Em qualquer debate, audiência pública, entrevista ou seminário, são sempre dois os argumentos mais frequentes dos críticos à legalização do homeschooling para justificarem sua posição. A suposta falta de socialização à qual estariam submetidos os estudantes dessa modalidade e os riscos às crianças e adolescentes mais vulneráveis, já que, para elas, a escola não seria apenas um ambiente de aprendizagem, mas também de proteção social.
Por mais discutíveis que sejam os pontos levantados, penso que os defensores do ensino domiciliar deveriam chamar a atenção para outro aspecto, mais amplo, antes de refutá-los. À luz da razão, os dois argumentos, por si mesmos, são incapazes de explicar o rechaço total a uma legislação sobre o tema. Esse é um fato que precisa ser mais exposto. No máximo, justificam o debate sobre o nível de restrições que a lei brasileira sobre o tema deveria adotar. Aliás, essa sim é a conversa sobre homeschooling na qual lados distintos, porém com motivações honestas, poderiam chegar a um consenso.
Aos preocupados com a falta de socialização, bastaria, por exemplo, lutar para que a lei exija das famílias adeptas da modalidade a apresentação periódica de evidências capazes de comprovar que as crianças não são mantidas em reclusão, como um portfólio de fotos e vídeos nas quais apareçam brincando com outras ou, para atender aos mais exigentes, algum comprovante de matrícula em cursos livres nos quais haja turmas, como escolas de inglês, de música ou de esportes.
Nos Estados Unidos, há estados que fazem uso de soluções semelhantes. Em Nova York, por exemplo, as famílias homeschoolers são obrigadas a apresentar um plano pedagógico no qual é preciso incluir atividades físicas praticadas coletivamente. Tudo deve ser registrado e, posteriormente, apresentado ao órgão estatal fiscalizador.
Tenho plena consciência de que tal medida soa ridícula para os defensores de uma legislação mais liberal, com menos estado, no entanto, se é algo desse tipo o que faria a oposição à lei ceder, ao menos entre os que colocam foco na socialização, creio que seria um aspecto negociável para as famílias mais conscientes da necessidade de sair da clandestinidade.
No caso da necessária proteção às crianças e adolescentes socialmente vulneráveis, a solução foi aprofundada em artigo recente, e envolve um conjunto de dispositivos que restringiria o acesso à modalidade somente aos pais e responsáveis que cumpram pré-requisitos claros, todos com o objetivo de preservar a segurança, o bem estar e a aprendizagem do estudante.
Convém realçar ainda que uma lei do ensino domiciliar pode ajudar os conselhos tutelares a priorizarem quem mais precisa, já que, hoje, na ausência de uma legislação, famílias educadoras são incluídas nos índices de evasão escolar. Assim, ao invés de dedicar todo o seu tempo e energias para combater casos reais de negligência, abuso e violência, os conselheiros continuam recebendo denúncias anônimas – frequentemente motivadas por mero desafeto pessoal – que os levam a famílias homeschoolers zelosas, capazes de apresentar abundantes evidências de aprendizagem, socialização e bem estar de seus filhos. Basta conversar com conselheiros honestos para obter deles relatos do quão constrangidos se sentem ao se deparar com esse tipo de situação, tendo de investigar alguém obviamente inocente.
Uma lei para a modalidade, portanto, é útil para os dois lados. No caso das famílias já adeptas, a legalização as beneficia por tirá-las da clandestinidade e do risco de injusta perseguição. Já aos agentes públicos dedicados à proteção de crianças e adolescentes vulneráveis, mesmo àqueles que não gostam do ensino domiciliar, a lei garantiria fiscalização onde hoje não há.
O pior dos mundos para todos os envolvidos é manutenção do atual estado de discriminação às famílias e de completa omissão do Poder Público.
*Jônatas Dias Lima é jornalista e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, onde atua junto à Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling. E-mail: jonatasdl@live.com
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