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Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash.

"Período de provas". A frase até espanta alguns. Onde quer que o homem vá, para qualquer função que queira exercer na sociedade atualmente, é quase impossível fazê-la sem passar por qualquer natureza de teste, avaliação, ou, mesmo que alguns torçam o nariz, "prova". É uma forma, que pode ser simples ou rebuscada, de saber se alguém está capacitado para realizar determinada função.

Mas nas escolas, aos olhos de muitos educadores, o sistema de provas é "ultrapassado". Há instituições no Brasil que passaram a adotar um modelo que consideram "aberto", "inovador". Em outras palavras, eles aboliram as provas do processo escolar.

Isso é perigoso? Segundo Antônio Jaeger, professor adjunto na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sim, caso a decisão de extinguir as provas escolares não seja baseada em evidências científicas, ou apenas por "achismos".

Mas e os alunos que caem em depressão e ansiedade extrema por conta do excesso de provas? Neste caso, afinal, qual a real importância do método no processo de aprendizagem? A essas e outras questões responde Jaeger, em entrevista à Gazeta do Povo. Leia:

Professor, qual o real papel das provas no aprendizado escolar?

A prova possui duas funções. Primeiro, de caráter avaliativo, de saber o quanto o aluno realmente está aprendendo, e saber se a estratégia de ensino está funcionando. Em segundo lugar, tem a função de motivação para que o aluno avance e saiba que, no futuro, precisa responder, querendo ou não, a certas questões, e isso implica no avanço dele.

Nem sempre é fácil para o professor motivar o aluno a aprender determinados conteúdos, e nem todos os alunos vão gostar de todos os conteúdos, por melhores que os professores sejam.

Que tipo de motivação é essa? Funciona como um estímulo?

Sim, mas essa motivação é no sentido de "obrigar a estudar", e, não, o motivar para que "goste do assunto". Quando o aluno sabe que vai ter que responder aquilo, aumenta a chance dele se empenhar. E isso não quer dizer que ele vai gostar daquilo.

Há escolas que defendem a extinção de provas ou a substituição delas por outras alternativas. E eu entendo isso, é notório que há excessos. Existem escolas privadas, por exemplo, no Brasil todo, que aplicam uma quantidade enorme de provas. Com isso, os alunos acabam sofrendo muita pressão, distúrbios de ansiedade.

Neste caso, essa motivação pode fazer com que o aluno crie aversão à prova, não é? Pois aumenta as chances de ele se empenhar, mas também pode elevar as possibilidades de casos como ansiedade e depressão por alcançar resultados?

Sim, há o outro lado. O aluno pode acabar criando aversão, ter muita ansiedade. Nestes caso, é preciso ter muito critério e não tem resposta fácil para isso. A prova, ao mesmo tempo que motiva, no sentido de obrigar, também causa ansiedade. E alguns estudantes são mais suscetíveis a isso, na universidade, sobretudo, acompanhamos muitos casos de problemas de saúde mental, pois há uma cobrança muito grande, parece que a vida dos estudantes está em jogo naquele momento.

Mas eu não acredito que os casos de problemas de saúde mental se devam a isso, apenas. As provas existem há muito tempo. Ocorreram muitas mudanças em termos de relações entre as pessoas, principalmente com o advento das redes sociais, que podem ter papel nisso, além de outras coisas que não entendemos ainda. É uma série de fatores.

O que se pode fazer para impedir o excesso de provas e, consequentemente, problemas de saúde que acometem estudantes? É preciso considerar, também, que é muito difícil alterar um sistema educacional já estabelecido...

Essa resposta é difícil, porque ainda não sabemos exatamente porque isso está afetando tanto os alunos. Sim, tem tido mais reclamação, busca de ajuda por questões relacionadas à depressão e ansiedade.

Mas não tinha tanto antes porque não era visto, era ignorado? Ou não tinha tanta demanda antes porque não havia essa conectividade constante entre as pessoas e, então, o julgamento não era muito constante? Não tinha antes porque a cobrança era outra? Eu não acredito que a cobrança em universidade, por exemplo, fosse diferente há 20 anos atrás. Talvez fosse até mais severo, mais pesado.

Há alguma outra natureza de prova?

Sim, e este outro lado das provas eu observo e estudo há muito. A gente não precisa usar o mesmo termo, pois é uma prova enquanto estratégia de aprendizagem. O termo técnico que estamos tentando implementar no Brasil é "pratica da lembrança" ou "prática da recordação".

Quando eu tento lembrar de alguma coisa, eu estou praticando a lembrança daquela informação. Por exemplo, eu leio um texto agora e, em vez de ler de novo, 2, 3, 4 vezes, eu tento lembrar de cabeça, e fazer anotações. De uns 10 anos para cá, tem ficado muito em evidência, dentro da psicologia cognitiva da educação, que essa é uma estratégia de aprendizagem bastante eficaz.

É mais eficaz que outras metodologias, como as provas "tradicionais"?

Ainda não há um consenso sobre isso, esse é um ponto importantíssimo. Muitos anunciam esse método como uma panaceia, como se essa fosse a melhor estratégia de aprendizagem e tivesse de ser inserida em todas as escolas. Mas ela é, apenas, tão boa quanto outras, mas não as supera.

Existem estratégias de memorização, por exemplo, através das quais você relaciona determinado assunto a um conhecimento anterior. Você pega uma informação histórica, como a abolição da escravidão, e reflete sobre como ela está relacionada à sua vivência hoje, como isso se relaciona no nosso dia a dia em sociedade. Dessa forma, você faz o aluno pensar e elaborar aquela informação, através da lembrança.

Mas, para isso, o aluno precisa ter um arcabouço de conhecimento de mundo. Se ele não tiver, não funciona, certo?

Sim. Esse tipo de estratégia de ensino tem que estar relacionada ao que ele já conhece. O aluno constrói conhecimento a partir do que sabe.

Mas o teste, no sentido de quiz, exercícios de lembrança, utilização da memória, tem se mostrado bastante eficaz, e, em determinadas situações, será melhor do que uma estratégia mais elaborativa.

Para muitos, hoje, a memória é algo "dispensável". Não temos mais o hábito de memorizar coisas, como números de telefone, endereços, por exemplo. A tecnologia faz esse papel. Dessa forma, como é possível ter uma boa "memorização" nesse estilo de aprendizagem?

Essa é uma questão muito importante. Algumas pessoas argumentam que não precisamos memorizar fatos, como se memorizar fosse decoreba, não servisse para nada. Mas não é assim.

Vou dar um exemplo básico de matemática. Para realizar um cálculo de Bhaskara, é preciso, por exemplo, memorizar a tabuada. Isso significa liderar a memória de curto prazo, memória de trabalho, para lidar com coisas mais complexas. Significa ter, automaticamente, aquela primeira resposta, e poder construir, em cima disso, uma resposta posterior. Sem a memorização da tabuada, será muito mais difícil, terá que dar vários passos, raciocinar em pouco tempo.

Há fatos que precisamos memorizar, e ponto final. Se não, a não conseguiremos atingir certos raciocínios. Obviamente, temos que aprender a pensar, mas, para pensar, precisamos de arcabouço anterior, conhecimento sedimentado.

A alfabetização é um exemplo, certo? Não se aprende a ler sem memorizar a relação entre letras e sons.

Sim, a criança não vai aprender. Quando ela chegar à etapa dos verbos irregulares, ela não vai conseguir avançar, se não tiver memorizado. Isso provoca, até mesmo, o fenômeno da super regularização, quando o aluno que está aprendendo a ler entende como regra que, por ser "eu comi, eu dormi", pode haver "eu fazi" também.

Isso é memória específica para aquela informação. Fazemos naturalmente, mas, na escola, é preciso entender que é algo complexo para as crianças, e alguma parcela de memorização bruta tem que ter. Existem várias estratégias para fazer isso, mas a literatura mostra a eficiência de se usar a prática da lembrança, distribuída ao longo do tempo.

Como isso funciona?

Por exemplo, se o professor ensinar aos alunos que Porto Alegre é a capital do Rio Grande do Sul, ele poderia perguntar, durante vários momentos da aula, qual é a capital do Rio Grande do Sul. E ao longo da semana, perguntas várias vezes. Esse é o aprendizado distribuído, e não em massa.

Mas há um erro que acontece com bastante frequência, sobretudo em universidades americanas. Quando chega a época de provas, os alunos estudam tudo o que aprenderam no semestre em apenas uma semana. Feito "doido". Esse é o aprendizado em massa, ele dura menos, pode ser muito bom para aquele momento, mas, depois de um ano, o aluno não lembra de nada. Quem estudou em um mês terá melhor memória e conhecimento depois de um ano do que quem estudou em massa.

Quais as consequências de não se aplicar testes no processo de aprendizagem? Excluir a prova é perigoso?

Não sei se houve alguma experiência bem documentada sobre isso. Temos que ter muito cuidado e procurar basear nossos procedimentos em pesquisas consolidadas. É muito perigoso fazer mudanças baseadas na intuição. As pessoas que querem excluir totalmente a prova não têm subsídio para dizer que é melhor de um jeito ou outro. Não têm base em evidência científica.

Há décadas, a prova tem sido usada na nossa sociedade, e as pessoas tem aprendido. No mundo todo. Mudar todo um sistema, todo uma geração, pode, até mesmo, comprometer pessoas.

Há uma expectativa muito alta de que o professor, sem prova, vai conseguir motivar o aluno, e alguns certamente vão, mas eu duvido que seja a maioria. A gente sabe das dificuldades dos nossos professores, de formação, salário baixíssimo, de estrutura escolar terrível, não ter equipamentos, laboratórios. Como é possível motivar nessa situação?

E se não há avaliação, como medir os resultados? Os alunos vão chegar na universidade e vão ter provas, não vão se formar sem provas. Não consigo imaginar um curso de Odontologia no qual o aluno se forme sem passar por provas. Isso serve para todos os cursos.

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