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| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

A geração que hoje chega às escolas brasileiras desconhece o mundo offline. Os chamados “nativos digitais” muitas vezes passam o dia lendo na tela de um dispositivo eletrônico, mas não têm vontade de abrir um livro. Despertar o interesse pela literatura nestes jovens é um desafio para os educadores. Uma solução popular é a proibição de celulares em sala de aula. Mas há quem aposte que as novas tecnologias podem ser aliadas da escrita mais tradicional. Para isso, é preciso dar o braço a torcer e reconhecer que a linguagem que surge da internet também tem o seu valor.

No último ano letivo, os alunos de 5.º ano do Colégio Nossa Senhora do Rosário tiraram um semestre inteiro para escrever um livro. Três histórias redigidas por autores de renome da literatura infantil foram disponibilizadas na web. Ficou a cargo das crianças, de 9 a 11 anos de idade, terminar os textos. “A tecnologia é importante, porque é uma ferramenta com a qual o aluno simpatiza”, conta a professora Danielle Lago, que coordenou o projeto, chamado “Oficina de Texto”. É uma forma de trabalhar a escrita formal, mas em ambiente digital.

Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Com duas décadas de experiência na produção de texto, Lago viu a escola se adaptar aos dispositivos eletrônicos, em especial nos últimos dez anos, com a inserção dos smartphones. “No começo, a preocupação era de que os alunos iam ficar muito na internet e esquecer como escreve na língua portuguesa padrão. E isso não aconteceu”, conta.

Ao final do semestre, as historinhas foram impressas. Cada aluno ganhou um livro com sua obra e o nome do autor – o do próprio estudante – e do coautor – os autores Ziraldo, Luis Fernando Veríssimo e Ilan Brenman. O projeto foi formatado pela plataforma Educacional, da Positivo Informática, e utilizado por mais de 84 mil estudantes do país todo, em 2015. “É engraçado, porque o aluno de quinto ano gosta de tecnologia, mas o encantamento do papel, do livro, é muito maior”, conta a professora Danielle. A ansiedade por ver todas aquelas palavras digitadas serem transformadas em um livro físico funcionou como principal motivador para as crianças completarem a tarefa.

“Lá e de volta outra vez”

Então computadores não são os grandes vilões da literatura. O que não significa que os eletrônicos estão liberados sem regra. Psicólogo por formação e autor de mais de 60 livros infantis, Ilan Brenman acredita que o segredo está no tempo: assim como a escola define o espaço de cada instrumento, os pais devem determinar quando é hora de jogar ou teclar.

“Excluir a tecnologia é uma coisa maluca”, resume Brenman, que lembra que o próprio livro foi uma invenção tecnológica. Mas quando uma criança fica muitas horas só em frente ao computador, perde em sociabilidade, seu repertório fica menor.

O autor brinca que o mundo virtual é como o surfe: o sujeito fica em cima da onda, sente o vento, a adrenalina; quando cai, vai outra onda e assim sucessivamente. O livro de papel é como o mergulho, e quem rompe a superfície da água descobre um mundo vasto, belo e silencioso. O segredo é dividir o tempo entre as duas experiências.

Linguagem da internet

Além de ser uma nova maneira de circular velhos conteúdos, a internet cria sua própria linguagem. Além das abreviaturas e emoticons, especialistas apontam uma forma de pensar própria da web, mais direta e fragmentada. Aceitar que esta linguagem também é válida é importante na hora de estabelecer diálogo com os pequenos.

“É uma mudança de conceito, uma literatura fragmentada e com fontes diversificadas. [Aceitar isso é] empoderar o aluno em sala de aula”, defende a coordenadora do projeto Ler e Pensar, do Instituto GRPcom, Fernanda Cotrim. É o que explica o sucesso de vendas de YouTubers nas livrarias. É a linguagem da internet chegando ao livro impresso.

Desafio é cultural

Pesquisa da Fundação Lemann de 2015 sobre a percepção que os professores brasileiros têm da sala de aula questionou os profissionais a respeito de quais medidas de inovação na área da educação seriam benéficas para suas escolas. A maioria (92%) apontou que é preciso disponibilizar tanto materiais didáticos digitais de qualidade, quanto investir em formar os professores para o uso da tecnologia aplicada ao ensino. Já a sugestão de aulas mais flexíveis, com acompanhamento individualizado do professor ao aluno, apoiado em tecnologias, não teve tanto sucesso. Ficou em quarto e último lugar no ranking de inovação mais bem vista dentro da escola, com 81% de aprovação. Outros 4% consideraram que a aula flexibilizada, além de não ajudar, atrapalha o ensino.

Coordenadora do projeto Ler e Pensar, do Instituto GRPCom, Fernanda Cotrim acredita que a questão cultural é um entrave tão grande ou até maior do que a falta de infraestrutura nas escolas, na hora de inserir a tecnologia como aliada da leitura. O projeto surgiu em 1999, com intuito de utilizar o jornal impresso em projetos escolares, para incentivar uma formação cidadã. Hoje, muitas escolas fazem a transição para trabalhar também com o online. “Mas ainda é preciso trabalhar a cultura que muitas vezes opõe leitura a tecnologia, como se a tecnologia espantasse o desejo e o hábito de ler nos jovens de hoje. E na verdade não, é uma leitura que só muda de conceito”, avalia Cotrim.

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