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A depender das intenções do Ministério da Educação, a eleição de reitores é um dos temas que têm maior potencial para gerar quedas de braço entre o novo governo e as universidades federais. O Executivo está disposto a não escolher o nome mais votado da lista tríplice em alguns casos, o que quebraria um costume potencializado no governo Lula. Mas, apesar da possível reação em algumas alas da academia, a medida é perfeitamente legal e, pelo menos em alguns casos, justificável.

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No regime militar, que Jair Bolsonaro elogia com entusiasmo, a escolha dos reitores das universidades federais cabia apenas ao governo, sem qualquer tipo de consulta à comunidade acadêmica. Por vezes, o escolhido era alguém sem familiaridade com a instituição de ensino que chefiaria. Uma mudança significativa no modelo de indicação só surgiu em 1995, quando uma lei federal definiu que as próprias universidades promoveriam eleições. Os três nomes mais votados seriam submetidos ao presidente da República, que indicaria um deles para assumir o posto. A regra estabelecia ainda que os professores deveriam ter pelo menos 70% de peso nas votações.

Desde o governo Lula, a praxe é optar pelo primeiro nome da lista tríplice, sem a obediência, nas consultas à comunidade, do peso de 70% para os professores. Bolsonaro, que enxerga as universidades como instrumento de grupos de esquerda que se opõem a seu governo, não pretende manter a tradição.

E este é um direito dele.

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As universidades públicas têm autonomia, mas isso não significa total independência. Elas devem satisfações ao contribuinte, que banca a (salgada) conta dessas instituições de ensino, e aos representantes eleitos pelo voto popular. Professores, funcionários e alunos ingressam por concurso, e não por sufrágio. Por isso, é razoável considerar que o governo federal deve ter sua palavra no processo de sucessão dos reitores.

O professor de Direito da Universidade de São Paulo Elival da Silva Ramos diz que a postura do novo governo é legal. “Juridicamente, não há qualquer problema. Se o governo optar por um nome que não seja o mais votado da lista tríplice, não há o que ser questionado”.

O costume de nomear o candidato mais votado pode ser elogiado por respeitar a autonomia universitária. Em princípio, professores, funcionários e estudantes conhecem melhor a realidade do campus do que os burocratas de Brasília. Por outro lado, quando grupos políticos se apropriam do processo eleitoral e impedem o livre debate de ideias, não seria o caso de o governo federal participar de forma mais ativa?

Países desenvolvidos adotam soluções diversas para a indicação dos dirigentes de universidades públicas. Mas, no geral, a participação do poder público é praxe.

Nos Estados Unidos, que tem as melhores instituições de ensino do mundo, as grandes universidades públicas são geridas pelos estados. A do Michigan, uma das maiores e mais prestigiadas, preenche seu cargo mais alto (equivalente ao reitor) em votação do conselho da entidade, que por sua vez é eleito em votação aberta à população geral, a cada dois anos. A Universidade da Califórnia, que controla instituições como Berkeley e a UCLA, tem seu presidente indicado diretamente pelo governador. A Universidade Estadual de Nova York (SUNY) elege seu dirigente máximo por meio de um conselho com 18 membros – 15 deles nomeados pelo governador.

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Não é absurdo, portanto, que o governo tenha a palavra final. Para o professor Elival, entretanto, a legitimidade jurídica não significa que o governo não terá problemas. O abuso desse direito pode gerar atritos desnecessários. “O importante é que a decisão seja bem-fundamentada e explicada, e que o escolhido tenha tido um percentual de votos que lhe dê legitimidade”, diz ele.

Os professores já dão sinais de insatisfação. Eblin Farage, secretário-geral do Sindicato dos Docentes do Ensino Superior (Andes), criticou a possibilidade de escolha. Em janeiro, quando o tema veio à tona, ele disse que haverá “enfrentamentos” caso o governo não escolha o mais votado nas listas tríplices. “As consultas já são ações limitadas e pouco democráticas e nenhum governo mudou isso. Nós vamos fazer os enfrentamentos necessários para garantir que as consultas sejam respeitadas”, disse ele, em declaração divulgada pela entidade.

Há outro obstáculo de natureza prática aos planos de Bolsonaro: é comum que os concorrentes façam um acordo de cavalheiros para não aceitar a nomeação caso o presidente desrespeite a ordem de votação. O costume pode ganhar força como uma forma de enfrentamento ao governo.

Métodos alternativos

Durante a transição, o grupo de trabalho de Bolsonaro discutiu mudanças significativas no formato de eleição de reitor e acabar com o sistema de lista tríplice. Um dos objetivos seria profissionalizar a escolha. “No mundo todo se fazem comitês de busca, e em alguns países o reitor passa também por um processo de avaliação por conselhos ou por elementos ligados à educação do governo. A gente tem como evoluir nesse quesito", afirma Stavros Xanthopoylos, professor da Fundação Getúlio Vargas e um dos coordenadores do programa de governo na área de educação.

O sociólogo Antonio Flávio Testa, que também participou do grupo de trabalho de Bolsonaro, diz não ter opinião formada sobre uma mudança no sistema de eleição. Ele afirma, entretanto, que em muitas universidades a votação para reitor não seleciona o nome mais preparado, mas o que tem mais capacidade de mobilizar militâncias partidárias. “A maioria das universidades estão aparelhadas contra o governo Bolsonaro. Não digo todas, mas a maioria. E as eleições são um jogo político, com filigranas que fazem com que o jogo seja direcionado por quem tem o controle”, afirma.

Uma mudança mais radical no modelo de sucessão, entretanto, exigiria o aval do Congresso Nacional via projeto de lei. E esta batalha não está entre as prioridades do governo.

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