mil crianças que não frequentam à escola. Mas muitas vezes as vagas nem sequer são preenchidas, porque para receber as bolsas as famílias precisam abrir contas bancárias, e os bancos locais exigem depósitos iniciais na casa do equivalente a US$ 600, um valor que boa parte da população não possui.

Enquanto isso, na parcela mais rica e urbanizada da população, a educação é baseada em escolas particulares de ensino fundamental e médio. A fim de garantir o ensino universitário de qualidade, as famílias enviam os filhos para o exterior. Entre os estudantes universitários do país, a oposição sobre o presidente Ortega vem crescendo – foi o ambiente acadêmico que liderou várias das principais manifestações de 2018 e, em reação, mais de 40 professores e funcionários, além de mais de 80 alunos, foram expulsos da Universidade Nacional. Com a medida, uma das mais tradicionais instituições de ensino do país, que já sofria com restrições orçamentárias, agora precisa lidar com a falta de pessoal.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a pobreza mantém pelo menos 500 mil crianças de 3 a 17 anos longe da escola. O próprio governo local produziu uma estimativa, em 2005, de que 240 mil crianças não estudavam e eram submetidas ao trabalho infantil. A atual situação política do país indica que nada disso vá mudar tão cedo.

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