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O medo dos totalitarismos do século 20 levou as escolas públicas a uma neutralidade excessiva, levando ao outro extremo, a um relativismo fraco onde se tudo vale, nada vale. As únicas que mantiveram uma busca pela formação do caráter e o ensino do mínimo de valores para viver de forma saudável em sociedade foram as instituições de ensino vinculadas a alguma religião.

A opinião é de Charles L. Glenn, pesquisador e professor emérito na Universidade de Boston e membro do Comitê Consultivo do Estado de Massachusetts para a Comissão Americana de Direitos Civis. Por isso, ele acredita que os todos os governos deveriam apoiar essas instituições, como já ocorre em muitos países.

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“Escolas com perfil religioso, por não terem que satisfazer todos os pais, são livres para serem muito mais consistentes em relação à sua missão educacional”, garante. Em entrevista, o pesquisador explica quais são as vantagens das escolas confessionais em relação às escolas laicas.

Como a educação em uma instituição religiosa difere da educação em uma escola laica?

É importante fazer distinção entre instrução (ensinar habilidades e conhecimentos) e educação (ensinar valores e formar caráter). Todas as escolas de qualidade adequada oferecem instrução, mas as escolas públicas comuns em uma democracia pluralista têm dificuldades em oferecer educação, uma vez que elas não podem se apoiar em valores compartilhados. Não era assim no século 19 e começo do século 20, quando as escolas públicas em muitos países (incluindo o Brasil) tinham objetivos de instrução modestos, mas altas expectativas educacionais, acima de tudo para “formar cidadãos”.

Atualmente, a educação (ensinar valores e formar caráter), na maioria das vezes, se torna uma mera retórica por uma série de motivos: reação pós-guerra contra doutrinação em regimes fascistas e comunistas, pluralismo radical de normas culturais e sexuais, medo de críticas sobre “insensibilidade” e expectativas muito mais altas de resultados em desempenho. Como consequência, a escola pública comum é geralmente forçada a buscar o denominador comum mais baixo em relação ao respeito a valores, apenas um pouco além da expectativa de tolerância. Isso, por si só, é algo bom, mas não é uma base adequada para uma vida de participação de princípios na família e na sociedade.

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Nesse sentido, em se tratando de formar cidadãos, as escolas confessionais estariam na frente em relação às escolas laicas? Por quê?

Frente à perda de força nas escolas laicas em relação à educação, escolas com perfil religioso, por não terem que se adequar a todos os pais, são livres para serem muito mais consistentes em relação à sua missão educacional, desde que elas também alcancem os mesmos resultados de aprendizagem que as escolas públicas locais. Elas podem insistir que os professores compartilhem os valores que a escola está buscando promover entre os estudantes, enquanto as escolas laicas não podem, e elas podem (e devem) ser transparentes com os pais sobre a sua compreensão da natureza de uma vida humana próspera que será transmitida às crianças.

Devo acrescentar que esse cenário pode se dar ainda em escolas particulares sem um perfil religioso explícito, mas com foco pedagógico forte, como as do sistema Montessori, baseado em valores coerentes, e também pode ser verdadeiro em algumas escolas públicas com políticas que permitem uma missão educacional específica e escolha parental. Esse tem sido o apelo de escolas públicas charter nos Estados Unidos e sistemas equivalentes na Inglaterra, Suíça, entre outros.

Considerando as escolas confessionais privadas, por que o governo e legisladores deveriam subsidiar a educação nessas instituições? Há países em que tais políticas já mostram resultados positivos?

Na maioria das democracias ocidentais, o governo oferece verba pública para escolas com perfil religioso, de acordo com o número de famílias que as escolhem. As disposições para que isso ocorra são diversas. Eu e meu colega belga Jan De Groof publicamos um trabalho dividido em quatro volumes, com capítulos sobre 65 sistemas educacionais nacionais (incluindo o Brasil, que é particularmente complexo), detalhando em cada caso a extensão em que os pais são livres para escolherem as escolas que os filhos frequentam, sem considerar a sua capacidade de pagar mensalidades, até onde os educadores têm autonomia para delinear escolas específicas e de que formas o governo busca garantir que toda criança receba instrução adequada.

Em alguns países, como Canadá, Estados Unidos e Itália, as disposições para apoiar escolas confessionais variam entre estados e províncias, enquanto que em outros essa é uma questão de política nacional. Na França, Espanha e Portugal, por exemplo, o governo estabelece contratos com essas escolas, enquanto nos Países Baixos, Austrália e outros países elas são financiadas com base em atender os padrões do governo. Também há alguns países que não oferecem apoio público a essas escolas.

Um efeito positivo para apoiar educação alternativa que responde às demandas dos pais é uma redução drástica de conflitos em relação aos valores ensinados nas escolas; os holandeses se referem à decisão de 1917 para oferecer financiamentos iguais para escolas confessionais e laicas como “a Pacificação”, após sete décadas de conflitos políticos amargos.

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Com o envolvimento do governo no ensino privado por meio de políticas públicas, como impedir o governo de secularizar as escolas confessionais?

O perigo real é a perda de coragem por parte das escolas confessionais e das próprias agências sociais. Por exemplo, ninguém exigiu que, com financiamento público, Harvard perdesse seu caráter religioso – eles fizeram isso sozinhos, assim como Yale. E isso é verdade para muitas escolas católicas, episcopais e outras nos Estados Unidos: elas basicamente se afastaram de qualquer distinção. Então eu acredito que um perigo maior é o que eu chamaria de “capitulação preventiva”, ou se render antes mesmo que o governo pedisse.

Acredito que escolas que são muito claras sobre o que elas representam têm uma boa chance de manter sua identidade distinta. Esse tem sido o caso na Holanda, onde 70% das crianças frequentam escolas particulares e onde as escolas particulares são regulamentadas exatamente da mesma maneira que as escolas públicas. Algumas dessas escolas privadas são indistinguíveis das escolas públicas, mas muitas delas são muito distintas. Isso realmente depende do que a escola faz, não do que o governo faz.

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