• Carregando...
 |
| Foto:

Sem culpa

"A crise de consciência é de quem encomenda meu trabalho, não minha"

Quem comercializa trabalhos acadêmicos parece não sofrer qualquer espécie de dilema ético. Consideram que aproveitaram um nicho de mercado e que estão contribuindo com os alunos. "Eu não sou uma criminosa. Eu sou uma redatora. As pessoas é que encomendam meus textos. Então, a crise de consciência é de quem encomenda meu trabalho, não minha", afirma uma professora.

Por outro lado, os clientes do mercado das monografias também parecem tranquilos. "Não sei até que ponto faria diferença à minha formação eu mesma ter feito o TCC. Eu aprendi ao longo do curso", justifica a ex-aluna de Pedagogia. "Acredito que em futuras pesquisas não seria ideal comprar novamente. Então penso que foi apenas dessa vez mesmo", avalia o ex-universitário de Direito.

Apesar da "consciência limpa", alguns professores evitam falar sobre o serviço prestado. Um anúncio na internet oferece "elaboração de Tcc, monografias, teses, projetos em diversas áreas e temas (sic)", mas, por telefone, a professora negou à reportagem que vendesse os trabalhos.

"É só no anúncio, porque para colocar como assessoria pedagógica, que é o serviço que eu faço, eu teria de ter um curso para isso", justifica. Posteriormente, no entanto, a reportagem tornou a ligar para a professora – dessa vez sem se identificar como jornalista – e ela aceitou produzir uma monografia a ser entregue em novembro, a preço a combinar.

Camuflagem

Outros professores se camuflam sob a prestação de serviços de revisão, formatação de trabalhos ou assessoria pedagógica. Dois profissionais chegaram a marcar hora para uma "reunião de orçamento", mas, quando souberam da reportagem, desconversaram. "Na verdade, eu só formato os trabalhos. Coloco de acordo com a ABNT", disse um deles.

Contexto

Falhas na formação impulsionam mercado

Na avaliação de professores que vendem os trabalhos, o mercado negro de monografias tem se sustentado principalmente com base em falhas das instituições de ensino na formação dos universitários. Para os profissionais, as faculdades pecam no ensino de disciplinas importantes, como metodologia científica, e na orientação aos alunos. E mais: as deficiências revelam que os universitários que procuram o serviço não estariam aptos a concluir o curso.

"Hoje se abre faculdade em tudo que é porta de esquina, mas não há preocupação com a qualidade do professor que vai dar aulas. Eu vejo coisas pavorosas. Os alunos não sabem fazer a monografia, mas não é só. Não sabem fazer um resumo, uma resenha, nada", disse uma professora que elabora trabalhos sob encomenda.

Outra pedagoga que também comercializa trabalhos acadêmicos destaca o baixo nível dos alunos, que cometem erros primários. Em uma lógica em que o ensino superior é tratado como mercadoria, o que interessa a eles é o diploma.

"Vejo muitos erros de português, erros de concordância. Há falta de iniciativa e de responsabilidade dos universitários. As falhas de formação são claras. Estão preocupados só em obter o diploma", avaliou.

Até mesmo trabalhos que já estavam em processo de elaboração pelos alunos, sob supervisão dos orientadores, apresentavam problemas formais. "Monografias que já tinham sido revisadas e orientadas chegam aqui um verdadeiro lixo. Eu tenho que rasgar e refazer tudo", contou a professora.

De R$ 600 a R$ 5 mil

É o valor cobrado para desenvolver um trabalho de conclusão de curso. O preço varia conforme as especificações do projeto. Um serviço orçado pela reportagem chegou ao custo de R$ 910, sendo R$ 750 para uma "pesquisa completa" de 50 laudas e R$ 160 para uma apresentação em Power Point.

Nos murais das universidades ou em sites da internet, os anúncios apregoam o mesmo produto: monografias e trabalhos universitários, inéditos e feitos sob encomenda. Quem presta o serviço garante sigilo total, mas, nos corredores das faculdades, nomes de quem compra e contatos de quem vende os trabalhos correm de boca em boca. Apesar de não ser crime, a prática é condenada eticamente no meio acadêmico. Por causa disso, o "setor" ostenta tintas de um mercado negro.

Leia também: Regras da ABNT: veja as normas para monografias e trabalhos acadêmicos

A Gazeta do Povo ouviu dois ex-alunos que compraram seus respectivos trabalhos de conclusão de curso (TCCs) e quatro professores que vivem do comércio de monografias. Eles mesmos concluem: esse tipo de comércio é mais comum do que se imagina.

"É pura hipocrisia. Ninguém dá a cara, mas todo mundo sabe quem compra e quem vende", afirma a pedagoga formada na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), que assume ter pagado para obter seu TCC. "É fácil. Está tudo à mão", ressalta.

As facilidades parecem mesmo serem tentadoras. Em um mês, o universitário pode ter em mãos a "sua" monografia supostamente inédita. Os preços partem de R$ 600, mas podem chegar a R$ 5 mil por trabalhos mais bem elaborados. Mesmo sem sair de casa, o aluno consegue um TCC a partir da internet. A reportagem testou um dos sites "especializados" no comércio. O retorno veio em dois dias.

"Em resposta à sua solicitação declaramos que o valor da pesquisa completa (para qual seguramente sugerimos 50 laudas tratando-se de Monografia), é de R$ 750 (sic)", diz a resposta da empresa, que sugere um suporte de apresentação para a banca, com Power Point, por mais R$ 160. A julgar pelos erros de pontuação, parece que a empresa não é lá muito confiável.

Sem garantia

Em geral, a qualidade não é garantida. O aluno nem pode ter certeza de que não está comprando um produto de plágio. Até quem fornece os TCCs reconhece a promiscuidade do segmento. "O problema é que é um mercado completamente prostituído e sem vergonha. Muita gente [professores] só faz isso para ganhar dinheiro e só faz porcaria", reclama uma professora que há 14 anos elabora monografias.

De acordo com os vendedores de trabalhos, os clientes provêm de todas as áreas, principalmente de Direito e licenciaturas em geral, especialmente Pedagogia. Muitas vezes, o que motiva os universitários a recorrerem ao mercado negro é a falta de tempo. É o caso do hoje advogado, que, quando cursava o último ano de Direito, abriu mão de fazer o próprio TCC para estudar para o exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

"Como queria realizar as duas obrigações [monografia e exame] em conjunto, decidi comprar o TCC", resume o ex-universitário, que foi aprovado com nota máxima. Ele afirma que, na turma dele, pelo menos outras quatro pessoas também compraram trabalhos.

Fraudes de alunos podem ser detectadas por orientadores

As universidades têm recursos pedagógicos que podem detectar eventuais fraudes por parte dos alunos. Professores consultados pela reportagem mencionam que, ao longo da elaboração do projeto e da orientação do trabalho, é possível saber se o aluno fez a produção acadêmica ou se recorreu a subterfúgios, como plágio ou compra de monografia.

"Pela orientação, o professor tem condições de verificar se o aluno tem conhecimento e fundamentação do que está sendo colocado no trabalho. Não vou dizer que isso garanta 100%, mas obriga o aluno a conhecer o tema e a demonstrar ao orientador que está pesquisando e desenvolvendo o trabalho", disse o pró-reitor acadêmico da PUCPR, Eduardo Damião.

A professora da Universidade Tuiuti do Paraná, Cláudia Giglio, acrescenta que, além dessas etapas, o aluno ainda precisa apresentar seu trabalho a uma banca examinadora, que também pode perceber fraudes. "Por mais que o aluno que comprou um TCC leia o trabalho, ele não consegue se apropriar efetivamente do conteúdo. Então aí ele pode ser desmascarado", aponta.

Prejuízos

Além de correr o risco de ser reprovado, o universitário que recorre ao mercado também sofre prejuízos educacionais irreparáveis. "Ele está desperdiçando uma oportunidade fantástica de aprender a pesquisar e de se preparar para um tema no qual escolheu se aprofundar. Está deixando de desenvolver uma competência necessária ao exercício da profissão", avalia Damião.

"Um aluno que tem essa atitude já mostra um caráter duvidoso. Que tipo de profissional será esse, se já na formação ele tentou enganar a sociedade?", questiona Cláudia.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]