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Ensino público da  Estônia está  entre os mais bem avaliados do mundo. | Divulgação/Wikipedia
Ensino público da Estônia está entre os mais bem avaliados do mundo.| Foto: Divulgação/Wikipedia

A Estônia, pequeno país emergente à beira do Mar Báltico e que pouca gente sabe o nome da capital, tem hoje o melhor sistema educacional da Europa e um dos mais bem avaliados do mundo. Quase todas as crianças e jovens do país, dos 2 aos 19 anos, estudam nas impecáveis escolas públicas. Uma das características que mais impressionam é o fato de os alunos pobres terem desempenho tão bom quanto os ricos em exames internacionais. Apesar de igualitárias, as escolas não são iguais. Diretores e professores têm tanta autonomia que podem decidir o método de ensino, se farão provas ou não e até os móveis da sua sala de aula.

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A classe de 3.º ano da professora Kreet Püriselg, de 26 anos, tem mesas redondas. Foi um pedido dela. Na sala ao lado, são carteiras comuns e na da frente, mesas compridas em que cabem dois alunos. “Estou estudando de que forma as crianças aprendem melhor. Elas podem escolher ficar nas mesas ou sentar-se no chão, nas almofadas.” As crianças têm 10 anos e a aula é sobre mapas. Um dos meninos escolheu usar uma bola azul como cadeira.

A professora caminha entre as mesas e deixa que as crianças descubram as informações que precisam. Os estonianos estão entre os jovens com melhor habilidade para trabalhar em grupo e resolver problemas - duas competências hoje consideradas essenciais. Os dados são de um estudo deste ano sobre resultados do Pisa, avaliação feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

A escola pública onde Kreet trabalha fica na pequena cidade de Peetri, a 15 minutos da capital Tallinn. A instituição foi inaugurada em 2009, quando a Estônia começava a colher os louros das primeiras notas em exames internacionais. Hoje, o desempenho dos estonianos em Ciência no Pisa é o terceiro melhor do mundo. Na frente deles, só Cingapura e Japão.

Escola de ensino médio em Tallinn, a capital da Estônia.

Wikimedia Commons

A Estônia é também um dos países com a menor quantidade de alunos no nível mais baixo de aprendizagem: são menos de 8%. Na Europa, a média é de 15%. No Brasil, a maior parte (cerca de 30%) está justamente nesse nível. Isso significa que o jovem de 15 anos não consegue fazer correlações entre várias partes diferentes de um texto. 

Pobreza

O desempenho bem acima da média contrasta com outros indicadores. Apesar de crescer ano a ano, a Estônia está na lista de países mais pobres da União Europeia. Seu PIB per capita é de ¤ 17,5 mil (R$ 76,3 mil); a média do bloco é de ¤ 29,9 mil (R$ 130 mil). O país tem 1,3 milhão de habitantes, o equivalente a Guarulhos (SP). O investimento por aluno, por ano, na educação básica gira em torno de US$ 7 mil (R$ 26 mil). Na União Europeia, a média é de US$ 10 mil (R$ 37 mil). 

A falta de dinheiro é compensada por um plano de educação que permanece após vários governos. Depois que a Estônia garantiu sua independência da ex-URSS, em 1991, foi elaborado um novo currículo nacional, atualizado sempre. O projeto teve a ajuda da Finlândia, país vizinho e de língua semelhante, que se tornou a sensação da educação mundial no anos 2000. Entre as competências fundamentais estão aprender a aprender, educação digital, valores éticos e empreendedorismo. Já o Brasil aprovou sua base curricular só em 2017. Na Estônia, apesar de haver ainda muito do ensino tradicional, a ideia é a de que as matérias sejam dadas de maneira integrada. 

Na aula de Inglês dos amigos Karolina Jossep e Romeo Raadsepp, ambos de 11 anos, não há gramática. Eles praticam a língua usando papel e tesoura para fazer uma maquete. “Ela gosta tanto que pede para ir à escola”, diz o pai de Karolina, o empreendedor Janno Joosep. “Pra nós, o importante é que a escola a ensine a ser independente e responsável.” Romeo também “adora estudar”. “Mas queria ser jogador de futebol como o Neymar”, brinca, em inglês fluente, ao descobrir que a repórter é brasileira. Por baixo do uniforme escolar, a camiseta do time francês PSG. Os dois ajudam a colega Margarita Beda, filha de russos e que não fala bem inglês. Os russos são exceção no igualitário sistema estoniano. Eles têm, em geral, pior desempenho que os demais, e o governo passou a pagar mais para professores desse grupo. 

Além disso, a Estônia não separa bons alunos dos que têm pior desempenho, como fazem os Estados Unidos, por exemplo. O país oferece, em todas as escolas, atendimento de psicopedagogos, psicólogos e professores particulares para crianças com dificuldade de aprendizagem. Todos também frequentam gratuitamente, fora do horário de aula, as chamadas “escolas de hobby”, com atividades de esporte, tecnologia, música e artes. 

“Todos permanecem juntos até o fim. O importante não é só o sistema de apoio, mas, sim, ter altas expectativas para todo mundo”, diz a representante do Ministério da Educação Aune Valk. As avaliações nacionais mostram que há pouca diferença de desempenho entre as escolas. “Não me lembro de nenhuma com resultado tão ruim que precisássemos intervir.” No Pisa, o país tem um dos maiores índices de alunos resilientes (42%), aqueles que estão entre os mais pobres da população e têm bons resultados. 

Contratar e demitir

Estonianos que conviveram por cerca de 50 anos com o regime burocrático comunista e privação de bens de consumo se orgulham hoje de um sistema educacional autônomo. “Esse é o segredo do sucesso da Estônia”, acredita o diretor da Escola Inglesa de Tallinn, Toomas Kruusimägi. Também pública, o nome vem do fato de as aulas de várias disciplinas serem dadas em inglês. O currículo tem ainda matérias optativas, como Psicologia e Literatura Inglesa. 

Não se faz concurso para escolher os diretores das escolas, como no Brasil. Os candidatos são entrevistados pelo governo municipal, que analisa habilidades de gestão e educação. Um conselho com pais e professores ajuda na decisão. Os diretores fazem o mesmo para contratar professores, que podem ser demitidos a qualquer momento. Diretores e professores precisam ter diploma de mestrado. 

“A educação é um bem muito valorizado no país”, completa Kruusimägi, repetindo uma frase ouvida várias vezes pelo Estado. Como exemplo, cita a participação ativa dos pais na escola. São dispensados pelas empresas para ir a reuniões e atividades dos filhos. “Nunca aconteceu de um pai faltar porque precisava trabalhar.” 

Há ainda uma licença de até 3 anos para quem tem filhos, que pode ser usada por mãe ou pai. Por isso, não há creches no país. A maioria das crianças vai à escola aos 2 anos e meio, no que chamam de jardim de infância. Ficam nessa etapa até 7 anos, quando começa o 1.º ano. O ensino médio acaba aos 19 anos. 

Sol

“Criatividade e brincadeira”, diz a diretora da Escola Peetri, Luule Niinesalu ao definir o que espera da educação infantil. Nos poucos meses quentes do ano, as crianças brincam nos parquinhos da escola duas horas por dia. Mesmo no inverno, passam meia hora do lado de fora. A Estônia tem temperatura média de menos de 10°C em quase todos os meses. No dia em que o Estado visitou a escola, no fim de maio, fazia 25°C. A brincadeira é tão livre - e o sol tão importante - que, enquanto as crianças corriam e se balançavam, duas professoras haviam arregaçado as roupas e se bronzeavam. 

No fim da manhã, os alunos são divididos por idade e vão para as salas de aula, que têm cozinha, banheiro com chuveiro e quarto. Alunos de 3 anos comem em silêncio e só começam a sobremesa após o último colega terminar o almoço. Tiram sozinhos as roupas sujas de areia. De calcinhas e cuecas, escolhem livrinhos para a leitura diária com a professora, que fala baixo e em tom sério, mas acolhedor. Meia hora depois, sem algazarra, se deitam nas belas camas de design moderno.

As crianças acima de 7 anos, em geral, vão sozinhas à escola, a pé, de bicicletas ou patinetes. “Essa autonomia ajuda na aprendizagem”, diz o professor de Inglês Peter Rock, de 25 anos. Muitos veem também um grande respeito dos alunos pelos professores, que seria herança do rígido regime soviético. Kullike Poduck, de 58 anos e que ensina Língua Estoniana há 25, elogia os estudantes, mas diz que o trabalho está mais difícil. “Hoje a informação está em todo lugar.” 

A profissão é tida como pouco interessante e o governo se esforça para atrair jovens. A média de idade dos professores é de 48 anos, o que significa experiência e boa formação hoje, mas pode ser um problema no futuro. Nos últimos anos, a Estônia aumentou o salário docente em 80%, de ¤ 719 (R$ 1.826) para ¤ 1290 (R$ 5.624). O objetivo é chegar a um valor 120% maior do que a remuneração média no país.

“Se continuarmos nesse caminho, só teremos cada vez mais sucesso”, diz a analista da fundação estoniana Praxis, que pesquisa políticas públicas, Eve Mägi. “A educação é a religião da não religiosa Estônia”, completa a outra analista Sandra Haugas. O país é considerado o menos religioso do mundo. 

Muita lição de casa
A estudante Karina Pent, de 15 anos, aprendia numa manhã como fazer uma capa de crochê para a tampa do pote de geleia. A professora explicava o detalhe de cada ponto para formar o desenho. A aula de artesanato é obrigatória no currículo nacional estoniano. A menina diz que é relaxante. “Principalmente porque fui dormir às 3 horas de tanta lição de casa.” 

A maior queixa dos adolescentes é a quantidade de tarefas extraclasse e de leituras. Professores justificam dizendo que é uma boa forma de eles aprenderem a ter autonomia. Segundo relatórios da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) são 17,3 horas semanais de lição de casa na Estônia, acima da média de outros países, de 17,1 horas. Mesmo assim, a OCDE avalia que o tempo é adequado porque os estudantes têm bom desempenho. Há críticas, no entanto, para nações como o Brasil, em que as tarefas ocupam 21,8 horas e as notas são baixas. 

“É muita pressão. Mas se queremos ser alguém na vida precisamos de boa educação”, diz Mia Vahimets, de 15 anos, aluna da Escola Inglesa de Tallinn. Na Escola 21, na mesma cidade, a fala é parecidajetos para avaliação. Na Escola Peetri também não há notas até o 6.º ano. Os pais só recebem relatórios sobre o desempenho dos filhos. 

Apesar disso, Triin Ulla, professora de Pedagogia da Universidade de Tallinn, acredita que muitas escolas ainda se preocupam com c. “Esperam muito de nós, mas é bom. Se não esperarem nada, não faremos nada”, diz Iris Inek, de 17 anos. O foco do currículo da escola são as artes, o empreendedorismo e a robótica. Uma sala equipada com milhares de blocos de Lego e mesas de cálculo é usada por todas as séries.

Alunos elogiam o fato de nem todas as disciplinas terem provas. É comum professores pedirem só trabalhos ou proompetição e conteúdo, algo alimentado pelos professores antigos. “Escolas no topo do ranking fazem de tudo para não cair”, critica, referindo-se à avaliação do governo no fim do ensino médio, cujo ranking é feito pela mídia - algo como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Para ela, isso acontece apesar do direcionamento do ministério para um ensino que valorize as habilidades socioemocionais. “A grande pergunta para qual não tenho resposta é: os resultados do Pisa são por causa das políticas dos últimos anos ou é um legado de antes, do ensino tradicional?”

De qualquer modo, diz Triin, a formação do professor mudou e está focada em competências como resolver problemas e autonomia. O docente também é treinado para combinar disciplinas como Arte e Matemática e trabalhar com tecnologia. As salas de aula têm computador, muitos materiais didáticos online, mas ainda há dificuldades. O objetivo da Estônia é que, até 2020, as escolas valorizem menos conteúdo. 

As novas notas do Pisa, das provas feitas em maio, serão divulgadas em 2019. No Brasil os alunos mal sabem do que se trata. Lá os jovens ganham diplomas. “Mostramos o quanto são especiais por representarem o país”, diz a responsável pelo Pisa na Estônia, Gunda Tire.

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