Reportagem atualizada em 13 de setembro de 2018, às 10h26.
O ensino domiciliar no Brasil, conhecido como homeschooling, não deve ser admitido no Brasil enquanto o Congresso não editar uma lei que regulamente a prática. Esse foi o entendimento da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre recurso que pedia o reconhecimento legal da educação em casa. O julgamento teve votos de dez ministros, nove dos quais consideraram, nesta quarta-feira (12), que o ensino domiciliar, por enquanto, não pode ser considerado um meio lícito de cumprimento do dever de prover a educação. Luís Roberto Barroso, relator da matéria, apresentou seu voto na semana passada, sendo o único a considerar o ensino em casa um direito constitucional dos pais, considerando a obrigação da matrícula escolar “um certo tipo de paternalismo”.
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A educação domiciliar foi negada pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. O ministro Celso de Mello não votou. Os ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski entenderam que o homeschooling é inconstitucional. Fachin divergiu parcialmente do relator, e propôs dar um ano para o Congresso legislar sobre o assunto, mas foi vencido. Os outros ou consideraram que a Constituição Federal é silente sobre o tema ou que a norma não veda a prática, mas que faltaria regulamentação para que fosse adotada amplamente.
Alexandre de Moraes, que abriu a divergência que prevaleceu entre os ministros, reconheceu o direito dos pais de cuidar da educação das crianças, em parceria com o Estado, como está previsto nos artigos 205 e 227 da Constituição. Lembrou ainda que o artigo 226 garante a liberdade dos pais para estabelecer o planejamento familiar e ressaltou que só em estados totalitários a família é afastada da educação dos filhos.
Porém, para o ministro, antes de ser considerado legal, o ensino domiciliar precisa passar pelo parlamento para que sejam estabelecidos requisitos de frequência, de avaliação pedagógica e de socialização para que a evasão escolar seja evitada.
“O Brasil é um país muito grande e muito diverso. Sem regulamentação, sem legislação específica que estabeleça a obrigatoriedade de frequência e de fiscalização, receio que nós voltemos a ter grande problemas de evasão escolar. Se não aguardarmos a regulamentação congressual discutida, detalhada e que obrigue o executivo, nós certamente teremos evasão escolares disfarçadas de ensino domiciliar”, observou Moraes.
O voto do ministro Luiz Fux foi um dos mais críticos à prática do ensino feito apenas em casa. Em primeiro lugar, ressaltou que, na visão dele, a Constituição não considera a educação familiar uma opção, pois estabelece uma série de regras gerais sobre o ensino que não abrangem essa modalidade. Depois, Fux citou os possíveis abusos que o homeschooling poderia permitir, como o acobertamento de violência domiciliar e o enrijecimento moral, dando margem a radicalismos.
“Fui promotor de Justiça e conheci famílias opressoras”, afirmou Fux. “Fui buscar dados e encontrei alguns alarmantes: 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos”, frisou. Citando Rita Hipólito, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, lembrou que “o educador pode quebrar o ciclo de violência contra a criança”.
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Um dos primeiros objetivos da educação, acrescentou Fux, mencionando outros autores, “é preservar os filhos dos seus pais”. “A escola ensina muito mais do que os conteúdos ensinados nela, ajuda a conviver com pessoas que não gostamos e aprendemos a respeitar”, leu ao proferir o seu voto.
Na semana passada, o relator do processo, o ministro Barroso, ao dar o seu voto pelo reconhecimento da legalidade do homeschooling, frisou que, na opinião dele, o homeschooling seria constitucional por ser compatível com as finalidades e valores da educação expressos na Constituição de 1988. Ele rebateu as principais críticas ao modelo, como a falta de convivência e a possibilidade de precarização do ensino. “Nenhum pai ou mãe faz essa opção, que é muito mais trabalhosa, por preguiça ou capricho”, disse.
No seu voto vencido, Barroso sugeriu apenas algumas regras para a regulamentação da matéria, como a necessidade de notificação das Secretarias Municipais de Educação; a existência de avaliações periódicas e a volta à escola caso seja comprovada a deficiência na formação acadêmica.
O Recurso Extraordinário 888815, com repercussão geral reconhecida, teve origem em um mandado de segurança impetrado pelos pais de uma menina, então com 11 anos em junho de 2016, contra a Secretaria de Educação do município de Canela (RS). As autoridades municipais negaram a possibilidade da criança ser educada em casa e orientaram a família a refazer a matrícula da filha na rede regular de ensino.
Histórico
No Brasil, o ensino domiciliar remonta aos tempos do Império, quando era visto como um diferencial. O cenário mudou efetivamente com a Constituição de 1988, que estabeleceu o provimento da educação como um dever do poder público.
Além da Constituição, o homeschooling, que encontra amparo legal em mais de 60 países, esbarra também no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Penal. Este último, aliás, prevê punição aos pais adeptos do ensino domiciliar por abandono intelectual, sob pena de multa ou detenção – que pode variar de 15 dias a um mês.
Mesmo assim, desafiando a legislação, de acordo com Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), 7 mil famílias ensinam seus filhos em casa no Brasil.
No mundo, a Associação de Defesa Legal da Escola Doméstica (HSDLA, na sigla em inglês) estima que nos Estados Unidos, onde o movimento existe há mais de 40 anos mais de 2 milhões de alunos em idade escolar sejam educados em casa. Já na América Latina, países como México, Argentina e Uruguai se destacam pela interpretação de leis que tornam equivalente o poder da família e o do Estado sobre a educação.
No Congresso, uma tentativa de regulamentação do homeschooling, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 444, de 2009, chegou a tramitar na Câmara dos Deputados, mas após idas e vindas pelas mesas e comissões, acabou sendo arquivada em 2015.
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