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Etapa das Olimpíadas da Língua Portuguesa, organizadas pelo Itaú Social | Reprodução
Etapa das Olimpíadas da Língua Portuguesa, organizadas pelo Itaú Social| Foto: Reprodução

Em 2016, cerca de 50 mil alunos da rede pública, de mais de 4.500 cidades diferentes, participaram das Olimpíadas da Língua Portuguesa. O projeto envolveu ainda 81 mil professores de todo o país. O programa ofereceu atividades de formação aos jovens matriculados na rede pública e colocou à disposição dos estudantes diversos materiais de apoio que foram levados para dentro da sala de aula a fim qualificar o aprendizado. Tudo isso partiu de uma iniciativa do setor privado, a Fundação Itaú Social.

O braço social do banco Itaú, ao todo, investiu R$ 95 milhões em projetos educacionais em 2016. Em 2017 o orçamento previa o investimento de R$ 120 milhões. 

A exemplo de outros institutos e fundações surgidas do senso de responsabilidade social de empresas ou de famílias que comandam companhias, como a Fundação Lemann, do empresário João Paulo Lemann, e o Instituto Natura, o Itaú Social é uma instituição que se encaixa no perfil do investidor social privado, que vem se consolidando como um aliado da esfera pública no objetivo de melhorar a educação brasileira nos últimos anos. 

Investimentos constantes

Em 2016, segundo o Benchmarking de Investimento Social Corporativo (BISC), produzido pelo Instituto Comunitas, as empresas que investem em educação no Brasil desembolsaram R$ 926 milhões em programas para o setor. O valor representa 40% do total aplicado pelos braços de responsabilidade social corporativos e é semelhante ao que o governo federal investiu em livros didáticos para o Ensino Fundamental em 2017. 

Por causa das oscilações na economia do país, a cifra registrou uma queda de 12% em relação à última edição da pesquisa. Mas, para Anna Pelliano, professora e coordenadora do BISC, os valores ainda devem ser comemorados. Mesmo com a crise econômica que assolou o país nos últimos dois anos, as empresas não perderam o apetite por investir no segmento. “As empresas procuraram preservar os recursos para a educação, apesar da crise”, diz ela. 

O tamanho do impacto

Criada em 2002, a Fundação Lemann, que toca projetos financiados com recursos da família do empresário brasileiro João Paulo Lemann, tem foco na melhoria da aprendizagem de todos os alunos da rede pública da Educação Básica. A instituição afirma ter beneficiado mais de 1 milhão de alunos em 2016, apenas com um programa que leva tecnologia à sala de aula. No mesmo ano, a fundação se debruçou sobre a construção do texto final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que está prestes a ser aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). 

De acordo com o seu relatório de 2016, a instituição ajudou a articular o trabalho de 78 pessoas e organizações que se uniram para aprimorar a BNCC. “Este compromisso e trabalho intenso foram fundamentais para assegurar a construção de uma política pública de Estado e não de governo, mesmo no contexto político instável que marcou o país”, diz o documento institucional.  

Ainda em 2016, a Fundação Lemann comemorou o fechamento de uma década de uma parceria com a Universidade Harvard, dos EUA. O projeto já alcançou 148 pesquisadores e estudantes brasileiros, que tiveram a oportunidade de ampliar a produção acadêmica em conjunto com a tradicional instituição de Cambridge. Em uma parceria com o Google, a fundação forneceu vídeo-aulas na plataforma batizada de “YouTube Edu”. No projeto denominado “Formar”, a instituição atua nas secretarias de educação e escolas para apoiar a formação de educadores - a intervenção atingiu 600 mil alunos em diferentes regiões do Brasil.  

Um dos poucos institutos que conseguiu crescer em volume de investimentos em meio ao cenário de crise, o Instituto Natura injetou R$ 23 milhões em seus projetos educacionais no último ano, ante R$ 19 milhões em 2015. Com foco em formação dos professores dos Anos Inicias do Ensino Fundamental, projetos envolvendo comunidade escolar, gestores públicos e consultoras Natura, a instituição conseguiu atingir 10 mil professores e 460 mil alunos no país, segundo o seu relatório 2016. 

Financiado por doações de empresas, pessoas físicas e incentivos fiscais, o Instituto Ayrton Senna (IAS) tamém é um dos protagonistas do investimento em educação fora do eixo público. Focado em parcerias com secretarias estaduais e municipais, o IAS está presente em em 18 estados e, em 2016, seus projetos atingiram 1,5 milhões de estudantes em mais de 660 municípios. No ano passado, a Organização Não Governamental (ONG) recebeu R$ 38 milhões em doações. A maior parte tem origem nos royalties de licenciamento da marca institucional, Ayrton Senna e Senninha, que representam 62% dos recursos da instituição e são repassados integralmente ao IAS. O investimento final deste ano superou o valor arrecadado e chegou aos R$ 45 milhões. 

 Também sustentada por doações, a ONG Todos pela Educação foca seus trabalhos na construção de projetos para melhorar as condições de acesso à escola e a qualidade de ensino no Brasil. O grupo chegou a criar cinco metas a serem alcançadas pelo país até 2022. Entre elas, alfabetizar todas as crianças brasileiras até os 8 anos de idade e que todo jovem conclua o Ensino Médio até os 19 anos. 

O Todos, como é conhecido, também tem um intenso trabalho na divulgação de pesquisas e relatórios sobre desempenhos escolares e na geração de dados que auxiliam nos trabalhos de implementação de políticas públicas educacionais. Parte dos recursos que mantêm a atividade do Todos, em parte, são oriundos dos institutos sociais privados, como a Fundação Lemann, o Instituto Natura e o Itaú Social, que trabalham em parceria com a ONG.

Educação é prioridade nos investimentos

De acordo com o Censo 2016 do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE), 60% das instituições que participaram do levantamento aplicaram recursos na educação - é o triplo do segundo setor para onde os recursos mais se direcionam, o de desenvolvimento local, comunitário ou de base. 

“Essa concentração se nutre dos efeitos multiplicadores que a educação pode ter”, afirma José Marcelo Zacchi, secretário-geral do GIFE. O censo, divulgado nesta semana, teve participação de 116 associados. Destes, 15% são empresas, 53% institutos e fundações empresariais, 19% institutos familiares e 14% organizações independentes e comunitárias.  

Em um dos artigos publicados no relatório do Censo GIFE, Erika Saez e Graziela da Silva, ambas membros do corpo técnico da associação, afirmam que o alto investimento dos recursos privados em educação “está relacionado ao fato de que educação universal e de qualidade ainda é um desafio que o Brasil tem para superar”. 

O censo do GIFE mostra que a maior parte dos recursos dos investidores sociais privados são oriundos das empresas, com investimento próprio de seus braços sociais, o que representa 46% do montante. Em seguida, aparecem os rendimentos de fundos patrimoniais, com 28%. A pesquisa diz que 6% do volume total têm como origem recursos do poder público federal, estadual ou municipal. 

Ainda de acordo com a pesquisa do GIFE, os Anos Finais do ensino fundamental lideraram o recebimento de investimentos - 41 organizações disseram ter promovido ações nesta fase escolar. O ensino médio, que vem na sequência, foi o foco de atuação de 32 instituições. Com apoio de 24 instituições, a educação infantil (crianças entre 4 e 5 anos) recebeu 28 projetos privados. O Ensino Superior foi alvo de 16 projetos promovidos por 15 instituições. O envolvimento menor foi registrado no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), área em que apenas dez organizações investiram.  

Para Anna, as empresas investem pesado na educação por verem nesse segmento a chance de gerar transformações mais profundas e de longo prazo. Há, também, o consenso de que a educação é um problema histórico do país, e a mudança desse paradigma passa por boas ações e um esforço coletivo, unindo recursos públicos e privados. “A dificuldade que as empresas enfrentam para encontrar uma mão de obra qualificada também é uma motivação”, acrescenta a professora. Hoje, segundo a coordenadora do BISC, “as empresas não querem só assinar o cheque”. 

Intervenção ou parceria?

Uma das críticas de parte da academia recai sobre o fato de que o meio empresarial estaria, a partir destes investimentos, realizando uma intervenção privatista na educação brasileira. Em artigo publicado na revista do Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil, a HISTEDBR On-line, a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Vânia Motta, alerta para um “desmonte do caráter público da educação”, dada a forte intervenção corporativa no direcionamento das políticas públicas no país. 

Em seu texto, Vânia afirma que as empresas acabam criando iniciativas voltadas exclusivamente para a formação de uma mão de obra aos moldes da sua visão de mundo. Ela sustenta que o investimento corporativo na educação tem a finalidade de causar um desmonte do caráter público da educação. “A inserção do empresariado na direção político-pedagógica das escolas públicas brasileiras, diante desse bloco no poder – fortemente organizado por meio do Todos pela Educação e explícita ‘união pessoal’ – é um grande desafio para a classe trabalhadora e para os trabalhadores da educação”, escreveu a docente no artigo. 

Medindo o impacto

Em artigo publicado em 2007, a pesquisadora Vera Maria Peroni, fez um levantamento do trabalho do Instituto Ayrton Senna (IAS) em dois municípios do Rio Grande do Sul. O trabalho acadêmico analisou as consequência da aliança público-privada dentro do sistema público de educação. A conclusão foi de que o IAS, neste caso, definiu as diretrizes gerenciais e pedagógica da escola, o que acabou “redefinindo não apenas o espaço público, mas também sua autonomia”. No artigo, Vera questiona o que leva o Estado a fazer esse tipo de parceria. “Quais serão as consequências para a gestão da educação pública, sendo que o instituto determina como e o que será ensinado, e monitora todos os passos do município, retirando parte de sua autonomia”, questionou a autora.  

Nos últimos anos, no entanto, o que tem sido observado nas pesquisas de investimento social privado é um alinhamento maior dos projetos corporativos com as políticas públicas de educação. “A gente vê que as empresas estão buscando cada vez mais reforço escolar, na linha complementar ao que o governo faz, e atentas a diretrizes de política de educação”, diz Anna.  

Na visão da coordenadora do BISC, o Estado deve continuar sendo o principal responsável pelo financiamento da educação. O aporte das empresas representa uma quantia pequena em relação ao investimento do Ministério da educação (MEC) - em 2016, por exemplo, só na Educação Básica, o MEC gastou R$ 136 bilhões. “Não vejo as empresas substituindo o Estado”, afirma a professora.  

Para Zacchi, esse entendimento de que o trabalho privado na educação tem caráter intervencionista é injusto – basta observar os tipo de investimento feitos pelas empresas nos últimos anos, grande parte alinhados com as políticas públicas governamentais. “Formar um conjunto coletivo de investimentos é o desafio, ainda precisamos refletir sobre a sobre a melhor forma de fazer isso”, pondera. 

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