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A maioria das nações com níveis avançados de escolaridade universal fornece apoio público para escolas religiosas, sem dano evidente ao seu tecido social e com consideravelmente menos conflitos sobre a escolaridade. Chegou a hora de os Estados Unidos adotarem o pluralismo de princípios como a estrutura fundamental e equitativa de nosso sistema educacional. 

Uma década atrás, ninguém imaginava o nível de conflito e alienação que os americanos experimentariam no período que antecedeu a eleição presidencial de 2016 e suas consequências: Black Lives Matter, #MeToo, o ataque ao Privilégio Branco e a Heteronormatividade. E assim por diante. 

As Guerras Culturais descritas por James Davison Hunter em 1991 se espalharam para se tornarem o que, às vezes, parece uma guerra universal – todos contra todos, onde todos se sentem sob ataque. 

Entre aqueles que não se sentem mais em casa na sociedade americana estão homens e mulheres para os quais as convicções religiosas “vão até o fim”, formando a base sólida de suas escolhas de vida e julgamentos morais em todas as áreas.

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“Perdemos em todas as frentes. O niilismo secular hostil ganhou o dia no governo de nossa nação e a cultura se voltou poderosamente contra os cristãos tradicionais”, alerta Rod Dreher.

A sensação de que as convicções religiosas estão sob ataque não é, de forma alguma, um fenômeno recente na vida americana. As escolas públicas têm sido muitas vezes o ponto focal de tais queixas, como continuam a ser hoje. 

Horace Mann foi criticado ferozmente, na década de 1840, por cristãos trinitários (a doutrina cristã da Trindade define Deus como três pessoas consubstanciais) que argumentavam que ele estava promovendo suas próprias crenças unitaristas através das escolas públicas de Massachusetts. 

Desde então, dificilmente houve um tempo em que um ou outro grupo de motivação religiosa não tenha resistido à visão de mundo promovida pelo sistema educacional público. 

Conflitos sociais, convicções religiosas e escolas públicas 

Embora essas queixas tenham sido algumas vezes exageradas, elas são resultado inevitável de um monopólio – secular ou religioso – sobre a formação da juventude. 

Os sistemas educacionais populares geridos pelo governo são sempre um instrumento tentador de poder anônimo, impessoal e desumano, que falsifica profundamente a natureza da verdadeira educação.

Afinal, a educação em sua forma autêntica ocorre no contexto de relacionamentos duradouros entre crianças ou jovens e adultos de confiança, primeiro com os adultos em suas próprias famílias e depois com outros adultos a quem suas famílias os confiam. 

A educação ocorre, naturalmente, não apenas nas escolas, mas também em outras expressões da sociedade civil, incluindo ambientes formais e informais sob o patrocínio de instituições religiosas, entre muitos outros. 

Como assinalou Elmer John Thiessen, “as crianças devem ser iniciadas em um lar específico, uma língua específica, uma cultura específica, um conjunto específico de crenças antes que possam começar a expandir seus horizontes além do presente e do particular”. 

A ‘escola comum’, tão elogiada como a prova da cidadania democrática, não pode mais funcionar como funcionava quando era expressão de uma comunidade local coerente. Hoje, é um shopping de mensagens concorrentes sem núcleo moral. É um lugar onde a desaprovação é reservada para aqueles que afirmam quaisquer convicções estabelecidas sobre a natureza e as exigências de uma vida humana florescente – além da maximização do consumo, é claro. 

Não devemos nos enganar: a escola pública comum genericamente protestante anterior à década de 1950 não se tornou religiosamente neutra graças à remoção de orações e leitura da Bíblia. Uma ortodoxia secularista tomou seu lugar, insistindo que crenças religiosas sejam mantidas estritamente privadas, na convicção tácita (e às vezes explícita) de que elas gradualmente morrerão conforme deixarem de desempenhar um papel significativo no comportamento público. 

Nem a religião por si só foi afastada da sala de aula; assim foram, a virtude cívica e o senso de pertencimento nacional. Uma teoria educacional – “ideologia” não seria uma palavra muito forte – tomou o lugar da instrução positiva nas crenças subjacentes ao projeto americano e das virtudes exigidas pela cidadania. 

A ortodoxia que as escolas públicas de hoje inculcam não é alguma forma de virtude cívica, mas platitudes atuais sobre tolerância e não-julgamento. Aqueles que moldam a agenda das escolas públicas se veem libertando estudantes das limitações colocadas pelas famílias e tradições, permitindo-lhes, assim, alcançar a autonomia completa considerada o objetivo mais elevado do desenvolvimento humano. 

Esmagando o pluralismo cultural real 

Naturalmente, essa concepção de escola construída com base no questionamento de todos recebeu opiniões e lealdades particulares, e nunca foi submetida a um processo democrático de aprovação, seja local ou nacionalmente. É uma imposição por aqueles que reivindicaram com sucesso o direito de definir os objetivos da educação sem levar em conta opiniões de seus concidadãos. Não há respeito por modos de vida baseados na obediência à tradição ou normas de grupo; por suas definições, levam a vidas que não possuem autenticidade. 

Apesar de toda a conversa sobre liberdade, os proponentes dessa ideologia se opõem às políticas públicas que apoiam a acomodação institucional do pluralismo cultural que caracteriza sociedades democráticas contemporâneas. 

Para ser mais preciso: o pluralismo cultural é celebrado desde que se limite a expressões superficiais, como música, dança e comida. Ele é temido quando evoca crenças fundamentais, diferenças que “vão até o fim”. Elas não têm lugar no multiculturalismo, na “diversidade” superficial, buscada e celebrada no sistema educacional contemporâneo. 

Já foi dito que “a diversidade em Brookline [Massachusetts] significa pessoas de cores diferentes que foram treinadas para pensar da mesma forma”. 

A falta de respeito pelas diferenças fundamentais ao celebrar “preferências” superficiais criou uma tremenda pressão para a uniformidade de opinião, velada pelo brilho superficial de “fazer as coisas do seu jeito”. As instituições religiosas dão apoio àqueles que compartilham convicções que os diferenciam de seus contemporâneos, mas políticas públicas e o direito procuram, cada vez mais, restringir o alcance de tais associações às atividades simbólicas. Assim, o “livre exercício da religião” é definido como “liberdade de culto”, como se nenhum outro domínio da vida fosse uma esfera protegida para a expressão de convicções religiosas. 

Essa intolerância a expressões institucionais e comportamentais de convicções profundas reflete uma incompreensão fundamental da natureza de uma sociedade livre, cujo pluralismo democrático inclui o direito (garantido pela Primeira Emenda) de associação com base em convicções compartilhadas. 

filósofo Nicholas Wolterstorff aponta que “nossos proponentes contemporâneos da posição liberal (...) ainda estão procurando por uma política (...) de uma comunidade com perspectiva compartilhada (...). O liberal não está disposto a viver com uma política de múltiplas comunidades”.

A consequência é que, a menos que estejam preparados para manter uma separação radical como os judeus amish ou hassídicos, indivíduos com convicções religiosas profundamente arraigadas são forçados em muitos aspectos a normas da cultura circundante. Essa cultura, por sua vez, torna-se cada vez mais superficial, porque não é permitido evocar as profundas motivações da vida. 

Motivo para esperança 

Mas nem tudo está perdido. Não precisamos nos debruçar em uma época em que um protestantismo genérico e superficial era aceito pela maioria dos americanos. Na cena contemporânea, apesar da hegemonia cultural de um secularismo intolerante, elementos sociais para a construção de instituições e comunidades alternativas vigorosas não são de modo algum ausentes. De fato, elas foram estimuladas pelo colapso do domínio cultural “judaico-cristão” do pós-guerra. O desafio é dar apoio político a esse rico pluralismo de convicções. 

Aqui poderíamos olhar proveitosamente para o exemplo da Holanda. No século XIX, a sociedade holandesa estava perturbada por décadas de conflitos sobre as escolas. Protestantes e católicos resistiram vigorosamente aos esforços das elites liberais para impor um conjunto comum de crenças através das escolas operadas pelo governo local. 

A solução que trouxe uma “pacificação” permanente foi a adoção do pluralismo estrutural na educação (e em outros setores da vida social e cultural) que permitiu aos educadores fornecerem educação baseada em uma variedade de visões de mundo – e deu aos pais o direito de escolher entre aquelas escolas sem ônus financeiro. 

Hoje, cerca de 70% das crianças holandesas frequentam escolas que não são operadas pelo governo. Os resultados acadêmicos são fortes e a educação não é um ponto focal de conflito político. 

Podemos ver algo assim começando a surgir nos Estados Unidos, embora sem o tipo de lógica coerente que foi articulada, no caso da Holanda, por Abraham Kuyper e outros estadistas teologicamente sofisticados. A disposição de muitas legislaturas estaduais de adotar políticas como vouchers e créditos fiscais que permitem às famílias escolherem escolas baseadas na fé é, em grande parte, uma reação à demanda de minorias religiosas por alternativas educacionais. 

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As políticas públicas de apoio ao pluralismo estrutural nas escolas são capazes não apenas de reduzir o conflito político e cultural tão evidente, mas também de permitir que escolas sejam mais eficazes no desenvolvimento do caráter e da cidadania. Níveis aprimorados de confiança resultantes da escolha voluntária das famílias para frequentar uma determinada escola, e de serem orientados por professores que compartilham um compromisso com a missão explícita da escola, também podem ter um efeito mensurável nos resultados acadêmicos. 

Em Chicago, por exemplo, “escolas que relataram fortes níveis positivos de confiança em 1994 tinham três vezes mais chances de serem classificadas como melhores em leitura e matemática do que aquelas com relatórios de confiança muito fracos”. 

Aqueles que se opõem que as escolas financiadas por fundos públicos sejam autônomas e, em alguns casos, tenham um caráter religioso, gostam de argumentar que o efeito de tais políticas será dividir ainda mais a sociedade. Eles têm argumentado isso por quase duzentos anos, apenas para serem desmascarados repetidamente por experiências reais. 

A remoção de uma fonte importante de conflito social e cultural tem, na verdade, o efeito oposto, permitindo que os cidadãos concentrem sua cooperação em esferas da vida pública, onde diferenças religiosas não estão em questão. 

A maioria das outras nações com níveis avançados de escolaridade universal fornece apoio público a escolas religiosas, sem dano evidente ao seu tecido social e com consideravelmente menos conflitos sobre a escolaridade do que ocorre nos Estados Unidos. 

Certamente chegou a hora de uma “pacificação” americana similar, através da adoção do pluralismo de princípios como estrutura fundamental e equitativa do sistema educacional. 

*Charles L. Glenn é Professor Emérito de Liderança Educacional e Estudos de Políticas na Universidade de Boston. 

©2018 The Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês.

Tradução: Andressa Muniz.

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