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Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash

Um suposto esquema "criminoso" na transferência de alunos de medicina de faculdades particulares para a Universidade Estadual do Maranhão (Uema), através de liminares, e em tão curto espaço de tempo, é investigado pelo Ministério Público e por deputados maranhenses. Parlamentares tentam instaurar uma CPI na Assembleia Legislativa do estado para averiguar o caso.

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Chamou a atenção do MP o fato de que todos os estudantes solicitantes, de diferentes estados e, até, outros países da América do Sul, informam, com apresentação de laudo médico, sofrer de depressão por conta da distância da família. Por isso, precisariam retornar para Caxias, para não agravar o quadro da doença, e estudar na instituição pública mais próxima da residência da família - neste caso, a Uema.

O órgão ainda aponta "tamanha coincidência" por, embora de lugares e instituições diferentes, os alunos terem recorrido à Justiça através do mesmo advogado e do mesmo médico. Em oito deferimentos concedidos, todos alegam o mesmo problema de saúde.

Os pedidos acontecem desde 2018, solicitados por estudantes de instituições privadas da Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins. Também há solicitações de alunos da Argentina e Bolívia.

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Parte de uma das liminares:

Sem estrutura

Ao todo, desde 2018, o Centro Acadêmico de Medicina do campus de Caxias contabiliza 21 matrículas de novos alunos por meio de decisão judicial. O aumento das turmas tem atrapalhado o rendimento do curso, em razão de a instituição não dispor de estrutura para comportar mais estudantes.

“A gente sabe desses casos porque aparecem nas listas novas pessoas que não entraram por processo seletivo. Isso tem afetado a qualidade porque ficam muitas pessoas numa sala, atrapalhando o rendimento dos alunos e professores", conta Indira Amorim, presidente do Centro Acadêmico.

Ela também afirma que "os laboratórios da Uema não são feitos para 60 alunos, como agora está acontecendo, pois entraram mais de 20 este ano". Os estágios, além disso, acabam comprometidos, e a própria imagem da instituição é desmoralizada.

"Negar direito à vida"

Os pedidos foram protocolados no início dos semestres, para configurar a urgência da decisão liminar.  O primeiro é de janeiro de 2018 e o último, de julho de 2019.

As mesmas alegações, de pessoas diferentes, convenceram o juiz Sidarta Gautama, que repetiu uma sentença similar em várias liminares. Em uma delas, o magistrado considera que uma decisão desfavorável “pode comprometer a sua saúde [da autora do pedido], tendo em vista que a distância do apoio familiar, de sua estrutura mantedora, pode comprometer e até mesmo agravar a condição”. Gautama ainda apontou que indeferir a solicitação “equivale a negar ao requerente o direito à vida e à educação”.

O Tribunal de Justiça do Maranhão não respondeu aos pedidos de entrevista com Gautama.

“Farra de liminares”

No recurso em um dos pedidos, o promotor de Justiça Francisco de Assis Júnior diz que em Caxias “já se fala de farra de liminares” e pede cautela em próximas solicitações de transferências.

“No caso da Comarca de Caxias em que já se fala de ‘farra das liminares’, em decorrência do grande número de transferências realizadas de universidades particulares para pública, associada às irregularidades e morosidade dentro do processo, em decorrência de ter ou não decisão liminar, e verificando que existem outros casos com atestado do mesmo médico e com a mesma CID [doença], é indício suficiente para este juízo adotar uma postura de cautela na análise dos pedidos similares, daqui para frente”, considerou.

Pela Lei Orgânica da Magistratura, um juiz não pode ser investigado pelo MP. Dessa forma, a Promotoria de Caxias passou a apurar a conduta dos servidores da Secretaria Judicial, sobretudo no andamento processual.

A reportagem tentou contato com o promotor, mas ele preferiu não se manifestar.

Conduta criminosa

Segundo o Ministério Público do Maranhão, existe “indício suficiente de possível conduta criminosa na utilização de documentos para se efetivar transferências de alunos de faculdades particulares para públicas, podendo contar com auxílio de servidores do judiciário”.

"Tamanha coincidência, em que pessoas com o mesmo advogado, estudando em faculdades distintas, tenham o mesmo problema de saúde e procurem o mesmo médico”, aponta o órgão.

“Basta verificar a declaração da parte autora de que buscou tratamento psiquiátrico na cidade de Caxias, mas apresenta atestado médico da cidade de São Luís”, afirma o promotor Francisco de Assis Júnior, acrescentando que as decisões liminares acontecem em tempo hábil, diferentemente de quando acontece com os recursos.

Outro motivo de questionamento do MP é que, mesmo se tratando de um direito público, a Promotoria de Caxias deixou de ser ouvida em todos os casos. Em alguns, o tramite já até transitou em julgado.

A Corregedoria Geral de Justiça disse ainda não ter recebido nenhuma denúncia formal contra o magistrado quanto às transferências, contudo, garante tomar “as devidas providências naquilo que cabe ao órgão a respeito das investigações do caso”.

Na segunda-feira (2), o desembargador Marcelo Carvalho Silva determinou abertura de sindicância para apurar as denuncias em um prazo de 60 dias. As investigações transcorrerão sob sigilo e um relatório conclusivo será encaminhado posteriormente ao Conselho Nacional de Justiça e ao pleno do Tribunal de Justiça do Maranhão.

Um dia depois (3), a Justiça revogou seis liminares que favoreciam os estudantes.

CPI

Na Assembleia Legislativa do Maranhão, deputados conseguiram 15 assinaturas em 29 de agosto para instalar uma CPI para apurar os pedidos de transferência. Quatro dias depois, cinco parlamentares retiraram o nome do requerimento, de autoria do deputado estadual Doutor Yglésio (PDT). O político agora tenta viabilizar as adesões restantes para instaurar a investigação.

O caso ganhou o debate legislativo depois que estudantes de medicina buscaram os parlamentares para realizar a denúncia. Se aprovada, a investigação deverá requisitar depoimentos dos alunos beneficiados pelas decisões, os médicos que emitiram os laudos e funcionários da Vara de Caxias. A CPI tem o prazo regimental de 120 dias.

“Os alunos me passaram as sentenças de um mesmo juiz. São pelo menos 20 transferências de faculdades privadas. Não podemos investigar magistrado, mas podemos apurar sobre o processo administrativo, como a verificação do atestado médico, emitidos com a mesma doença. Além disso, o Ministério Público não é ouvido e a ordem cronológica dos processos não tem sido respeitada. Um aluno de medicina da Bolívia paga praticamente apenas a matrícula e ingressa lá e agora vem e entre na Justiça. Isso é fraude”, disse Yglésio.

Uema

Em nota, a Universidade Estadual do Maranhão afirmou que a transferência de alunos externos acontece de duas formas. A primeira é facultativa e ocorre por meio de um processo seletivo. Neste caso, ela está condicionada à existência de vagas e aprovação na seleção, o chamado “vestibulinho”. A oferta é regida por edital.

“Atualmente, a Uema não tem disponibilizado vagas em seus editais para o curso de medicina bacharelado, campus Caxias, considerando a inexistência formal de vagas e também por não haver condições de infraestrutura para essa oferta”, informou.

A outra maneira de ingressar é o que a Uema chama de “ex offício”. Essa modalidade ocorre apenas entre instituições públicas e “quando se trata de servidor público, civil ou militar, estudante ou seu dependente”. O autor do pedido ainda deve apresentar “razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situa a instituição recebedora, ou para localidade mais próxima desta”. Neste caso, a instituição é obrigada a garantir a vaga.

A Uema garante que tem negado todos os pedidos em desconformidade ao que prevê a transferência “ex offício”, e afirma que “tem basicamente cumprido as decisões emanadas do poder judiciário e recorrido, na forma devida, em todos os casos, por meio de sua Procuradoria Jurídica”.

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