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Crianças criativas se tornarão funcionários inventivos, que subirão na carreira e alcançarão o posto de líderes inovadores, que vão estimular seus filhos – e seus funcionários – a serem cada vez mais criativos. Esse ciclo parece perfeito: na medida em que as escolas e o mercado de trabalho valorizam os criativos, o mundo terá mais e mais pessoas inovadoras.

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Acontece que essa forma de pensar tem um grave problema de origem: criatividade não se transmite de forma automática, nem surge do dia para a noite. Não adianta estimular uma criança a compor canções sem antes ensinar as notas e a teoria musical que explica como elas se organizam. Esquecer dos conteúdos mais básicos e tentar medir e controlar a criatividade, obsessivamente, acaba apenas por eliminá-la.

Ninguém vai inventar uma máquina revolucionária sem um grande conhecimento de física e matemática, além de tempo para localizar problemas, empenho e disciplina para trabalhar em soluções viáveis para cada um deles. Em outras palavras, o culto à criatividade, desde as escolas, corre o risco de formar uma geração sem o conhecimento mínimo para, de fato, inovar. É esse o argumento da advogada e autora Ephrat Livni, em artigo publicado pela revista Quartz.

“Toda essa opção sobre a criatividade seria boa, se estivéssemos, de fato, estimulando a inventividade”, escreve. “Mas, como a professora e escritora Diana Senechal aponta em seu livro Mind Over Memes, muitas escolas e empregadores entenderam tudo errado. Ao tentar instilar a criatividade, ela argumenta, a estamos matando”.

Falta o básico

“Como a criatividade se tornou a habilidade primária de nosso tempo”, continua Ephrat Livni, “há pouco interesse em apenas deixar essa habilidade se desenvolver de forma independente”. Em vez disso, “ela está sendo quantificada, dissecada, testada, ensinada e medida”. Na verdade, argumenta a autora, para ser criativa, uma pessoa precisa de muito estudo e muita prática. Precisa, em outras palavras “dominar o básico que sustenta qualquer inovação extraordinária”.

A autora tem razão? Será que as salas de aula invertidas, que colocam os alunos para aprender em casa e fazer exercícios na escola, ou os laboratórios de robótica, estão de fato estimulando a criatividade e a capacidade de inovar?

“Há uma certa empolgação com a experimentação”, responde José Morán, professor aposentado de novas tecnologias na Universidade de São Paulo e orientador de projetos de transformação da educação com metodologias ativas e modelos híbridos. “Há uma certa moda, uma certa ênfase em algo que é novo, as metodologias ativas. É normal que haja uma espécie de foco maior nisso, porque é novo, empolga mais as crianças”.

Foco na compreensão

Para o professor da USP, esse é um fenômeno compreensível, mas os professores precisam ir além. “Se o professor conduz um experimento com lego e robótica, ele fica feliz, porque desenvolveu habilidades, fez algo diferente. Mas o papel do professor é ir além, apresentar novas questões que provoquem pesquisa, trazer leituras que estimulem outras reflexões que a criança não iria fazer sozinha”. Nem sempre, diz ele, as escolas estão dando esse segundo passo.

“É importante apresentar conteúdos, antes, durante ou depois dos projetos práticos. O projeto precisa ter um propósito, que combine o fazer e o refletir, faça o aluno criar, mas também questionar, fazer perguntas, criar uma narrativa que torne visível aquilo que ele aprendeu”. Se esse processo não for executado, diz ele, existe o risco de um projeto de robótica não levar o aluno a aprender.

“O professor tem um papel de mentor, ele orienta os contextos de aprendizagem para que ela se torne significativa, ligada à vida, para que o aluno perceba outras dimensões”, afirma José Morán. O professor, aliás, precisa se reinventar para dar conta dessa demanda. “Ele não é mais o único que avalia. Ele compartilha sua avaliação com os alunos, mas permite que eles avaliem a si mesmos e aos colegas. O professor precisa se reinventar nessa dinâmica, combinar experimentação e reflexão. Tem que arriscar, e precisa ser humilde para ouvir os alunos”.

Currículo amplo

Do ponto de vista das instituições escolares, como dar conta dessa demanda dupla, a de incentivar a inventividade sem perder de vista os conteúdos mais básicos? Em artigo sobre o assunto, Julian Astle, que atuou como assessor direto do ex-vice-primeiro-ministro Britânico Nick Clegg, lembra que as escolas que querem estimular a criatividade de seus alunos precisam levar dois fatores em consideração.

“Primeiro, para que o máximo possível de crianças recebam o maior número possível de chances de realizar todo seu potencial, as escolas precisam fornecer um currículo rico e amplo, que inclua os temas criativos, como artes visuais e performáticas”, ele escreve.

Em segundo lugar, diz ele, “precisam lembrar que a criatividade abarca uma vasta coleção de processos similares, mas diferentes. Em outras palavras, precisam entender o papel central do conteúdo na educação, e então tomá-lo como ponto de partida para desenhar seus currículos”. E, assim, estimular a criatividade de fato.

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