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Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash.

Quando o assunto é inovação, os números não são favoráveis ao Brasil. No Índice Global de Inovação 2019, produzido pela Universidade de Cornell, pela escola de negócios Insead e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), o Brasil está no 66º lugar entre 126 países avaliados – perdeu duas posições em relação ao ano anterior.

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Sempre que o assunto vem à tona, algumas afirmações são muito repetidas. Por exemplo: as empresas brasileiras são avessas à inovação e esperam demais que o governo corra os riscos do investimento. Ou então: as universidades, principalmente as públicas, vivem de costas para o mercado e não buscam parcerias com o setor produtivo. Será?

“Ouvimos muitas besteiras sobre esse assunto, frases que as pessoas repetem há vinte anos”, afirma o físico Newton Frateschi, diretor-executivo da Agência de Inovação da Universidade Estadual de Campinas (INOVA - UNICAMP). “A realidade mudou. Muitas universidades brasileiras buscam interagir com o mercado já há bastante tempo”.

João Irineu de Resende Miranda, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), concorda. “Não se pode dizer que as universidades e as empresas estejam dissociadas na busca de inovação”, afirma ele, que dirigiu a Agência de Inovação e Propriedade Intelectual da instituição entre 2011 e 2015 e acompanhou a implementação de projetos em parceria com as indústrias siderúrgica, aeroespacial e química, em especial. “Se consultarmos os portais da transparência das universidades, veremos que é bastante comum convênios entre universidades e empresas na área de pesquisa, desenvolvimento e inovação, assim como o depósito de patentes com vistas a novos produtos”.

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Mais contratos

Essa nem é uma busca nova, diz o professor. “O que ocorre é que, muitas vezes, tais parcerias não são divulgadas por uma questão estratégica das empresas, que não revelam seus projetos antes que eles estejam concluídos. Existem ainda casos em que a empresa não evidencia a vantagem estratégica que é estar associada a uma universidade e divulga o produto, mas não a parceria da qual ele foi resultado”.

O cenário atual é marcado pela existência de alguns centros de excelência, muitas universidades dando os primeiros passos no empreendedorismo e um ambiente empresarial em que grandes corporações estabelecem parcerias longas e produtivas com a academia – enquanto que as médias e pequenas ainda patinam para dar os primeiros passos, a não ser que tenham sido fundadas por alunos e pesquisadores universitários.

“Ao observar os dados dos relatórios Formulário para Informações sobre a Política de Propriedade Intelectual das Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação do Brasil (FORMICT), podemos afirmar que estamos fechando mais contratos com diferentes organizações com o objetivo de disponibilizar o conhecimento que é gerado na universidade para a sociedade”, afirma Biancca Scarpeline de Castro, professora do curso de graduação em Administração Pública e do Mestrado Acadêmico em Administração da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

“Das Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) que responderam ao FORMICT, 34 instituições informaram possuir contratos em 2011, enquanto 58 instituições informaram possuir contratos em 2016 (sendo 42 instituições públicas e 16 instituições privadas). Ou seja, tivemos avanços nos contratos estabelecidos entre universidades e empresas, mas o número de ICTs que não possuem contratos para transferência ou licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação é ainda muito alto (220 instituições em 2016)”.

Esse resultado, afirma a professora, “é em parte consequência do crescimento de estruturas de gerenciam a propriedade intelectual dentro das ICTs (fator positivo), mas também do baixo impulso das empresas brasileiras para a realização de parcerias com as Universidades e demais instituições de pesquisa (fator negativo)”.

Aluno empreendedor

O caso da Unicamp é exemplar. Só em 2018, a universidade assinou 75 convênios de pesquisa e desenvolvimento com empresas. Somados, eles representam R$ 134 milhões investidos pela indústria em pesquisas desenvolvidas na universidade. Ao registrar 71 pedidos de patentes no ano passado, a instituição alcançou 1027 famílias de patentes, principalmente nos setores de agroindústria, tecnologia da informação, química, meio ambiente, saúde e bem-estar. “Boa parte dos nossos empreendedores são doutores, que seguiram carreira acadêmica e nós ajudamos a fazer a transição para o mercado”, diz Newton Frateschi.

A Unicamp atua junto a 604 diferentes empresas, que, somadas, alcançam faturamento de mais R$ 4,8 bilhões e geram mais de 30 mil empregos. Destas empresas, 85% têm como sócio um aluno ou ex-aluno da universidade – um fato observado também no Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), outro centro de excelência em termos de inovação voltada para o mercado.

“Nosso empreendedor típico tem o DNA da UFRJ, é alguém que foi formado nos nossos laboratórios”, afirma Lucimar Dantas, gerente de articulações do Parque e gerente da Incubadora de Empresas da COPPE, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, que desde 1963 atua desenvolvendo projetos junto ao mercado e atuou em algumas das principais inovações geradas em parceria com a Petrobras, incluindo novas tecnologias que viabilizaram a extração de petróleo na camada pré-sal.

“Temos quase 70 empresas, incluindo 16 de grande porte, que montaram seus centros de pesquisa e desenvolvimento dentro da instituição”, informa Lucimar Dantas. “Boa parte das empresas pequenas e médias instaladas no centro são startups que cresceram”.

Algumas instituições, como a Unicamp, a UFRJ e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se destacam pela infraestrutura aplicada à inovação e pelo grau de parceria com o mundo empresarial. Para as demais instituições, a Lei de Inovação, de 2004, atualizada pelo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, determina que todas as universidades públicas brasileiras formem seus próprios núcleos de inovação tecnológica.

Transferência de talentos

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a maior dificuldade encontrada pelo centro de inovação é a continuidade. “Um dos grandes problemas é a rotatividade dentro dos grupos de inovação tecnológica. Quando muda o reitor muda toda a gestão, inclusive dos núcleos de inovação”, afirma Alexandre Moraes, coordenador de gestão tecnológica do Centro de Inovação da instituição. “Se a instituição corta o pessoal, muitos núcleos acabam se transformando em simples escritórios de patente, porque falta gente”, ele afirma. “Quando muda o reitor, sempre ficarmos esperando alguém ter a mesma ideia de sempre, fazer um café da manhã com as empresas”.

Newton Frateschi, da Unicamp, lembra que as universidades cumprem uma missão estratégica: formar lideranças e talentos que, depois, podem formas suas próprias empresas e atuar na indústria. “O principal mecanismo de transferência de tecnologia é a migração de talentos para as universidades. As universidades formam líderes, que seguem para a indústria”, ele afirma. “Outras formas de contato são as parcerias em geral, desde licenciamentos até o uso de laboratórios compartilhados entre empresas e universidades”.

Para Frateschi, o fato de que poucas empresas de pequeno e médio porte procuram a universidade, a não ser que seus fundadores tenham sido alunos e pesquisadores acadêmicos, é um indício de que ainda falta, do ponto de vista do mercado, uma cultura de empreendedorismo e inovação. “A indústria mantém uma relação estranha entre público e privado. No Brasil as empresas em geral querem que o governo assuma o risco de inovar. Isso precisa ser melhorado”.

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Alexandre Moraes, da UFPR, concorda, com a ressalva de que muitas vezes as pequenas e médias empresas precisam lidar o tempo todo com as demandas no curto prazo. “Muitas vezes, para esse empresário, inovação é sobreviver”.

Espaço para crescer

Na avaliação de João Irineu de Resende Miranda, “para a maioria das empresas, falta a implantação de boas práticas na área da gestão de projetos de inovação. Inovação é um processo e como todo processo possui várias etapas, as quais devem ser gerenciadas pela empresa. As parcerias que dão certo geralmente são aquelas em que o empresário possui um profissional que cuida dos aspectos jurídicos e administrativos do empreendimento”.

Lucimar Dantas, da UFRJ, explica que, quando uma empresa de fora do ambiente acadêmico procura a universidade, as dificuldades de adaptação são maiores. “Procuramos atender da melhor forma. Buscamos descobrir qual é o desafio tecnológico da empresa e vamos buscar na universidade quem pode ajudar com soluções. Muitas vezes precisamos fazer a ponte porque o empresário não sabe quem procurar, nem fala a mesma língua que os pesquisadores”, ela conta. “Não é simples, mas o fato de esse empresário ter procurado a universidade significa que ele está interessado, entende o potencial da inovação e da parceria com a academia”.

Com base em dados do antigo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, a professora Biancca Scarpeline de Castro informa que o montante investido em ciência e tecnologia cresceu, de R$ 23,7 bilhões em 2000, para R$ 48,2 bilhões em 2015. “Apesar desses dados positivos, é possível observar uma ampla possibilidade de crescimento dos investimentos em Ciência e Tecnologia por parte das empresas nacionais. Quando se observa apenas os gastos do setor privado em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, verifica-se que eles caíram de 0,41% do PIB, em 2014, para 0,39% do PIB em 2015”.

Como afirma o professor da UEPG, “existem muitos bons exemplos que atestam a integração com a sociedade e com o mercado. Mas, no que diz respeito à inovação, ainda há muito espaço para crescer”.

Desafios para as universidades

As principais dificuldades para as universidades, segundo o Panorama Tecnológico NMC 2015 para Universidades Brasileiras:

1. Individualização da aprendizagem.
2. Integrar a tecnologia da educação na faculdade.
3. Acesso expandido.
4. Repensar os papeis dos educadores.
5. Criação de oportunidades autênticas de aprendizagem.
6. Infraestrutura dos campi com recursos insuficientes.
7. Dimensionar as inovações de ensino.
8. Gerenciar a obsolescência do conhecimento.
9. Equilibrar as vidas, conectados e desconectados.
10. Aprimorar a alfabetização digital.

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