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O pagamento de bônus por desempenho a professores da rede pública está de volta à pauta nacional e pode virar regra em todo o país num futuro próximo. 

Um projeto de lei que tramita no Senado institui um programa de bonificação aos professores da Educação Básica no nível federal. A proposta de autoria de  Wilson Matos (PSDB-PR) voltou a ganhar velocidade nos últimos meses e está, agora, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Se aprovado pela CAE, que ainda poderá ter duas reuniões neste ano, o projeto segue de volta à Comissão de Educação. De lá, a proposta, que tem caráter terminativo, pode seguir direto para a Câmara do Deputados.

A proposta já tem o aval do relator, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). De acordo com a proposta, cujo teor alteraria um artigo da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), seria concedido um bônus salarial aos professores conforme o desempenho de seus alunos nas avaliações anuais, realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). 

Conforme a proposta, o impacto financeiro estimado seria de R$ 952 milhões ao ano. No seu relatório, Buarque sugere que a verba venha de uma redução pequena na concessão de incentivos fiscais. O financiamento viria do cancelamento de 0,35% do valor previsto em incentivos para 2017. Os pagamentos começariam a ser realizados dois anos após a aprovação do projeto na Congresso. “Se reduzirmos os gastos tributários para 4,28% do PIB, seria possível arrecadar cerca de R$ 15 bilhões a mais todos os anos, o suficiente para financiar a concessão de bônus salarial aos professores, que foi estimado em menos de R$ 1 bilhão ao ano”, afirma o relatório. 

O projeto em tramitação dialoga com o programa de governo do PMDB, apresentado no projeto Uma Ponte para o Futuro. O plano deixa clara a intenção de implantar um sistema de bonificação nacional aos professores.

Em um trecho, o texto chega a afirmar que “o Governo Federal precisa de um protagonismo muito maior do que tem tido até hoje”. Entre os principais objetivos descritos no programa, consta o pagamento de um adicional à remuneração de todos os professores da Educação Básica, custeado pela União. Embora a reforma do Ensino Médio tenha sido concluída – e esse era um dos objetivos apresentados no documento –, nada foi feito por parte do Executivo até agora em relação à bonificação em âmbito nacional. As iniciativas estão partindo exclusivamente do Legislativo. 

Banco Mundial defende ideia

Em um estudo publicado em novembro, o Banco Mundial trouxe o assunto à tona novamente. No documento intitulado “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, os analistas da instituição financeira elegem o absenteísmo – a ausência dos professores na escola – como um dos vilões do avanço educacional. Segundo o estudo, os professores brasileiros usam 65% do tempo para ensinar, enquanto que, em outros países, os docentes chegam a atingir 85% nesse quesito. 

Como ponte para o aumento da qualidade da educação, o documento também apoia a adoção de programas de bônus por atingimento de metas em avaliações de conteúdo. Ambas os métodos já são praticados em alguns municípios estados brasileiros. No projeto do Senado, porém, o absenteísmo não entra nos critérios de avaliação. Os efeitos dessa prática meritocrática, no entanto, ainda divide opiniões entre especialistas, governos e sindicatos. Em alguns casos, os trabalhos acadêmicos são inconclusivos a respeito das consequências deste tipo de política. 

O que já existe no Brasil 

Se da parte do governo federal nada foi colocado em prática, alguns municípios e estados brasileiros vêm adotando sistemas de bonificação há alguns anos. Um exemplo de sucesso na implementação desse método é a cidade de Costa Rica (MS), que atacou de frente o problema do absenteísmo. Só neste ano, o município de 20 mil habitantes já distribuiu mais de R$ 1 milhão em bonificações aos professores mais presentes nas escolas. Foram pagos 14º e 15º salários pelo programa que funciona desde 2001 – interrompido entre 2008 e 2013. 

Em 2016, a prefeitura chegou a pagar 16º salários aos docentes menos ausentes. “O sucesso desse programa se deve em grande parte ao nosso Conselho Municipal de Educação, que é muito atuante. O número de atestados apresentados pelos professores para justificar ausência diminuiu bastante”, conta Dulcineia Rosa, assessora em educação de Costa Rica. Atualmente, a cidade é a melhor colocada do estado no ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em Anos Iniciais, e ocupa a 3ª posição em Anos Finais. 

Pernambuco

Em Pernambuco, um sistema de bonificação por desempenho das escolas foi criado em 2008. Pelo projeto, as escolas que atingem pelo menos 50% das metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de Pernambuco (Idepe) têm direito a uma recompensa em dinheiro. O valor, no entanto, é dado de forma proporcional ao alcance da meta estipulada. Segundo Severino Andrade, secretário executivo de Planejamento e Coordenação de Pernambuco, as cifras podem chegar a um salário a mais por professor. Neste ano, cerca de 70% do corpo docente estadual recebeu alguma verba adicional – no total, Pernambuco tem 37 mil professores ativos. Por causa do sistema, o contracheques dos professores pernambucanos tiveram um acréscimo de R$ 20 milhões em 2017. 

Embora o Estado tenha atingido bons resultados nas últimas avaliações do Ideb, como o salto para a 1ª colocação em 2015 na avaliação do Ensino Médio e a menor taxa de abandono deste mesmo período escolar, Andrade admite que há uma dificuldade em estabelecer uma correlação direta entre o bom desempenho escolar e o sistema de bonificações, mas acredita que o efeito esteja sendo positivo. “Concordamos com a ideia de que devem ser reconhecidos os bons resultados e buscamos melhorar as escolas em situações mais precárias, para que elas também possam alcançar as metas”, diz o gestor pernambucano. 

Para o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), o programa de bonificações é prejudicial à educação e nocivo aos profissionais das escolas. De acordo com Heleno Araújo, diretor educacional do Sintepe, o projeto “não trata a situação real da educação” e, no Estado, há um tratamento diferente para cada unidade escolar. “Há muita diferença de infraestrutura entre as escolas, não há igualdade competitiva entre elas. Outro ponto é que o programa tem um processo difícil de entender. A bonificação cria uma ansiedade nos profissionais que é prejudicial ao ambiente escolar. O avanço da educação em Pernambuco se deve a outros fatores, e não aos sistema de bonificações”, ressalta Araújo. 

Segundo o representante da categoria, o governo pernambucano realiza uma manipulação dos dados divulgados publicamente. Ele afirma que o sindicato já levou as denúncias ao Ministério Público. As queixas, porém, nunca se transformaram em um inquérito por parte do órgão público. Araújo cita um exemplo dos números sobre evasão escolar. Segundo a entidade, o governo divulga dados referentes ao mês de maio, quando a debandada de alunos é menor em relação aos primeiros meses do ano letivo. Para Araújo, o Estado deveria investir, principalmente, na infraestrutura das escolas. “O ideal seria se todas as escolas tivessem a mesma estrutura física para atender os alunos”, afirma. 

Espírito Santo

Criado em 2009, o sistema de bonificação do Espírito Santo adota, além do critério de notas na avaliação estadual, um acompanhamento da presença dos professores na escola. Na avaliação coletiva, os docentes recebem um adicional que pode chegar a um salário. A cifra é proporcional ao percentual atingido na meta.

Já na avaliação individual, é levada em conta a presença dos profissionais na escola. A cada falta ao trabalho, mesmo que justificada, o funcionário perde 10% da bonificação coletiva. Isto é: caso um professor trabalhe em uma escola onde a meta foi 100% atingida e ele tenha se ausentado 10 dias do ano letivo, o docente não recebe bonificação. “Nosso modelo tem essas particularidades porque se trata de um prêmio, e não de salário”, explica Haroldo Rocha, secretário da Educação do Espírito Santo. 

O programa de responsabilização dos professores do ES foi moldado pelo especialista em educação Francisco Chagas, ex-secretário executivo do Ministério da Educação. Contratado para uma consultoria ao governo, Chagas levou em consideração diversos fatores durante a construção do modelo adotado no Estado. O programa de bonificação do ES leva em conta a particularidade socioeconômica e estrutural de cada escola, o que impede, segundo Rocha, possíveis injustiças na distribuição das premiações. “Nosso sistema não permite que a escola cometa fraudes para se beneficiar. A escola que tentar burlar vai ficar com zero na avaliação”, defende o secretário. 

Em 2017, o ES já pagou R$ 19,3 milhões em bonificações aos funcionários da educação. Dos 20 mil funcionários ativos no Estado, 13 mil foram contemplados pelo programa. Segundo Rocha, já é possível notar uma melhora na presença dos profissionais da educação na escola. No Ideb, o ES atingiu a nota de 3,7 em 2015, ante 3,4 na avaliação anterior, divulgada em 2013. 

Para Ildebrando José Paranhos, secretário de comunicação e divulgação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), há uma insatisfação geral dos docentes com o programa de bonificações criado pelo governo. “O bônus, na verdade, tira um direito do trabalhador. O governo não teve coragem de aprovar o programa por meio de Projeto de Lei e o implantou através de uma portaria”, critica o sindicalista. Paranhos diz que a categoria exige a priorização do reajuste salarial, que não ocorre há três anos. “Mesmo faltando com com atestado médico, o funcionários perde parte do bônus. Quem tira licença de forma legal também não ganha. Então, o governo coloca com uma mão e tira com a outra”, justifica Paranhos. 

Outros estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, também dão algum tipo de sistema de bonificação aos profissionais da educação. Em abril deste ano, o governo paulista pagou R$ 290 milhões aos seus funcionários. No total, cerca de 200 mil servidores foram beneficiados pelo programa. No Rio de Janeiro, em julho, foram pagos R$ 60 milhões em premiações. Dezenove mil professores da rede estadual carioca receberam valores adicionais.

Bônus: positivo ou negativo? 

Alguns estudos acadêmicos que analisaram os efeitos da política de bonificação apontaram avanços em certas etapas da Educação Básica. Mas grande parte das pesquisas chegaram a conclusão de que as bonificações têm tido efeito nulo ou, em alguns casos, até mesmo negativo. “Ainda que exista algum impacto positivo em certos casos, ele seria no máximo modesto. Pode funcionar em certos casos, mas depende do contexto da educação local”, sustenta Reynaldo Fernandes, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Fearp-USP), especializado em Economia da Educação. 

Um estudo acadêmico feito pelos pesquisadores Cláudia Oshiro, Luiz Guilherme Scorzafave, ambos da USP, analisou os resultados da Prova Brasil de 2005 a 2011 em escolas de São Paulo. A pesquisa identificou efeitos positivos do programa de incentivo de professores nas notas do 5º ano do Ensino Fundamental em 2009 – de 6,3 pontos em Matemática e de 2,6 pontos em Língua Portuguesa. Este dado, no entanto, foi o único a ser comemorado na investigação. 

No mesmo trabalho, os pesquisadores concluíram que houve “forte decaimento entre 2009 e 2011”. Em alguns casos, ainda em 2009, observou-se ausência de efeito da política. Para 2011, praticamente todas as estimativas confirmaram um impacto negativo. Os pesquisadores, porém, ressaltam que o efeito a longo prazo pode ser diferente. 

Um dos efeitos colaterais nocivos da política de bonificação, de acordo com a mesma pesquisa, é o risco de ocorrer o chamado “teaching for the test”, na tradução livre, “ensino para os testes”. Segundo os pesquisadores, na prática, os professores acabam focando nos conteúdos que são cobrados nas avaliações definidas como critério da premiação. A consequência desse comportamento pode resultar em uma redução da carga didática de disciplinas que não entram na avaliação do bônus. “Investigar a prática ou não desse tipo de comportamento no sistema paulista também é um item importante na agenda de investigação do tema”, sugere o estudo. 

Um trabalho de dissertação de mestrado da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), de autoria de Denise Medeiros, também concluiu que as medidas de bonificação implementadas no Rio de Janeiro não surtiram efeitos positivos. A pesquisa analisou as práticas gestoras de oito escolas estaduais do município de Valença e concluiu que o programa “não causou grandes modificações nas práticas gestoras das escolas, gerou apenas uma maior preocupação com o atingimento das metas”, afirma a pesquisa. 

Uma consequência constatada no trabalho foi de que os gestores escolares passaram a se preocupar em convencer os pais da importância de se atingir as metas. A mestranda também concluiu que o incentivo financeiro é importante para modificar algumas práticas, mas que, isoladamente, o programa “não garante o alcance dos objetivos, visto que, sem a formação continuada, o gestor não atua como agente e ator da política”. 

De acordo com a pesquisadora em educação Andréia da Silva, em artigo publicado na Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE), um dos efeitos negativos da política paira sobre a possibilidade de as escolas não aplicarem provas aos alunos mais fracos. O objetivo da fraude seria o de não diminuir as notas nos testes avaliativos. Além disso, segundo o estudo, as instituições de ensino “passam a se preocupar menos com as séries que não são avaliadas” e ocorre uma insatisfação dos professores em razão da pressão criada em torno do prêmio. 

Em outubro, o relatório de monitoramento global divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) também pendeu para o lado nocivo da política de premiação. O documento define os programa como injustos e não construtivos. Ele cita como exemplo a Indonésia, onde quase metade do absenteísmo dos professores, entre 2013 e 2014, ocorreu devido à concessão de tempo livre para estudo, sem que o governo tivesse garantido professores substitutos. 

A entidade também menciona o caso de Senegal, local em que apenas 12 dos 80 dias escolares perdidos em 2014 foram ocasionados por professores que se esquivaram de suas responsabilidades. “As pessoas não podem ser responsabilizadas por resultados que dependem das ações de outros”, salienta o documento. Para Unesco, a responsabilização deve começar com os governos.

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