• Carregando...
Exame da UFJF trata origem laboratorial da Covid como teoria conspiratória e traz carga ideológica
Nos dois módulos do vestibular da UFJF realizados neste ano foram identificados conteúdos ideológicos| Foto: Alexandre Dornelas/UFJF

A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), de Minas Gerais, aplicou as provas de vestibular do módulo II do Programa de Ingresso Seletivo Misto (Pism) nos 26 e 27 de junho para 12 mil candidatos, e algumas das questões continham carga ideológica. Eram dois cadernos de exames, e um dos textos citados fazia referência à possível origem laboratorial da Covid-19 como uma “teoria da conspiração”. A hipótese, entretanto, é objeto de investigação por cientistas e autoridades de vários países.

>> NOVIDADE: faça parte do canal de Vida e Cidadania no Telegram

No primeiro texto da prova de Língua Portuguesa da UFJF, intitulado “A psicologia explica por que as pessoas acreditam em teorias conspiratórias sobre o coronavírus”, narra-se que várias teorias conspiratórias estão circulando sobre como a Covid-19 avançou em todo o planeta. Ao lado de hipóteses inusitadas, como “a pandemia de covid-19 foi provocada pelas torres de telefonia 5G” e “máscaras de proteção ativam o vírus”, a questão cita a criação do vírus em um laboratório chinês, em uma referência acompanhada por uma ilustração com as palavras “fake news”.

A origem da Covid-19 é bastante incerta. Antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificar a crise de saúde como uma pandemia, o discurso majoritário entre a comunidade científica era de que um vírus que habita em morcegos teria dado início às contaminações em humanos. Porém, nos últimos meses, diversos cientistas renomados e autoridades de diferentes países têm investigado mais a fundo a trajetória do vírus até os humanos, e a hipótese de o vírus ter escapado do Instituto de Virologia de Wuhan, na China, não está descartada.

Em maio deste ano, o presidente norte-americano Joe Biden estabeleceu o prazo de três meses para que os serviços de inteligência do país aprofundem as investigações e elaborem um relatório sobre as origens da Covid-19 com uma conclusão a respeito de o vírus ter escapado de um laboratório no país asiático ou ter surgido a partir de causas naturais.

No início de maio, o jornalista Nicholas Wade publicou um extenso artigo com o tema “Origem da Covid-19” (traduzido pela Gazeta do Povo), no qual cita evidências que reforçam a hipótese de o novo coronavírus ter escapado de um laboratório em Wuhan.

No dia 26 de maio, o Facebook – que por mais de um ano penalizou usuários que fizeram publicações a respeito da possível origem laboratorial – alterou suas políticas e determinou que não iria mais apagar postagens que tratem de a Covid-19 ter sido criada pelo homem até que fossem feitos mais estudos a respeito da origem do novo coronavírus.

Mesmo assim, o texto presente na prova da UFJF crava: "A realidade é que a covid-19 foi provocada por causas naturais (...)".

Racismo institucional e violência

Os cadernos de prova trazem outras referências discutíveis. Em uma das questões - da disciplina de Geografia -, cita-se que o encarceramento de negros tem a ver com racismo institucional, deixando de lado qualquer análise técnica a respeito de as prisões terem ocorrido a partir de crimes praticados, independentemente do aspecto racial.

Na disciplina de Literaturas, pede-se aos candidatos que expliquem a “denúncia” presente na letra de uma música apresentada na prova, a qual faz uma série de alusões à violência. A canção é "Capitães de Areia", de Baco Exu do Blues.

“Garrafas quebrando, as drogas, os conflitos
As luzes da cidade, batuque, tiro
Gemidos, briga é um caos tão bonito
(...)
Eu tô brindando e assistindo
Um homofóbico xenófobo apanhando de
Um gay nordestino
Eu tô rindo
Vendo uma mãe solteira espancando o PM
Que matou seu filho
Me olho no espelho, vejo caos sorrindo
O karma sorrindo
Eu nasci no dia que viram a raiva parindo”

Módulo anterior de prova da UFJF também teve menções ideológicas

O módulo anterior do Programa de Ingresso Seletivo Misto da UFJF, aplicado em fevereiro, também contou com questões ideológicas. Em um dos textos de referência, citou-se que o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump era uma ameaça real à democracia, além de várias menções negativas à vertente política de direita, sem contrapontos.

Na prova de História, um texto relacionou políticos de direita, incluindo o ex-presidente republicano, ao fascismo e ao nazismo. Após apresentar três frases sequenciais – uma de Trump, outra de Adolf Hitler e outra de Benito Mussolini –, afirmava-se que nazistas e outros fascistas chegaram ao poder e assassinaram milhões de pessoas a partir de mentiras ideológicas e, em seguida, cita: “Atualmente, testemunhamos uma onda de líderes populistas de direita em todo o mundo. E, bem semelhante aos líderes fascistas do passado, uma grande parte do seu poder político é erigida questionando a realidade; endossando mito, ódio e paranoia; e promovendo mentiras”.

Por fim, era pedido aos candidatos que, a partir do texto, indicassem características de convergência ou divergência entre os líderes de direita com os históricos líderes fascistas.

Em outra questão, uma charge trazia uma ilustração da Estátua da Liberdade colocava uma cédula com o nome do presidente norte-americano democrata Joe Biden numa urna, enquanto que um vírus da Covid-19 depositava uma cédula com o nome de Donald Trump.

Uma das charges com enviesamento ideológico presentes na prova da UFJF
Uma das charges com enviesamento ideológico presentes na prova da UFJF

O único representante de esquerda mencionado na prova foi o ex-presidente da Bolívia Evo Morales, fundador do partido político boliviano Movimento ao Socialismo (MAS). O líder socialista, entretanto, é apontado no exame como vítima de um golpe em 2019, o qual o teria levado a renunciar ao cargo na presidência do país.

A vitória de Morales nas eleições daquele ano, entretanto, era alvo de uma série de acusações de fraude. A Organização de Estados Americanos (OEA) afirmou que houve diversas irregularidades no pleito, chegou a exigir a anulação das eleições presidenciais e a realização de uma nova disputa eleitoral. Na época, a OEA contou com o apoio da União Europeia, dos Estados Unidos, da Colômbia, Estados, da Argentina, entre outros.

Diante de uma agravada crise política que já havia culminado nas renúncias de ministros e políticos aliados a Morales, o ex-presidente boliviano – que teve passagens pelo governo marcadas por acusações de corrupção e autoritarismo – seguiu para o exílio no México. Na prova, é pedido aos candidatos que apontem três fatores que explicam o “apoio popular” ao retorno do líder socialista do exílio para a Bolívia.

Outro lado

A reportagem encaminhou questionamentos à assessoria de imprensa da UFJF, mas não houve retorno até o fechamento da reportagem. Se as informações forem enviadas pela universidade, a matéria será atualizada.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]