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 | Robson Vilalba/Thapcom.
| Foto: Robson Vilalba/Thapcom.

Apesar de caracterizado como crime, o plágio é uma realidade no mundo acadêmico, sobretudo por conta da difusão científica proporcionada pela internet e pela falta de planejamento de alunos durante a pesquisa.

Incidências recentes da prática levaram universidades e fundações brasileiras de pesquisa a tomar iniciativas de combate ao crime, como a criação de comitês de integridade acadêmica e instituição de códigos internos. 

Na Fundação de Amparo a Pesquisa de São Paulo (Fapesp), por exemplo, desde 2011 - quando foi publicado o código de boas práticas da entidade -, houve o recebimento de 41 alegações de plágio. Em 18 casos, os denunciados foram declarados responsáveis pela má conduta. Em outros 11, a investigação apontou a inexistência da prática. Atualmente, estão em andamento 12 apurações de suspeitas de reproduções sem os créditos do autor original. 

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Para o diretor relator da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), Benny Spiewak, se a internet por um lado ajudou a dar publicidade às pesquisas, por outro também “ampliou o impacto de práticas negativas, como o plágio”. 

De forma simples, na avaliação da ABPI, “o plágio consiste na reprodução da obra de terceiro, sem autorização e em trechos superiores aos permitidos legalmente”. Para Spiewak, a forma mais eficaz de evitar o plágio é citar a fonte, com emprego de aspas ou sinalização específica do autor original. 

O professor doutor e membro do Comitê de Boas Práticas da Universidade de São Paulo Hamilton Varela frisa que a internet, de fato, facilitou o acesso a diversos estudos pelo mundo. “o ato de se apropriar de um conteúdo de terceiros é uma atitude pessoal. São várias as possíveis razões, estudos indicam, por exemplo, a pressão por prazos, pressão por sucesso, falta de conhecimento das regras, entre outros. Vale salientar que o plágio é apenas uma das possíveis formas de má conduta científica”, pontuou. 

O mesmo entendimento é do doutor em Educação e autor de dois livros sobre plágios na academia, Marcelo Krokoscz. Ele aponta que a má conduta tem influência da falta de planejamento do aluno na condução de seus trabalhos científicos e dificuldade na adequação à linguagem acadêmica. 

“Nos casos em que o plágio é feito intencionalmente, os motivos mais frequentes são falta de tempo para realizar os trabalhos solicitados, interesse em obter melhores resultados acadêmicos e também dificuldade para a escrita científica”, indicou. 

Medidas de combate ao plágio 

O debate em torno de más condutas nas universidades brasileiras é relativamente recente. Em outros países, as boas práticas na condução de pesquisas se mostram mais consolidadas. 

Em um estudo realizado por Marcelo Krokoscz com as três melhores universidades de cada continente mostrou em que, em 2011, códigos de boas práticas eram comuns nas instituições estrangeiras, enquanto no Brasil, muitas à época ainda não faziam menções oficiais de instrução aos seus estudantes e pesquisadores nos sites que mantinham. 

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No Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) nos Estados Unidos, uma página na internet é dedicada à integridade acadêmica, com variado material de esclarecimento para o aluno quanto ao trabalho universitário: hábitos de estudos, conceitos relacionados ao plágio, orientações quanto ao uso de fontes, exemplos de violações, etc. 

No caso da Universidade de Harvard, a orientação acadêmica sobre boas práticas é considerada uma das mais antigas iniciativas do tipo no mundo acadêmico, através do “Writing Program”, de 1872. Na prática, o programa é um curso destinado à comunidade universitária sobre as exigências de redação científicas, além de prestar consultoria pedagógica de escrita. 

Apesar de todo esse suporte, nem a Universidade de Harvard está ilesa da incidência de plágios. Dados da própria instituição revelam que em média 17 alunos são afastados por causa de má conduta científica todos os anos. O número, no entanto, é considerado ínfimo pela entidade em comparação com o universo de 21 mil alunos. 

O caso mais recente de plágio tornado público em Harvard ocorreu em 2013, quando 125 alunos foram afastados ao mesmo tempo da Faculdade de Artes e Ciências. A punição se deu após a constatação de que todos os investigados marcaram as mesmas respostas em um dos exames da instituição. 

Um dos itens do manual de normas de Harvard dispõe que em caso de o aluno ser considerado culpado por plágio, uma nova candidatura para estudar na universidade só poderá acontecer após o acadêmico comprovar que trabalhou seis meses consecutivos num emprego não relacionado à instituição e fora do ambiente familiar. Um segundo afastamento pela mesma prática leva a expulsão definitiva da escola. 

O plágio nas universidades brasileiras 

Na trilha de medidas adotadas por universidades estrangeiras, Instituições de Ensino Superior (IESs) no Brasil também passaram a instituir normas internas como forma de coibir e punir práticas de plágio por alunos e professores. 

Uma das ações mais comuns aplicadas pelas universidades brasileiras se trata da criação de comitês científicos e de boas práticas, geralmente formados por representantes eleitos, com a responsabilidade de investigar denúncias de plágio, adotar medidas em caso de comprovação de culpa e nortear normas internas relacionadas ao caso. 

Além disso, fundações de amparo a pesquisas também seguiram o mesmo caminho e são pioneiras nessas iniciativas. É o caso da Fapesp, que tem desde 2011 o Código de Boas Práticas Científicas. 

“As instituições devem ter órgãos específicos para promover atividades educativas sobre todos os aspectos da ética em pesquisa, inclusive plágio. Todo termo de outorga de auxílios e bolsas contém uma cláusula que obriga os pesquisadores outorgados e suas instituições a respeitar o código”, informou Luiz Henrique Lopes dos Santos, membro da Coordenação Adjunta da Diretoria Científica da Fapesp e professor livre docente da USP. 

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Nas universidades, uma das que criaram comitês de boas práticas foi a Universidade Federal de Goiás (UFG). O colegiado, formado em 2015, tem a proposta de educar e informar estudantes sobre as condutas científicas. 

“Temos observado que a falta de informação é a maior causa de más condutas em nosso ambiente e, portanto, a forma mais eficaz da prevenção deve ser a da informação e da conscientização. Temos insistido, também, na importância do cuidado com a produção científica e recomendamos que o combate ao plágio seja um dos focos na correção de dissertações e teses, por exemplo, que os pesquisadores utilizem ferramentas, mesmo que gratuitas, para a verificação dos textos para que o plágio seja combatido”, comentou a professora doutora e presidente do Comitê de Integridade Acadêmica da UFG, Tatiana Martins. 

Um dos mais recentes comitês criados no Brasil é o da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em 2018. Outra tradicional instituição que elabora o seu próprio código de conduta é a Universidade de Campinas (Unicamp). Segundo o pró-reitor Munir Skaf, o combate às más práticas é pautado em campanhas frequentes de prevenção no âmbito da graduação e pós-graduação. 

“Há um conjunto de normas que estão na verdade espalhadas em diversos documentos. No entanto, tem havido um esforço por parte de todas as universidades para compor um documento único, a exemplo do que existe na Fapesp e em diversos centros de ensino e pesquisa no contexto mundial. Na Unicamp foi constituído um Grupo de Trabalho encarregado da elaboração desse material a partir da síntese e do agrupamento de normas e regimentos vigentes”, adiantou o pró-reitor. 

Na USP, a tecnologia é aliada contra a incidência de plágios. A universidade dispõe de um programa de computador que aponta no texto verificado eventuais similaridades com outras produções existentes em seu banco de dados. 

“Há diversas ferramentas que comparam os textos para identificar casos de plágio. Um exemplo interessante é o Turnitin, utilizado na USP, que gera relatório com o porcentual de similaridade de determinado texto em relação a uma extensa base de dados que incluem artigos e trabalhos acadêmicos e páginas da internet e trabalhos acadêmicos”, explicou Hamilton Varela, membro do Comitê de Boas Práticas da USP. 

O programa de computador utilizado pela USP é atualmente um dos mais usados nas universidades pelo mundo, presente atualmente em 18 mil instituições de ensino, em 140 países. No Brasil, além da Universidade de São Paulo, contam com a ferramenta a Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), Unicamp, Fundação Getúlio Vargas, PUC-Goiás e UFG. 

No software, é possível verificar se determinado texto é semelhante a outro existente no banco de dados do próprio aplicativo, que conta com 62 bilhões de páginas da internet, 697 milhões de trabalhos de alunos e 175 milhões de monografias, livros e artigos científicos publicados, incluindo 87% do conteúdo de pesquisa científica mais relevante do mundo. 

O último levantamento realizado pelo software no Brasil analisou todos os trabalhos submetidos na plataforma entre janeiro de 2005 e dezembro de 2016 e mostrou que eles em média apresentavam 50% de conteúdo similar às produções existentes nas bases de dados. 

“No Brasil, estamos presentes nas melhores instituições de ensino, mas nossa penetração ainda é baixa, pensando em um universo de mais de 2 mil universidades, pois muitas delas ainda acreditam que os professores podem ser capazes de identificar o estilo da escrita ou identificar possível plágio sem utilizar ferramentas, o que é humanamente impossível de se fazer em escala”, avaliou Mariana Rutigliano, gerente de marketing internacional da Turnitin. 

O que é considerado plágio? 

Imagine a seguinte situação: um aluno qualquer lê alguma obra e anota uma frase de determinado pesquisador em seu caderno e a utiliza apenas para cunho pessoal como reflexão. Esse ato, de acordo com especialistas, fundações e universidades ouvidos pela Gazeta do Povo, não é considerado um plágio. Agora, a partir do momento em que esse mesmo estudante usa as ideias contidas no texto ou até mesmo reproduz literalmente a frase do pesquisador em seu trabalho sem dar os devidos créditos, o plágio é configurado. 

Esse é apenas um simples exemplo do como o plágio pode ocorrer. A Associação Brasileira de Propriedade Intelectual orienta que a melhor maneira de evitar isso é citar o autor verdadeiro. Para a entidade, não é desprestígio no mundo acadêmico usar ideias de outro pesquisador como inspiração. É considerado má conduta utilizar reflexões de outra pessoa como se fossem suas. 

O Código de Boas Práticas Científicas da Fapesp define como plágio a utilização de “ideias ou formulações verbais, orais ou escritas de outrem sem dar-lhe por elas, expressa e claramente, o devido crédito, de modo a gerar razoavelmente a percepção de que sejam ideias ou formulações de autoria própria”. 

Para a Unifesp, é plagio quando um pesquisador “emprega palavras, ideias ou resultados de outro, passíveis de serem atribuídos a outro pesquisador ou fonte identificáveis, sem identificar o crédito da fonte de onde a informação foi obtida, com o objetivo de conseguir algum benefício, crédito ou ganho que não precisa ser necessariamente monetário”. 

O entendimento sobre plágio da Unifesp é basicamente alinhado ao da Universidade Federal de Goiás, que de forma genérica, considera má conduta a “apropriação indevida de textos, obras, resultados, comentários, ideias, em parte ou completos, que tenham sido produzidos por outrem e que o uso não tenha respeitado os direitos autorais”. 

“Não é plágio tudo aquilo que tiver permissão de uso e que estiver corretamente citado no produto em que foi usado”, considerou a presidente do Comitê de Integridade Acadêmica, professora doutora da UFG, Tatiana Martins. 

No meio acadêmico ainda é considerado plágio a reprodução sem crédito de trechos de obras em outro idioma – mesmo que traduzidos -, além do chamado autoplágio, que ocorre quando o pesquisador copia textos de sua própria autoria publicados anteriormente. Esses dois tipos de práticas resultaram em recentes acusações no meio político contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e o deputado estadual por São Paulo Gabriel Chalita. 

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“Há vários casos de plágio no meio acadêmico devido à reprodução de textos ou ideias de outros autores feita de forma indevida. É o caso público divulgado pela mídia do ministro Alexandre de Moraes. Mas também ocorre muito autoplágio, ou seja, a reprodução inapropriada de acordo com as convenções acadêmicas de trechos de publicações próprias realizadas previamente. Este foi o motivo da acusação de plágio ao deputado Gabriel Chalita”, lembrou o pesquisador Marcelo Krokoscz. 

Na visão de Krokoscz, não é considerado plágio “tudo aquilo que se refere ao conhecimento comum, isto é, qualquer pessoa pode escrever livremente sobre um assunto que é do conhecimento de uma área”, assim como fatos históricos e atuais. 

Punição por plágio 

Copiar trechos ou integralmente alguma obra sem informar os créditos é crime no Brasil. O ato está previsto no artigo 184 do Código Penal, com pena de detenção de três meses para casos de cópias parciais até quatro anos em comprovação de plágios na íntegra com finalidade de obtenção de lucro. 

Além do previsto criminalmente no Código Penal, universidades e fundações brasileiras têm autonomia para aplicar sanções administrativas. Isso ocorre após abertura de sindicâncias internas para apurar denuncias que geralmente chegam por ouvidorias de forma anônima. 

De acordo com a Fapesp, dependendo do grau de culpabilidade, as punições vão desde o envio de carta de repreensão, suspensão temporária para solicitar auxílios e bolsas até devolução dos recursos concedidos. 

No recém-criado Escritório de Integridade Acadêmica da Unifesp, a investigação ocorre às cegas. Isto é, o comitê apura se houve fraude sem saber da identificação dos autores envolvidos. As punições mais brandas na entidade são a repressão e perda do crédito da disciplina cursada ou título obtido com base no plágio. 

“Casos mais graves podem ser julgados pela Comissão Processante Permanente da universidade, com apoio jurídico da procuradoria da universidade e resultar na expulsão do discente ou na demissão do docente”, informou em nota a Unifesp. 

Na USP, um dos casos mais emblemáticos de demissão por plágio ocorreu em 2011, quando um farmacologista foi exonerado após constatação de que houve cópia sem a citação de créditos de uma tese de doutorado defendida na própria entidade. O caso se tratou da primeira demissão por plágio na instituição. O professor era líder de um grupo de pesquisadores que investigavam se uma substância isolada da jararaca seria útil contra o vírus da dengue. Apenas ele sofreu punição. 

Mais recentemente, em 2015, a Universidade de Brasília cassou o diploma de doutora de uma ex-aluna, que teria copiado trechos da uma tese da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesse caso, a acusada tentou na Justiça anular a decisão administrativa, mas perdeu recurso em segunda instância. 

Para Marcelo Krokoscz, a pena administrativa das universidades geralmente é de acordo com o nível de plágio confirmado na pesquisa. Segundo ele, a educação e conscientização ainda são os melhores caminhos para coibir a prática. 

“Entendo que a dosimetria da pena depende de alguns aspectos: o nível de formação do envolvido; a extensão do conteúdo plagiado, a modalidade e tipo de plágio realizado e a reincidência no cometimento do plágio. Além da formação ética, é preciso que se estabeleça pelas instituições de ensino o que é plágio, como evitar, o que acontece com quem cometer plágio. A ausência de regras torna a prática uma banalidade”, comentou Krokoscz, autor dos livros “Autoria e plágio: um guia para estudantes, professores, pesquisadores e editores” (2012) e “Outras Palavras Sobre Autoria e Plágio” (2015).

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