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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

“Gostaria que eu tivesse a oportunidade de passar mais tempo com Charlotte”, a professora me disse com as sobrancelhas levemente franzidas. “É difícil que ela faça amigos quando não passa muito tempo aqui.”

Estávamos sentados em uma mesa de tamanho para crianças, estranhamente empoleirados em pequenas cadeiras de plástico azuis. Era dia de conferência entre pais e professores, e eu tremia um pouco na sala de aula não aquecida.

Sorri para ela porque sabia que suas intenções eram boas, mas não precisava ser lembrada de quão valiosa é a inclusão; todo mundo, desde a professora da minha filha autista até o diretor de sua escola, derramou poesia sobre mim a respeito de seus méritos ao longo dos dois últimos anos. Todos concordam que é o melhor para ela. Sou a única que parece perceber o quão dolorosa a inclusão é na prática.

Os colegas da minha filha se beneficiaram de tê-la em sua classe. Quando ela tem ataques, eles se reúnem ao seu redor e fazem o seu melhor para consolá-la – embora isso seja exatamente o que ela não quer.

Seria fácil que minha filha se perdesse no sistema escolar. Ela não é uma sabichona cheia de maneirismos e não requer apoio intensivo. Ela é uma garotinha que adora My Little Pony e gatos, e que desliga quando fica sobrecarregada. A maior parte do tempo ela se senta quieta em um canto da sala com sua cabeça virada para parede e seu rosto escondido por seus cabelos. Ataques na escola são raros, e quando eles acabam ocorrendo sua professora reage com surpresa, como se fosse a primeira vez. Ela esquece que minha filha acumula sua ansiedade e estresse dentro de si. Mas quando Charlotte chega em casa, ela estoura como uma mola que foi pressionada demais. Onde sua professora vê silenciosa conformidade, eu vejo uma bomba-relógio de sobrecarga sensorial.

Um olhar para o passado

Comecei a educação de minha filha pronta para ir à guerra por seu direito à inclusão. Li todos os estudos e artigos que me diziam que ela se beneficiaria da inclusão, e insisti que ela tivesse uma auxiliar com ela na sala de aula comum, em vez de ser lecionada em um ambiente de educação especial separado. Cheguei a trabalhar com a equipe de educação especial de sua escola perto de casa para que fosse transferida para outra escola com um programa de inclusão desenhado especificamente para crianças autistas.

Na pressa de incluir todo mundo, ninguém criou uma opção para crianças como a minha filha, que não se beneficiam nem da inclusão nem de ambientes de educação especial separados.

Hoje minha filha frequenta uma escola pública alternativa em que pais plantam tulipas em canteiros de madeira na primavera e os corredores são decorados com vilarejos indígenas cuidadosamente feitos por minúsculas mãos. A escolhi porque queria que minha filha tivesse a melhor educação que eu podia imaginar, mas também porque me disseram que nessa escola ela podia participar como qualquer outra criança. Quando lembro minha filha a respeito de todos esses projetos incríveis, ela dá de ombros. “Não são My Little Pony”, me diz.

Os colegas da minha filha se beneficiaram de tê-la em sua classe. Quando ela tem ataques, eles se reúnem ao seu redor e fazem o seu melhor para consolá-la – embora isso seja exatamente o que ela não quer. Eles a convidam para brincar e a incluem em seus projetos e jogos, mas Charlotte só quer brincar com pôneis e gatinhos, e eles estão no terceiro ano agora. Cada vez menos crianças querem brincar com isso, e ela prefere brincar sozinha a experimentar novas brincadeiras.

As primeiras poucas vezes que vi minha filha sentada sozinha na mesa do almoço, isso quebrou meu coração. Ralhei contra a crueldade das crianças que a excluíram por ser diferente. Estava enraivecida com os funcionários do refeitório que não fizeram nada para ajudá-la. Mas um dia perguntei à minha filha porque ela estava sempre sozinha no almoço. “Ninguém mais senta naquela mesa”, ela me disse. “Gosto de ficar sozinha.” Minha filha não estava desesperada para fazer amigos; ela estava procurando um minúsculo oásis de isolamento naquele refeitório lotado.

Charlotte não tem timidez de me contar o que odeia a respeito da escola. Ela não gosta de ir à escola porque há muitas pessoas em sua sala de aula. Olho em seus grandes e sinceros olhos castanhos e lembro do seu rosto aterrorizado quando, ainda praticamente um bebê, ela não conseguiu aguentar uma ida a uma loja de departamentos sem gritar “pessoas!” e implorar para que a levasse para o lado de fora. Não sei qual a sensação de se ser ela, encolhendo-se de sofrimento sensorial, mas sei que a sala de aula inclusiva por que lutei tão duro não é a panaceia que eu esperava que fosse.

[Na terapia] Levou ainda menos tempo para que ela finalmente aprendesse a ler. Ela fez mais progresso acadêmico em 12 semanas de meio período na escola do que nos dois anos anteriores somados.

O impulso para a inclusão veio de um desejo desesperado de eliminar ambientes de educação especial separados para crianças autistas superlotados e frequentemente intoleráveis. Se crianças autistas não podem passar seus dias com seus pais, faz sentido incluí-las. Algumas crianças prosperam no ambiente de educação comum, mas minha filha não é de maneira alguma a única criança autista que desliga e emudece na escola, para depois explodir em casa. Na pressa de incluir todo mundo, ninguém criou uma opção para crianças como a minha filha, que não se beneficiam nem da inclusão nem de ambientes de educação especial separados. Não há nenhum ambiente com grupos pequenos bem como currículo e apoio individualizados disponível, embora seja disso que ela precisa para aprender e prosperar. Há apenas duas opções, cada uma das quais vem com seus próprios problemas e preocupações.

Dei dois anos à inclusão antes de jogar a toalha. Cortei o tempo de permanência da minha filha na escola para meio período, e reduzi o tempo que ela passa na sala de aula comum durante suas manhãs na escola. Ela passa suas tardes em um centro de terapia voltado para autistas, onde adora sua silenciosa sala de terapia e seu terapeuta, que também gosta de My Little Pony. Não levou muito tempo para que ela começasse a me dizer que gostaria que pudesse ir à terapia o dia todo em vez de à escola. Levou ainda menos tempo para que ela finalmente aprendesse a ler. Ela fez mais progresso acadêmico em 12 semanas de meio período na escola do que nos dois anos anteriores somados.

Uma semana depois da conferência, busquei minha filha na escola para levá-la à terapia. Havia uma figura em sua caixa de correspondência, um desenho de criança de duas garotinhas brincando com um gato de pelúcia branco. Perguntei à minha filha se ela tinha desenhado, mas ela acenou negativamente com a cabeça. Sua professora me falou que ela tinha brincado com uma garotinha chamada Daisy naquele dia, e Daisy nos contou com um sorriso tímido que ela desenhou a figura para Charlotte. Fiquei exultante, contente com essa evidência de que Charlotte está sendo incluída. Charlotte tem amigos.

Mas Charlotte já estava saindo pela porta, balançando o longo rabo branco de seu gato de pelúcia atrás de si.

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