• Carregando...
 | Unsplash/Reprodução
| Foto: Unsplash/Reprodução

Uma educação sexual abrangente torna as crianças vulneráveis à exploração sexual?

A exploração sexual sistemática de 1400 crianças em Rotherham, entre 1997 e 2013, bem como o abuso generalizado de crianças noutras cidades inglesas, deu origem a um inquérito independente e inúmeras análises de casos graves. Esses casos foram analisados por Norman Wells, diretor da organização britânica Family Education Trust, no seu livro de 2017, Unprotected: How the normalization of underage sex is exposing children and young people to the risk of sexual exploitation (Desprotegidos: Como a normalização do sexo entre menores está expondo crianças e jovens ao risco de exploração sexual – em tradução livre).

De acordo com a definição do Governo do Reino Unido,

a exploração sexual de crianças ocorre quando um indivíduo ou grupo tira partido do desequilíbrio de poder para coagir, manipular ou enganar uma criança ou jovem com menos de 18 anos de idade, em atividade sexual (a) em troca de algo que a vítima precisa ou quer, e/ou (b) para obter vantagem financeira ou de status do autor ou facilitador. A vítima pode ter sido explorada sexualmente, mesmo que a atividade sexual pareça ter sido consensual.

Wells cita o Inquérito Independente de Alexis Jay sobre Exploração Sexual Infantil em Rotherham entre 1997-2013. De acordo com este relatório, crianças – incluindo meninas de 11 anos de idade – foram:

• estupradas por vários agressores;

• enviadas para outras cidades do norte de Inglaterra;

• sequestradas, espancadas e intimidadas;

• em alguns casos, as vítimas foram ensopadas com gasolina e ameaçadas de serem incendiadas;

• ameaçadas com armas;

• obrigadas a testemunhar estupros brutalmente violentos e ameaçadas de serem as próximas vítimas, se contassem a alguém.

As autoridades de Rotherham eram complacentes com a atividade sexual dos menores de idade, porque assumiam que esses jovens estavam fazendo uma escolha de estilo de vida. O Inquérito Rotherham salientou que “relações sexuais com crianças com 11 anos de idade eram consideradas consensuais, quando, de fato, essas crianças estavam sendo estupradas e abusadas por adultos”. 

Leia também: “Kit Gay”: o que é mito e o que é verdade

As preocupações suscitadas por alguns dos pais foram rejeitadas pelas autoridades. “Em dois dos casos, os pais seguiram suas filhas e tentaram retirá-las das casas onde estavam sendo abusadas, e acabaram sendo presos quando a polícia foi chamada ao local”. Os assistentes sociais consideraram que os pais em questão não queriam aceitar que suas filhas estavam crescendo. Segundo Wells, “a educação sexual criou nos jovens a expectativa de que eles tenham uma série de relações sexuais casuais. Nessa cultura, a exploração sexual pôde passar despercebida, e jovens vulneráveis foram privados de proteção”.

No prefácio do livro de Wells, o professor da Faculdade de Negócios da Universidade de Nottingham, David Paton, conclui:

Vimos o surgimento de uma cultura na qual a atividade sexual de menores passou a ser vista como parte normal do crescimento, e relativamente inofensiva, desde que seja consensual. Juntamente com as políticas oficiais de incentivo ao fornecimento confidencial de contraceptivos a menores, torna-se claro que as abordagens atuais, cuja finalidade era melhorar a saúde sexual na adolescência, facilitaram e perpetuaram o abuso sexual de jovens vulneráveis.

Paton argumenta que “as autoridades políticas e profissionais que trabalham na área de saúde sexual já não têm qualquer desculpa para ignorar as evidências”. Trata-se de acusações graves. Mas o que, exatamente, Paton e Wells estão condenando? O que há de tão mau na educação sexual abrangente?

Separando o sexo do amor – e da moralidade

Tanto Paton quanto Wells acreditam que o problema básico com a educação sexual é a sua abordagem amoral e relativista, que separa a sexualidade humana da sua inerente ligação com o amor do casamento. Essa crítica foi desenvolvida filosoficamente por Dietrich von Hildebrand.

Von Hildebrand salienta que, em vez de promover a objetividade, o pensamento crítico e a autonomia, a educação sexual amoral não desenvolve o potencial dos jovens para exercer uma “resposta ao valor” e, consequentemente, não contribui com o desenvolvimento de seu potencial humano de maneira geral. Na medida em que sua capacidade moral permanece não desenvolvida, o jovem se torna incapaz de discernir e resistir à exploração sexual.

Leia também: As manobras da ideologia de gênero para ensinar mentiras a seu filho

O filósofo Von Hildebrand considerava o cultivo de “respostas ao valor” – tais como o amor, a fidelidade, admiração, veneração e reverência – como centrais para a educação sexual. Separada dos valores morais, a educação sexual torna-se um meio de estreitar e tolher a personalidade humana. A educação sexual amoral prejudica a ação moral dos alunos, sua capacidade de avaliar desejos, considerar razões, formar intenções e tomar e implementar decisões com base na sua experiência de valor. Ela não promove o desenvolvimento de pessoas moralmente conscientes e capazes de formar juízos morais maduros, com base em sua percepção de valores, como agentes morais que podem fazer julgamentos e avaliações, sem sucumbir ao relativismo.

A educação sexual moral “neutra” ensina que não existem normas sexuais absolutas: todas as formas de comportamento sexual com base no consentimento mútuo são normais e aceitáveis. De certo modo, os jovens são deixados a decidir por si próprios. Mas, na medida em que não existam critérios normativos adequados para os ajudar a escolher entre estilos de vida conflitantes, suas escolhas não serão livres em qualquer sentido significativo do termo. Ao contrário, suas escolhas serão arbitrárias, baseadas apenas no capricho do momento, como aponta Hanan Alexander. Quando todas as alternativas sexuais são apresentadas como tendo igual valor, o jovem dificilmente perceberá as diferentes implicações morais e consequências sociais de estilos de vida diversos.

A experimentação sexual anestesia a sensibilidade necessária para perceber a verdadeira natureza do amor e os valores inerentes a ele.

A educação sexual amoral entorpece a sensibilidade moral

O problema não é apenas a natureza limitada e neutralizante da educação sexual amoral, mas a distorção da natureza pessoal, individual e íntima da sexualidade. A educação sexual amoral obscurece o fato de a sexualidade receber o seu significado genuíno na relação de amor, única e duradoura, entre cônjuges casados com base na total e irrevogável autodoação.

Devido à sua abordagem “objetiva” e reduzida à biologia, a educação sexual amoral tende a utilizar material sexual explícito, o que viola a sensibilidade moral dos jovens e a modéstia natural, comprometendo a sua capacidade de ação moral. Ela priva as crianças da sua inocência inata, que inclui a ausência de pensamentos sexuais, imagens, desejos e comportamentos. Isso prejudica a capacidade da criança para aquilo que Von Hildebrand chama de “nobre vergonha” ou modéstia, “que esconde algo por ser particularmente íntimo”. Esse último problema é fundamentado na privacidade e intimidade do sexo e “na reverência intrínseca que ele inspira, por sua qualidade extraordinária e misteriosa”, bem como na “aversão instintiva pelo obsceno, desrespeitoso, impuro e sinistro”.

Questionar a consciência natural do jovem de que a sexualidade é pessoal, individual e íntima pode ter efeitos negativos, como encorajar um estilo de vida promíscuo, tornar mais difícil resistir ao abuso sexual e, de maneira geral, enfraquecer a capacidade de controlar seus próprios impulsos. Como escreveu von Hildebrand, a sexualidade separada do amor se torna “um encanto intoxicante que atrai o homem para o comportamento animal, uma profanação do grande dom do sexo – em suma, um mistério da perversidade”. A representação “objetiva” do sexo, desprovida de valores morais, ofende o nosso sentido de modéstia porque não leva em conta essa timidez”.

A proteção da inocência natural das crianças justifica-se também por considerações pedagógicas. Crianças sexualizadas desviam-se da orientação dos pais, o que ameaça as boas relações entre pais e filhos. Até mesmo Freud admitiu que a sexualização das crianças dificulta a educação: “Observamos, por experiência, que influências externas sedutoras podem causar um rompimento prematuro da fase latente ou sua extinção, e que qualquer atividade sexual prematura prejudica a educabilidade da criança”.

A educação sexual amoral prejudica a ação moral

Sem um sistema moral, o jovem não tem critérios adequados para escolher entre estilos de vida conflitantes, o que significa que suas escolhas se tornam arbitrárias. A amoralidade deturpa a natureza da sexualidade humana ainda mais radicalmente do que a imoralidade. A abordagem amoral negligencia as próprias categorias de moralmente certo e errado e, portanto, não promove as condições prévias básicas para a ação humana.

Não se trata de um problema meramente intelectual. 

É um problema existencial. A educação sexual neutralizante recebida na escola prejudica a capacidade dos jovens de compreender as profundas implicações morais do comportamento sexual. Ela torna os jovens insensíveis às distinções morais ao transmitir a impressão de que não existem normas sexuais absolutas: todas as formas de comportamento sexual baseado no consentimento mútuo são consideradas normais e aceitáveis. Portanto, neutralizar a educação sexual priva os jovens da capacidade de distinguir entre o amor genuíno e a sexualidade exploradora.

Ao reduzir a sexualidade a um instinto biológico, a educação sexual amoral produz pessoas guiadas por aquilo que é subjetivamente satisfatório e controladas por seu apetite, desejo e motivação, e não por algo que seja intrinsecamente valioso. Ela não ajuda o jovem a alcançar a transcendência moral e se desenvolver como pessoa guiada por resposta ao valor. Uma educação sexual reduzida ao aspecto biológico não só não desenvolve a capacidade do jovem para a transcendência, implícita em uma atitude de resposta ao valor, como também não fornece as condições prévias para o desenvolvimento de sua subjetividade autêntica. Em vez de se tornar mais atento, o jovem se torna alienado de si mesmo.

Embora os profissionais possam ser bem-intencionados, um curso abrangente de educação sexual não oferece uma solução para combater a exploração sexual. Pelo contrário, ele faz parte do problema, uma vez que não desenvolve a capacidade dos alunos de distinguir entre amor genuíno e exploração sexual. Precisamos de uma forma de educação sexual orientada ao amor do casamento e às virtudes necessárias para uma família nuclear estável.

Tapio Puolimatka é professor de Tradição e Teoria Educacional da Universidade de Jyvaskyla, Finlândia, e professor Adjunto de Filosofia Prática da Universidade de Helsinki, Finlândia. Sua pesquisa concentra-se principalmente nas áreas da Filosofia Educacional e Moral.

©2018 Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês.

Tradução: Ana Peregrino

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]